A serviço do ser humano

Várias iniciativas na Universidade seguem princípios da Economia de Francisco e Clara
A empreendedora Neuza Maria encontrou na Economia Solidária o suporte para se estabelecer como cidadã e mulher | Foto: Raphael Calixto
A empreendedora Neuza Maria encontrou na Economia Solidária o suporte para se estabelecer como cidadã e mulher | Foto: Raphael Calixto

De mulher submissa e dependente do marido a empreendedora. Em 2000, Neuza Maria Ferreira passou pelo processo de formação de mulheres para a Economia Solidária. A experiência foi o ponto de virada em sua vida. A partir das capacitações, Neuza passou a perceber o seu potencial produtivo e encontrou na Economia Solidária suporte para se estabelecer como cidadã e mulher. “A economia solidária me deu suporte de saber o que eu quero, para resolver a minha vida e ajudar outras pessoas. Trabalho com produção e venda de bolsas juntamente com outras mulheres. Somos autogestionadas, dividimos nosso trabalho e a nossa renda”, explica Neuza, que atualmente é integrante do Fórum de Economia Solidária de Belo Horizonte, coordenadora do Fórum Mineiro e conselheira do Conselho de Economia Solidária de Minas Gerais.

Em 2010, o tema da Campanha da Fraternidade foi Economia Solidária. E o grupo do qual Neuza participava propôs a realização de uma feira na Universidade. Surgiu então a Feira de Economia Solidária da PUC Minas. A ideia deu tão certo que a partir de 2012 a feira passou a integrar o calendário de eventos da Universidade, sendo realizada anualmente pela Pró-Reitoria de Extensão.

A Economia Solidária é uma prática de produção e consumo em que as pessoas se organizam em cooperativas ou associações. O modelo privilegia a autogestão, o meio ambiente e coloca o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica. Não há patrão e empregados, as decisões são orientadas pela autogestão e pelos princípios de igualdade e democracia. “Assim como a Economia Solidária, que está baseada nos princípios da equidade, da dignidade dos trabalhadores e da fraternidade, a Economia de Francisco e Clara está intimamente relacionada à democracia, a uma economia mais justa, que respeita as minorias, o papel da mulher na economia. A Economia Solidária é uma das bem-sucedidas experiências brasileiras que representam a Economia de Francisco e Clara (EFC)”, explica Emmanuele Silveira, que participa da comissão organizadora da feira na Proex e é membro do Grupo de Reflexão e Trabalho para a Economia de Francisco e Clara na PUC Minas.

Assim como a Feira de Economia Solidária, a PUC Minas desenvolve diversos projetos de Extensão e Pesquisa que estão diretamente ou indiretamente relacionados aos princípios da EFC. Para o professor Frederico Rick, coordenador do Grupo de Reflexão e Trabalho para a Economia de Francisco e Clara na PUC Minas, a filosofia da EFC é naturalmente relacionada à identidade da Universidade. “Pela natureza da missão e identidade da PUC Minas, indissociáveis do ethos humanista, com valores centrados na dignidade humana, é natural que isto aconteça. A Universidade é um espaço para a reflexão e para o fomento de novos conceitos e ideias para a sociedade”, explicou.

Esta identificação entre a Universidade, a Extensão e a Economia de Francisco e Clara é vista de forma natural e esperada também pelo pró-reitor de Extensão, professor Wanderley Chieppe. “A Extensão Universitária tem uma forte sintonia com a missão da PUC Minas, uma vez que, em ambas, há uma preocupação com o desenvolvimento humano e social, visando a construção de uma sociedade mais justa, em que a ciência, a economia e a política estejam a serviço do bem comum, e não voltadas para o lucro e o enriquecimento de um pequeno grupo social, gerando exclusão e desigualdade”, destaca o professor Wanderley. “Uma vez que a Extensão fundamenta suas ações no desenvolvimento integral do ser humano, na preservação da vida e do planeta, na sustentabilidade ambiental, econômica e social, em projetos de apoio e estímulo à emancipação das comunidades mais vulneráveis, em projetos de fortalecimento de grupos de pequenos produtores na direção de uma economia solidária e baseada na fraternidade, em projetos de recuperação de pessoas presas e privadas de liberdade, em iniciativas de defesa dos direitos humanos, sobretudo dos mais excluídos, entre outros, já existe uma identificação com a Economia de Francisco e Clara, tornando possível o desenvolvimento de ações em cooperação”, pondera.

O professor Wanderley ressalta que a relação de projetos que compartilham dos mesmos princípios da Economia de Francisco e Clara é extensa, são mais de 80 iniciativas. Agora, a Pró-Reitoria de Extensão e o Grupo de Reflexão e Trabalho para a Economia de Francisco e Clara começam a pensar em possíveis parcerias e ações conjuntas. “Já estão em estudo possíveis alternativas para a inclusão das propostas da EFC, que tenham interface com a Extensão, nos editais da Pró-Reitoria de Extensão. Certamente, essas iniciativas poderão trazer contribuições para ambos os lados, além das comunidades envolvidas”, conclui Wanderley Chieppe. O professor Frederico Rick destaca que já estão em andamento iniciativas em parceria com a Proex, como a contribuição na realização do Seminário de Economia Solidária, assim como com a Feira de Economia Solidária. “Além disso, vamos buscar também realizar junto com a Pró-Reitoria de Extensão iniciativas de formação sobre a EFC para extensionistas”, explica Frederico.

O professor Armindo Teodósio, coordenador do Nupegs, núcleo do programa de Pós-graduação em Administração que atua em consonância com os princípios e com a filosofia da Economia de Francisco e Clara | Foto: Raphael Calixto

Convergência com a Pesquisa

Os princípios da Economia de Francisco e Clara também estão consolidados nas linhas de pesquisa, núcleos de pesquisa, teses e dissertações dos programas de pós-graduação da Universidade. “Temos diversas frentes de pesquisa que seguem na direção dos princípios da Economia de Francisco. Não existe ainda um programa específico, edital ou uma agenda direcionada para a temática. Isso vem sendo desenvolvido organicamente na Instituição”, explica o assessor da Pró-Reitoria de Pesquisa e de Pós-graduação, professor Alexandre Diniz.

Outro exemplo de atuação da Pesquisa da PUC Minas em consonância com os princípios e com a filosofia da EFC são as atividades do Núcleo de Pesquisas em Ética e Gestão Social (Nupegs) do Programa de Pós-graduação em Administração. O núcleo desenvolve várias iniciativas e projetos como o Concurso de Empresas Sociais (leia mais na sequência dessa matéria). “Quando surgiu a convocatória do Papa, em 2019, para que pensássemos uma outra economia orientada para as pessoas, para o ambiente, para os grandes problemas públicos que ampliassem a democracia, a participação, a inclusão, que reduzisse a desigualdade de renda, de poder, de status social, naturalmente percebemos uma convergência muito grande com as nossas pesquisas, reflexões, práticas, no Ensino, Pesquisa e Extensão”, explica o coordenador do Nupegs, professor Armindo dos Santos Teodósio. “E, logo, fomos incorporando esse diálogo com a economia de Francisco e Clara. Principalmente para apoiar, difundir, aprofundar a difusão desse chamamento, dessa utopia muito necessária, urgente, de se pensar uma economia mais responsável, mais orientada para a sociedade, mais plural, democrática e sustentável”.

Ainda em relação à Pesquisa, o professor Sérgio de Morais Hanriot, pró-reitor de Pesquisa e de Pós-graduação, aponta que a Universidade tem duas importantes bússolas externas, que dão o direcionamento para aproximar as atividades de pesquisa ainda mais dos princípios de Francisco e Clara. “Um dos quesitos avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) é o grau de inserção social dos programas. Já os rankings, como o Times Higher Education, publicam o Impact Ranking, que analisa as instituições do mundo inteiro no que diz respeito à contribuição em relação à promoção dos 17 ODSs”, explica Sérgio Hanriot.

Transição para uma nova economia
Fernando Ávila

Thaís Oliveira Silva Souto, do Curso de Administração da Unidade Praça da Liberdade: “A superação da Minero-Dependência ocorrerá gradualmente e são projetos sociais como o nosso que irão auxiliar na transição para uma nova economia” | Foto: Raphael Calixto

Possibilitar, através da criação simulada de empresas sociais, o estímulo à reflexão entre os alunos sobre as alternativas para a superação da Minero-Dependência em Brumadinho. Com este propósito nasceu o Concurso de Empresas Simuladas, uma iniciativa do projeto de extensão Universidade Aberta, vinculado ao Nupegs (Núcleo de Pesquisas em Ética e Gestão Social) do Programa de Pós-graduação em Administração e que integra o programa de extensão PUC Minas e Brumadinho – Unindo Forças. As empresas sociais são empreendimentos voltados para a geração de valor social, ambiental e econômico para a sociedade. A prática, de caráter extensionista, reúne alunos dos cursos de Administração (Coração Eucarístico, Praça da Liberdade, Betim e São Gabriel) e Engenharia Mecânica (Coração Eucarístico).

A “BrumAr-te” foi a empresa social classificada no primeiro lugar geral do concurso mais recente. A empresa surgiu da junção das palavras Brumadinho e arte e tem como atividade principal a geração de renda pela exploração do turismo comercial, por meio da criação de produtos artesanais que trabalham a identidade e cultura locais de Brumadinho e que integram o roteiro turístico tradicional da cidade. “A superação da Minero-Dependência ocorrerá gradualmente e são projetos sociais como o nosso que irão auxiliar na transição para uma nova economia”, diz Thaís Oliveira Silva Souto, do Curso de Administração da Unidade Praça da Liberdade, que afirma pretender tirar a ideia do papel.

Professor das disciplinas de Sustentabilidade Organizacional e Empreendedorismo e coordenador do projeto Universidade Aberta, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, explica que o concurso surgiu em 2018 como uma forma de inovar no ensino de sustentabilidade e que, desde então, mais de dez turmas já realizaram o concurso, que presta homenagem à aluna Fernanda Batista do Nascimento, vítima da tragédia que tirou a vida de centenas de pessoas em Brumadinho, em 2019, e que causou incontáveis prejuízos econômicos, sociais e ambientais.

“Vários desses projetos têm inspirado mudanças em empresas e empreendimentos em atuação em Brumadinho e a criação de empresas sociais nesse município. O projeto pode e deve avançar para envolver financiadores da atividade e profundas integrações com diferentes frentes de incubação de novos negócios disponíveis dentro e fora da PUC Minas. No âmbito da Universidade, os estudantes podem recorrer à Incubadora Ideias, ao Plano de Aceleração de Negócios (PAN) e até ao PUC Tec”, orienta.

O professor salienta que as empresas sociais geram valor econômico, mas de forma mais distribuída e não concentradora, combatendo a desigualdade econômica, além de gerar impacto social e ambiental relevantes, ajudando a sociedade a resolver problemas sociais e ambientais que enfrentam. “Cabe destacar que não são projetos sem fins lucrativos. Nesse sentido, as empresas sociais diferenciam-se das organizações filantrópicas e não governamentais porque têm como missão comercializar produtos e serviços no mercado”, ensina.

Tecnologias sociais

Um dos extensionistas que atuaram no projeto Universidade Aberta e que hoje participa do Grupo de Reflexão e Trabalho para a Economia de Francisco e Clara é o mestre em Administração Ramon Jung Pereira, 28. Ele foi um dos que contribuíram com a metodologia do concurso, tendo inclusive feito uma análise sobre ela em sua dissertação. Ele conta que participou pela primeira vez em 2018, como jurado, compondo banca examinadora que avaliou os negócios sociais. Depois de ingressar no Programa de Pós-graduação em Administração, começou a estudar e a participar das atividades, planejamento, relações com palestrantes e comunidade, e junto com o professor Teodósio e uma equipe pedagógica “muito envolvida” começaram a trabalhar na metodologia da prática.

“Os alunos são estimulados a criar negócios que abarquem inovações e tecnologias sociais desenvolvidas ‘com’ e não ‘para’ a comunidade. Uma construção de dentro para fora. Uma construção democrática e coletiva, e não uma imposição”, afirma.

Pereira explica que a metodologia é dividida em quatro etapas e que, na fase do desenvolvimento, é indicado um mentor para cada grupo. “Esse mentor é representante da cidade de Brumadinho em alguma vertente”, explica.

A jornalista Maria Carmem de Souza Silva, 53, foi uma das moradoras de Brumadinho convidadas para participar. Ela conta que, durante três anos, teve a oportunidade de interagir com os estudantes. De acordo com ela, esse tipo de empresa ajuda a comunidade a pensar em alternativas de ganho fora da mineração. “Acho que é muito importante porque faz as pessoas pensarem que há outras possiblidades. A gente tenta, mas infelizmente não há um alcance muito grande dessas ideias, é muito demorada essa mudança de pensamento, de cultura. Mas é um primeiro passo, muito importante. Espero que esse trabalho continue e que essas empresas sejam implantadas um dia na cidade.”


Os 10 princípios da Economia de Francisco e Clara

  1. Cremos na Ecologia Integral
  2. Cremos no Desenvolvimento Integral
  3. Cremos em alternativas anticapitalistas
  4. Cremos nos Bens Comuns
  5. Cremos que ‘Tudo está interligado’
  6. Cremos na potência das periferias vivas
  7. Cremos na economia a serviço da vida
  8. Cremos nas Comunidades como Saída
  9. Cremos na Educação Integral
  10. Cremos na solidariedade e no clamor dos povos

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