Muito mais que empreender

Pesquisa investiga perfil de mulheres empreendedoras e seus discursos no espaço digital
A aluna e pesquisadora Julie Soares de Andrade acredita que o empreendedorismo atua como forma de libertação na vida das mulheres | Foto: Bruno Timóteo
A aluna e pesquisadora Julie Soares de Andrade acredita que o empreendedorismo atua como forma de libertação na vida das mulheres | Foto: Bruno Timóteo

A possiblidade de conciliar o mercado de trabalho com a família, a dificuldade de se estabelecer em um mercado que não as absorve, ou aceitam, e a perspectiva de sair de relacionamentos abusivos são as principais motivações para busca do empreendimento próprio por parte das mulheres. No Brasil, de acordo com dados do Global Entrepreneurship Monitor 2020 (GEM), principal pesquisa sobre empreendedorismo do mundo, feita em parceria com o Sebrae, mulheres empreendedoras são mais de 30 milhões em 52 milhões de empreendedores, o que faz do país o sétimo com o maior número de mulheres empreendedoras no mundo. Já as mulheres que são microempreendedores individuais (MEI) representam 48% desse total, com segmentos voltados para beleza, moda e alimentação. Porém, mesmo sendo quase a maioria, segundo o Fórum Econômico Mundial (FMI), serão necessários 136 anos para a igualdade entre homens e mulheres seja alcançada em todo o mundo.

A pesquisa Novas produções de significado do consumo: Os sentidos do conceito de “Reinvenção” no contexto da pandemia da Covid-19, realizada pelo Programa de Bolsas de Iniciação Científica (Probic) da PUC Minas e de autoria de Julie Soares de Andrade, aluna do Curso de Publicidade e Propaganda da Unidade Praça da Liberdade, em parceria com a professora Lúcia Lamounier Sena, tem como objetivo investigar as práticas de consumo e mercantilização a partir da construção de sentidos sobre o empreendedorismo feminino.

Inicialmente, a ideia da pesquisa era investigar as motivações do consumo na pandemia, fazendo um recorte para o marketing e antropologia, mas a partir de pesquisas, o empreendedorismo feminino despertou mais interesse. “A ideia inicial não tinha nada a ver com empreendedorismo e estudo de gênero, mas é isso que é a iniciação cientifica, é você ir descobrindo as infinitas possibilidades. Quando começamos a pesquisar o termo de ‘Reinvenção’, sobretudo em campanhas publicitárias de instituições financeiras, percebi que retratava muito a questão das mulheres”, explica a aluna.

Para a pesquisa, a aluna participou, durante seis meses, de uma comunidade no Facebook chamada Mulher que empreende, coletando postagens, relatos, entrevistas e comentários para fazer a análise de discursos de mais de 100 mil mulheres pertencentes a esse ambiente. De acordo com a orientadora da pesquisa, professora Lúcia Lamounier Sena, foi o próprio processo de pesquisa que provocou esse direcionamento e a escolha do grupo. “Na análise descobrimos a maneira como essas mulheres vão dando visibilidade a si mesmas, aos seus projetos empreendedores, mas descobrimos que, sobretudo, sobre a sua própria vida, a narrativa da sua dinâmica, de como ela chegou lá e o que significou. Neste grupo, particularmente, as mulheres que se sentem muito vitoriosas, falando de suas dificuldades, mas vitoriosas no alcance desse sonho”, diz a professora.

A partir dos dados coletados, as empreendedoras foram divididas em cinco categorias: Mãe, Coach, Meritocracia, Libertação e Acesso ao Divino. “As categorias foram criadas a partir do que as mulheres mais comentavam no grupo, não necessariamente pelo que elas empreendem, mas a maneira com que elas se apresentam nesse espaço digital”, explica Julie. De acordo com a pesquisadora, para selecionar em qual categoria a empreendedora iria ficar, foi feito uma nuvem de palavras com seus próprios discursos e as palavras que mais apareciam definiam a mulher naquela categoria. “Na categoria Coach as palavras eram coach, empreendedorismo, carreira, vida. Na categoria Mãe eram casa, filho, mãe, dona de casa, marido. Meritocracia: livro, estudar, dinheiro, finanças. Os discursos eram muito fiéis a sua categoria, porém, na análise final, eu percebi que tem muitas divergências entre elas, muitas que são mães e não estavam na categoria mãe. Todas elas buscando algum tipo de liberdade e muitas da categoria mãe atrelando o seu sucesso ao divino”, comenta Julie.

Para as autoras da pesquisa, mesmo não tendo dados específicos sobre renda e classe social, o grupo reflete o que é o empreendedorismo no Brasil, que são em sua maioria, microempreendedores sem formação e pertencentes à classe C. “Eu entrava no grupo todos os dias e coletava diferentes postagens, tudo o que eu achava que eu poderia usar nos dados da pesquisa, e a partir daí pesquisei sobre o empreendedorismo no Brasil. Achei o grupo bem representativo do que é o empreendedorismo no país”, opina Julie.

A professora Lúcia explica que o paralelo que fizeram, então, com as campanhas de instituição financeira mostraram que tanto o grupo, quanto as mulheres nos vídeos publicitários têm vários pontos em comum. “O que é muito semelhante nas narrativas que a campanha traz diz respeito à dimensão do negócio, porque todos são pequenos, muitas mulheres negras e as mulheres do grupo se aproximam muito desse perfil. Também há aquilo que elas manifestam, que é muito presente em todas, que é a ideia do sonho, do empreendimento como sonho”, analisa a professora, que ainda complementa: “Sabemos que são instituições que pesquisam muito para poder construir a sua comunicação publicitária. Vão trazer o perfil para quem eles querem se comunicar, então, eu acho que há semelhança, inclusive porque a estratégia de comunicação do banco é baseada em pesquisas como a nossa, uma pesquisa de perfis”.

Empreendedorismo e liberdade

Monica Oliveira, fundadora do grupo Mulher que Empreende, explica que mulheres empreendem mais por necessidade do que os homens | Foto: Arquivo pessoal

Monica Oliveira, fundadora do grupo Mulher que empreende, trabalhava com produção de programa de televisão antes de começar a empreender e, por causa do fluxo de trabalho no antigo emprego, começou a ter depressão e crises de pânico e, por isso, resolveu mudar de carreira. “Depois de tratamento, eu entrei em curso de coaching e gostei demais da linha que a profissão segue e comecei a estudar e virei coach. Só que, até então, eu trabalhava para uma empresa. Eu virei empreendedora da noite para o dia, então não sabia por onde começar”, conta Monica.

Foi buscando uma rede de apoio que a ajudasse no início do seu empreendimento que Monica criou o grupo há quatro anos. Hoje, por causa dele, se especializou em empreendedorismo feminino e carreira para mulheres. “O grupo foi crescendo e eu passei a utilizá-lo para ajudar outras mulheres que estavam passando pelo mesmo processo que eu. Passei a usar o grupo para que eu também pudesse apoiá-las de alguma forma”. Para Monica, o empreendedorismo veio para ter liberdade, tanto pessoal, como profissional. “Veio como liberdade em vários aspectos, uma liberdade pessoal de poder fazer alguma coisa que tem um propósito, porque até então eu trabalhava no piloto automático, eu nunca parei para pensar em um propósito e, de repente, eu tenho um”, explica a coach, complementando que as mulheres empreendem mais por necessidade do que os homens.

Assim como Monica, a maioria das mulheres que buscam o empreendedorismo querem alcançar alguma forma de independência. Em sua pesquisa, Julie conta que o que mais a surpreendeu foi como o empreendedorismo realmente atua na vida de mulheres como uma peça fundamental para a libertação. “O empreendedorismo dá a essas mulheres uma libertação financeira, ou para sair da carteira assinada, com padrões de abuso, ou de relacionamentos abusivos. Muitas informam que trabalhavam muito, não tinham tempo para os filhos, não tinham tempo para si, não ganhavam o suficiente e que o empreendedorismo conseguiu entregar a elas essa chave para mudar a vida de certa forma”, ilustra Julie.

Lúcia e Julie ainda contam que outra particularidade dessas mulheres é a sororidade que há no grupo, uma ajudando a outra. “É um grupo que não se conhece pessoalmente, que estão unidas pelo fato de serem empreendedoras e buscam ali formação, dicas, às vezes, até mesmo, desabafo. A pesquisa demonstra que esses grupos são realmente muito importantes para as mulheres que estão nessa área. É um grupo de apoio em vários sentidos, emocional, até mesmo afetivo, mas profissional também”, comenta Lúcia.

Temas Relacionados

Fale Conosco