revista puc minas

Comunidade Amparo aos excluídos

IMG_0947

Projeto Andanças promove a cidadania entre as pessoas em situação de rua

Fome, sede, exposição à chuva, ao frio e vulnerabilidade social são algumas das dificuldades às quais pessoas em situação de rua estão sujeitas. Entretanto, para o baiano Maurílio Pereira, que vive nas ruas há 30 anos, o maior desafio é, sem dúvida, o preconceito. Com o objetivo de combater a exclusão social e promover a cidadania entre as pessoas que estão na mesma situação de Maurílio, o projeto de extensão Andanças: clínicas de rua, políticas públicas e direitos humanos no trabalho junto à população de rua, desenvolvido desde 2015 com fomento da Pró-reitoria de Extensão (Proex), oferece suporte e orientações aos beneficiários.

“Muitos alunos e professores vêm conhecer nossa história e passam a caminhar conosco. Isso nos fortalece e chama a atenção de outras pessoas que antes nos viam apenas como marginais”

Maurílio Pereira

A equipe, que já desenvolveu mais de 500 atividades, trabalha em parceria com a Pastoral de Rua, da Arquidiocese de Belo Horizonte, e a Comunidade Aliança de Misericórdia. As ações desenvolvidas integram uma rede voltada para a construção de um conjunto de políticas para a população em situação de rua, que é tão vulnerável.

A iniciativa promove um conjunto de práticas – psicológicas, de saúde e jurídicas – junto à população em situação de rua em Belo Horizonte, como acolhimentos individuais e em grupo, oficinas sobre práticas de cuidado e promoção da saúde, cuidados de enfermagem como realização de curativos e orientações sobre preservação da saúde e prevenção de doenças e suas consequências. Também são realizados atendimentos psicológicos e jurídicos, como consulta a mandados de prisão, emissão de carteira de trabalho e outros documentos, informações sobre aposentadoria, fornecimento de Bolsa Moradia da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), orientações sobre direitos e deveres no exercício da cidadania, entre outras atividades. Em 2015, foram desenvolvidas mais de 500 atividades pela equipe. Os atendimentos e orientações psicológicos, de saúde e jurídicos, são realizados, em duplas ou em trios, por alunos de Psicologia, Enfermagem e Direito.

Atualmente o baiano Maurílio não vive mais debaixo de viaduto e sim em uma república, em Belo Horizonte, que recebe moradores de rua, graças ao encaminhamento feito pelas equipes da Pastoral de Rua e do projeto Andanças. Para ele, a atuação dos professores e alunos da PUC Minas é importante para que a sociedade enxergue os moradores de rua com outros olhos. “Muitos alunos e professores vêm conhecer nossa história e passam a caminhar conosco. Isso nos fortalece e chama a atenção de outras pessoas que antes nos viam apenas como marginais”, considera. Quando os pais e avós de Maurílio faleceram, ele tinha 20 anos e mudou-se para São Paulo em busca de trabalho. Na capital paulista ficou desempregado e, por não ter como arcar com os custos da pensão onde vivia, voltou para a Bahia. No entanto, não encontrou emprego e decidiu “dar um giro pelo país” para encontrar trabalho. “É preciso procurar outros lugares para tentar sobreviver. Foi o que eu fiz e estou fazendo até hoje”, diz.

IMG_0917-com-desfoque

Aumento da população

No Censo de 2013 da Prefeitura de Belo Horizonte, foram identificadas 1.827 pessoas em situação de rua na capital mineira. Comparando os números da pesquisa realizada em 2005, houve aumento de 57%. Outro aspecto apontado pelo Censo é o envelhecimento da população em situação de rua, se comparado aos dados de pesquisas anteriores. Claudenice Rodrigues Lopes, educadora social da Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, ressalta que, para interromper esse crescimento da população de rua, é necessário avançar nas políticas públicas estruturantes e na qualificação e ampliação dos serviços para essas pessoas. Para a especialista, a parceria com o projeto Andanças trouxe energia nova para as ações da Pastoral de Rua. Além disso, diz, é outra parte da sociedade – o meio acadêmico – que passa a conhecer o cotidiano e os desafios da população em situação de rua.

Motivos correlacionados

Os motivos que levam as pessoas a viverem nas ruas são diversos. Pelo Censo da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) de 2013, dentre os principais motivos relatados pelos moradores de rua entrevistados estão os problemas familiares (52,2%), seguidos pelo abuso de álcool e/ou drogas (43,9%), falta de moradia (36,5%) e desemprego (36%). Dentre os entrevistados, 76% citaram, pelo menos, um dos quatro motivos, muitas vezes de forma correlacionada ou indicando uma relação causal entre eles. Thiago Rufine, aluno do 8º período de Direito e participante do projeto, relata que os conflitos familiares gerados pelo alcoolismo, violência doméstica, dependência química, brigas, entre tantos outros, são citados, com recorrência, pelos moradores atendidos. “Há sempre uma questão familiar muito profunda por trás das histórias deles. A rua, mesmo sendo esse ambiente hostil, foi uma alternativa para sair da realidade em que viviam”, explica.

Thiago optou por participar do projeto de extensão Andanças para conhecer e, de alguma forma, auxiliar esse público marginalizado. “Minha vida se divide em dois momentos: antes e depois de fazer parte do projeto”, afirma. Para ele, o principal desafio da população em situação de rua é a falta de reconhecimento da sociedade; a invisibilidade que os deixa angustiados, uma vez que buscam apenas ser considerados cidadãos, dignos de respeito.

A equipe do projeto Andanças aciona instituições como a Defensoria Pública, o Ministério Público, as secretarias de Políticas Sociais, de Saúde e de Educação da Prefeitura de Belo Horizonte, de acordo com as demandas que recebem de cada morador de rua, explica o coordenador do projeto, professor Bruno Vasconcelos de Almeida.

Políticas públicas e sensibilização

Resgatar a cidadania e garantir os direitos dessas pessoas são objetivos do trabalho desenvolvido com a população de rua. Mas é preciso ir além. Para Maurílio, o que pode ajudá-los a sair dessa situação é a colaboração da sociedade e a ação do poder público. “Com a equipe da Pastoral de Rua e do projeto Andanças, além de encontrarmos ajuda para um encaminhamento a uma república, recebemos palavras de conforto e incentivo. Somos lembrados que somos seres humanos e temos os mesmos direitos que qualquer pessoa”, avalia.

A equipe do projeto representa a PUC Minas no Comitê de Monitoramento e Assessoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, órgão composto por governo e sociedade civil, que monitora e assessora a PBH em relação à política pública voltada aos moradores de rua.

A participação no comitê propicia um diálogo entre a Universidade, sociedade civil e poderes públicos no que diz respeito aos temas na área de habitação, geração de emprego e renda, saúde, educação, direitos humanos. Essa articulação é uma das diretrizes que norteiam a extensão. “O projeto Andanças é uma conexão bem-sucedida entre uma racionalidade das políticas públicas e os afetos mobilizados no trabalho cotidiano com a população em situação de rua”, define o professor Bruno.

Texto
Bruna Santos
Fotos
Marcos Figueiredo
Compartilhe
Fale Conosco
+ temas relacionados