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Direito e Letras As leis sob o olhar da literatura

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As alunas Príncia, Carina e Joice, com a professora Luciana Pimenta: projeto fomenta o senso crítico e desenvolve a sensibilidade

Interface entre as duas áreas permite o ensino jurídico de uma maneira criativa

O que Capitu, personagem de Dom Casmurro, romance escrito por Machado de Assis, teria a dizer às mulheres contemporâneas? O que ela diria sobre a sua própria história se tivesse tido a oportunidade de contá-la? Como a história de Macabéa, personagem de A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, pode nos ensinar sobre o que é o direito das pessoas? Seria possível refletir sobre democracia ao ler Ensaio sobre a Lucidez, de José Saramago? Essas, entre outras questões, têm data e local marcados para serem discutidas. De 15 em 15 dias, sempre às terças-feiras, a sala multimeios da PUC Minas Contagem recebe alunos de diversos períodos do Curso de Direito do campus a fim de refletir e debater questões jurídicas, de forma menos burocrática e mais sensível. Como material de estudo, o vade-mécum dá lugar a um romance. E assim começa mais um encontro do projeto Direito e Literatura.

A proposta não é exatamente nova. O projeto surgiu em 2006, foi executado por dois anos e necessitou ser interrompido. Porém, há três semestres voltou à ativa e, desde agosto de 2014, uma obra clássica da literatura universal é eleita para ser condutora dos estudos naquele semestre. O primeiro livro escolhido no retorno do projeto foi o Ensaio sobre a Lucidez, do escritor português José Saramago. A escolha foi intencional: por aquele ser um ano de eleição no Brasil, a obra, que retrata um período eleitoral e relações de autoridade, foi indicada. No semestre seguinte, Dom Casmurro, de Machado de Assis, foi o ponto de partida para se estudar questões de gênero e o lugar da mulher na sociedade. Neste semestre, a leitura escolhida foi A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, e o tema é a figura do humano e sua projeção social. A dinâmica da atividade se caracteriza por encontros com uma exposição temática e provocativa sobre algum aspecto da obra estudada que dê margem para uma discussão jurídica. Após a explanação, é aberto o debate. E, com essa dinâmica, seis encontros acontecem no semestre, com média de 30 alunos em cada.

A ideia de transformar a interface entre o Direito e a Literatura em uma prática pedagógica é uma iniciativa da professora Luciana Pimenta, coordenadora de pesquisa do curso do campus em Contagem. A autora explica que a atividade tem três objetivos principais: discutir temas jurídicos a partir de obras clássicas da literatura, aproximando o direito do cotidiano e expandindo o conhecimento dos alunos para além das dimensões técnicas e dos limites do discurso jurídico; reconhecer a leitura como um dos principais meios para a promoção de cidadania; e estimular a produção de conhecimento e fomentar o pensamento crítico na esfera acadêmica. Mas, para ela, o maior retorno sobre o projeto diz respeito ao interesse por novas leituras. “Os alunos sempre me param no corredor para comentar o que estão lendo. Eu acho que a aquisição do gosto e hábito pela leitura é um despertar permanente”, diz.

É o caso de Príncia Conti, estudante do 6º período do curso. Participante da atividade desde o início do ano, ela acredita que os seminários a ajudam a ver o panorama jurídico com outro olhar. “A literatura é envolvente! E gosta do que é diferente, elege o fraco, percebe o errante, valoriza o anormal. São infinitas possibilidades que nos encorajam a estudar cada vez mais”, afirma.

Para a professora, o exercício reflete no desempenho dos alunos dentro de sala de aula. “Cada aluno está em uma fase do seu processo de formação, mas de uma maneira geral, o exercício de seminarização das obras reflete no aprendizado, sim, porque estamos falando de Direito, mas em uma perspectiva que não é estritamente dogmática. O aluno consegue absorver porque são temas da vida, do mundo, que estão postos para a gente. Todo mundo lida com processo eleitoral, com relação de autoridade, com construção de cidadania”, exemplifica.

Além de fomentar o senso crítico, a atividade convida o aluno a repensar o processo de construção histórica do Direito, como ele foi escrito. “É quase um convite para o aluno pensar a possibilidade de reescrevê-lo se fosse dada a ele essa condição. Como ele reescreveria para além do que ele recebe, porque nós somos herdeiros de toda uma tradição, mas se fosse para a gente escrever a partir disso, como é que a gente faria? Com qual tipo de olhar?”, reflete. Luciana destaca que a proposta da atividade está em consonância com o projeto pedagógico da Universidade, cujo texto diz que a Instituição tem a missão de formar a sensibilidade do aluno, o cidadão. “Talvez seja nesse ponto o alvo mais crucial do projeto Direito e Literatura, porque é a formação do senso crítico e do cidadão, que é uma exigência de toda formação científica, mas, mais do que isso, faz parte da missão da PUC”, explica.

Joice de Melo, aluna do 8º período do curso, diz que sua participação na atividade a tem ensinado a não se colocar diante de apenas uma condição de interpretação. Além disso, o Direito é, essencialmente, interpretação. “E a literatura é um caminho para nos proporcionar uma melhor compreensão de um texto ou de uma devida interpretação no caso concreto, e tudo que possa estar por trás disto, não se colocando apenas diante da normatividade, mas compreendendo o que ocorre, o que se passa. É uma possibilidade de ir além”, opina.

Com o retorno positivo da experiência da atividade no campus Contagem, neste semestre o projeto também passou a ser realizado no campus Coração Eucarístico, com o mesmo formato: seminários quinzenais, realizados às quartas-feiras, às 18h.

Grupo de pesquisa

Além dos seminários, a professora Luciana Pimenta mantém um grupo de pesquisa na mesma linha de atuação vinculado à plataforma de diretórios de grupos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O grupo trabalha a partir da escolha de uma obra literária, e após todos os integrantes terem realizado sua leitura individual são discutidos em grupo os aspectos relevantes do livro em questão. Após os estudos coletivos são realizadas divisões de tarefas para que cada um trace sua linha de pesquisa e traga para o grupo o máximo de informações sobre o assunto. Por fim, as pesquisas tomam forma de texto, normalmente capítulos, que são agrupados e se tornam um artigo científico. A ideia é que a cada novo semestre renovem-se as temáticas, os livros e a linha de pesquisa a ser realizada.

Carina Queiroz, estudante do 6º período do curso, participa do grupo desde o seu início, no segundo semestre de 2014. Para ela, a participação no grupo pode abrir várias portas para seus integrantes. “O grupo ajuda a desenvolver a leitura de uma forma prazerosa que sempre instiga a maior busca por novas obras, novos estudos, desencadeando o desenvolvimento nas habilidades de escrita e interpretação”, afirma. Mas, para ela, o maior ganho é a possibilidade de ver a área jurídica de uma forma mais humanizada. “O interessante é entender que nem a literatura nem o direito devem ser interpretados como simples letras frias, e como podemos trazer para a nossa vida o que está escrito nos papéis”, finaliza Carina, que vê a docência como uma possibilidade de carreira.

Texto
Lívia Arcanjo
Foto
Marcos Figueiredo
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