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Avanços e desafios da LDB

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional completa 20 anos

Foto-Jamil-Cury

A oportunidade dos 20 anos da aprovação e sanção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nos incita a uma reflexão sobre esta lei importante para a educação básica e para a educação superior. Esta lei procede da Constituição do art. 22, inciso XXIV.

O processo legal foi complexo, pois havia dois projetos em tramitação. Um tinha forte participação da sociedade civil, e outro uma presença acentuada do Executivo. Durante oito anos houve as mais variadas emendas aos projetos.

Foi um longo caminho até se chegar a uma lei de grande cobertura para a satisfação de um direito reconhecido. As lutas pelo retorno à democracia e direitos significaram uma grande participação da sociedade civil na elaboração da Constituição de 1988. O capítulo da educação na Constituição propiciou avanços que logo foram incorporados no Estatuto da Criança e do Adolescente. Contudo, era preciso elaborar as diretrizes e bases para colocar a lei geral da educação à altura da Constituição. Por exemplo, era preciso acertar a nomenclatura das etapas do ensino, era preciso explicitar novos conceitos e prescrições postas na Constituição como direito público subjetivo, gestão democrática e conteúdos mínimos.

Os dois projetos tramitando pelo Congresso disputaram, de modo vigoroso, o campo civil e parlamentar, sendo o projeto da Câmara mais analítico e o do Senado, mais sintético. A medida do calor de ambos tinha como referência a maior ou menor intervenção do Estado na educação nacional. E esse calor subiu mais quando o governo eleito em 1994 fez uma opção pelo projeto sintético, aderindo às teses da diminuição da presença do Estado em vários campos de atividade.

Mas o capítulo da educação na Carta Magna constituiu-se como espécie de barreira, cujo conteúdo permanente tornou, no caso dessa área, limitado o impacto das políticas mais afeitas ao Estado Mínimo.

A redação final da LDB, obediente por princípio à CF/88, teve uma sofrida solução com a sanção da Lei nº 9.394/96, tornando-se referência obrigatória da educação.

A opção pelo projeto sintético, jungido de aspectos do projeto analítico, se deu também dentro de uma educação escolar nacional complexa (para efeito de sua administração, gestão, financiamento e controle). Imprecisões terminológicas reforçaram a necessidade de interpretações que viabilizassem o texto legal, algo conferido ao Conselho Nacional de Educação.

Essas dificuldades, associadas à inevitável postulação de grupos interessados em alterar aspectos específicos da lei recém–aprovada, conduziram, nesses 20 anos, a 40 alterações sob a forma de leis no corpo legal da lei então sancionada. Foram 178 mudanças, inclusive com alterações das alterações. Se tomarmos o conjunto das modificações processadas pelas 40 leis mais os 47 decretos regulamentadores, teremos uma soma de 225 alterações.

São mudanças de toda ordem: acréscimo de componentes curriculares, ampliação da obrigatoriedade, introdução de dias comemorativos, redefinição da educação profissional, conceituação de profissional da educação, entre outros.

Um ponto a ser destacado na LDB é a maior consciência e presença do direito à educação infantil e o direito à diferença como os relativos às fases da vida, às pessoas com deficiência, às populações indígenas e negras, entre outros.

Relativamente ao ensino superior, há a Lei do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), lei nº 10.861/04, com o Conselho Nacional da Avaliação da Educação Superior (Conaes). A Lei nº 11.096/05, do Programa Universidade para Todos (ProUni), e suas respectivas regulamentações significam uma alteração nas relações público/privado, especialmente em vagas no ensino superior privado. Pode-se dizer que o direito à diferença conheceu mais um dispositivo com as cotas, lei nº 12.711/2012.

Mediante o Decreto 6.096, de 24 de abril de 2007, com o objetivo de dar às instituições públicas maior expansão, foi criado o Programa do Governo Federal de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (Reuni).

A lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento de Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), para efeito de políticas educacionais do ensino fundamental, em matéria de financiamento, teve um impacto tão grande ou maior do que a própria LDB. Afinal, ela tange ao mesmo tempo o pacto federativo e o sistema de financiamento do ensino obrigatório pela subvinculação e controle dos recursos destinados à educação.

Em relação ao artigo 214 da Constituição, tem-se a Lei nº 10.172/01, conhecida como Plano Nacional de Educação (PNE), cuja tramitação, em termos de projetos, foi similar à da LDB. Contudo, ao ser sancionada, a lei sofreu vetos presidenciais no financiamento e, assim, ele, praticamente, se tornou um plano declaratório.

A emenda constitucional nº 53/2006 substituiu a emenda 14/96 e criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), cuja lei regulamentadora é a de nº 11.494/2007, com grande impacto sobre a educação básica.

Em 2009, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 59, trazendo importantes modificações no capítulo da Educação da Constituição. A educação básica obrigatória e gratuita passou a vigorar como direito público subjetivo para faixa etária de quatro a 17 anos e o atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, deve contar com os programas suplementares, como material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

Essa emenda estabeleceu que a meta de aplicação de recursos públicos em educação deverá ter o Produto Interno Bruto (PIB) como referência proporcional. Em função disso tudo, a universalização do ensino obrigatório deverá contar necessariamente com formas de colaboração entre todos os sistemas de ensino dos entes federativos.

Seria o caso de uma revisão geral da LDB que passasse pelo Congresso? Eis um desafio significativo à vista do que se viu até o momento. Racionalmente poder-se-ia dizer que seria pertinente. Mas seria uma iniciativa de alto risco. Poderia reabrir discussões infindas ou temáticas inapropriadas, como a “escola sem partido”.

Pode-se afirmar, doravante, que o sistema nacional de educação existe como conceito e como positivação jurídica, mas ainda é preciso saber qual será sua consistência. Apesar de vários avanços alcançados, estes ainda não foram suficientes para cumprir os dispositivos constitucionais e legais de nosso ordenamento jurídico. A realidade educacional continua apresentando um quadro severo muito aquém dos benefícios que a educação desencadeia para o conjunto social e se encontra longe das promessas democráticas que ela encerra.

Estamos diante da necessidade de uma saída urgente para uma educação de qualidade que obedeça aos ditames da razão que a educação inaugura. O Estado que não assume essa via decreta sua perdição. A sociedade que não busca essa saída aceita a autoridade da submissão e refuga o caminho da autonomia.

 

Este artigo foi escrito antes da publicação da Medida Provisória nº 746/2016, que institui política de fomento à implementação de escolas de ensino médio em tempo integral e que altera a LDBEN e a Lei nº 11.494/2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

Texto
Carlos Roberto Jamil Cury
Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC Minas e professor emérito da UFMG, Carlos Roberto Jamil Cury aborda, em artigo, os 20 anos da aprovação e sanção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Escrito antes da publicação da nova Medida Provisória nº 746/2016, que institui alterações no ensino básico, o artigo aponta que “a realidade educacional continua apresentando um quadro severo muito aquém dos benefícios que a educação desencadeia para o conjunto social e se encontra longe das promessas democráticas que ela encerra”. Cury é também pesquisador do CNPq, membro do CTC da Capes da educação básica, do Conselho Nacional da SBPC e da Câmara de Projetos Especiais da Fapemig.
Ilustração
Carlos Fonseca
Foto
Marcos Figueiredo
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