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Consumo Beleza na escuridão

As irmãs Janaína e Mariana, deficientes visuais: cuidado com a aparência

Pesquisa mostra que deficientes visuais também se preocupam com a aparência

Quase 36 milhões de brasileiros, 18,8% da população, declarou ter algum grau de deficiência visual, segundo o Censo 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número significativo de pessoas e a era da sociedade do consumo vivida nos dias atuais despertaram a curiosidade do ex-aluno do Programa de Pós-graduação em Administração Rafael Santos Correa em analisar em sua dissertação de mestrado a relação de consumo de deficientes visuais do sexo feminino na utilização de produtos de beleza e de serviços estéticos. O trabalho foi orientado pelo coordenador do Programa, professor Marcelo de Rezende Pinto.

Rafael entrevistou doze mulheres, com faixa etária entre 17 e 61 anos, com algum vínculo com o Instituto São Rafael, estabelecimento estadual de ensino especializado no atendimento de pessoas com deficiência visual. O aluno percebeu que a utilização desses produtos e serviços é de extrema importância para a autoestima delas, dando vazão a seus gostos e estilos. “É uma maneira de se sentirem mais mulheres e incluídas no universo feminino dentro da sociedade. Antes de agradar aos outros, elas querem sentir-se bem. O consumo de cosméticos é uma forma de essas mulheres extravasarem emoções, sentimentos, gostos e preferências”, diz.

Essa opinião é compartilhada por Janaína Simões Silva, 34 anos, uma das entrevistadas da pesquisa, que perdeu a visão aos 22 anos após uma queda que gerou o descolamento da retina. “Quando a mulher não está bem consigo mesma, a primeira coisa que abandona são os cuidados com a estética. Eu, para me sentir bem, mais bonita, tenho necessidade de estar com o cabelo arrumado, com as unhas feitas, de sair maquiada. Acho que quando você se arruma, sua autoestima se eleva. Recentemente não estava muito bem e cortei meus cabelos longos. Sinto-me outra mulher depois disso”, afirma, ressaltando que há também a preocupação de mostrar uma boa aparência para as pessoas, mas que nada é exagerado: “Sou uma mulher como outra qualquer. Gosto que as outras pessoas percebam esse meu cuidado”.

Uma forma de autoafirmação

As entrevistadas mostraram que consomem produtos e serviços estéticos diversos, como maquiagem, perfumes, hidratantes, produtos para o cabelo e frequentam salões de beleza para fazer unha, cortar, fazer tratamento e pintar o cabelo. “É uma forma de autoafirmação e empoderamento diante de uma sociedade constituída pela supremacia da visão, que, sobretudo, cultua a beleza”, alega Rafael.

Os produtos para cabelo, maquiagem e perfumes são a preferência de Janaína. “Costumo frequentar salão quando preciso ir a algum evento especial que precisa de algo mais elaborado, mas no dia a dia eu mesma faço hidratação, seco e aliso o cabelo e faço uma maquiagem básica. Não vivo sem batom. Sou vaidosa desde a minha adolescência. Sempre gostei muito de sair, me arrumar e de vestir roupas legais. E uma das formas que encontro para me sentir bem é tratando dos meus cabelos, corpo e pele, que, para mim, são cuidados essenciais”, declara.

Um pouco menos vaidosa que a irmã Janaína, Maria Ana Simões Silva, 28 anos, que nasceu sem a visão, também foi entrevistada e relata não usar maquiagem com tanta frequência, mas não abre mão de perfumes, hidratantes e óleos corporais. “Não gosto muito de salão de beleza. Quando tenho algum evento, prefiro que alguém vá até minha casa fazer para mim”, fala.
De acordo com Rafael, apesar de umas mulheres se mostrarem mais vaidosas que outras, a maioria apresenta uma rotina de beleza e de cuidados: “No geral, elas gostam de estar com as unhas feitas, de se maquiar para determinada festa ou ocasião, de cuidar do cabelo e de manter a imagem de uma pessoa que consome como qualquer outra”.

Auxílio de familiares e amigos

"No geral, elas gostam de estar com as unhas feitas, de se maquiar para determinada festa ou ocasião, de cuidar do cabelo e de manter a imagem de uma pessoa que consome como qualquer outra"

Rafael Santos Correa

Na hora de utilizar esses produtos, muitas são e até preferem ser independentes, dependendo da situação, mas a opinião de familiares e amigos foi apontada como fundamental no processo de tomada de decisão. Janaína conta que as críticas das pessoas próximas muitas vezes são construtivas e que demonstram cuidado com o outro, apesar de afirmar não possuir tanta dificuldade para se arrumar sozinha. “Eu mesma escolho minhas roupas, mas gosto de ter alguém para me auxiliar. Minha principal referência é minha filha de dez anos, que é muito crítica, apesar da pouca idade. Muitas vezes ela olha e fala: ‘Não está bom, mamãe’. Ela é muito vaidosa e me ajuda muito”, relata.

Já Maria Ana mora sozinha, mas também gosta de ter uma segunda opinião. “No dia a dia eu mesma me arrumo, mas quando tenho dúvida quanto a cor ou se vai ficar legal, pergunto alguém no prédio em que moro ou ligo para minha mãe pra ver se ela se lembra daquela roupa que comprei, se fica bom. Para trabalhar não tenho muito disso, vou mais básica”, afirma.

A pesquisa mostrou que essas mulheres também contam com a ajuda das pessoas próximas para se deslocar até as lojas e para escolher produtos nas estantes, principalmente quando se trata de maquiagem, pois é grande a diversidade de cores e de tons de acordo com a tonalidade de cada pele. Quando não é possível essa companhia, elas contam com a ajuda dos próprios vendedores.

Para Maria Ana, a principal dificuldade não está na compra desses produtos, mas na hora de utilizá-los em casa, pois eles não são adaptados para pessoas com deficiência visual: “Por exemplo, tenho dois blushes para o rosto, um de cada cor. Não sei qual é qual. A mesma coisa acontece com o batom. Deveria ter alguma descrição, algo que indicasse a cor, pois não há nada no produto que faça isso. Aí tenho sempre que perguntar para as outras pessoas”.

Segundo Antonio Celso da Silva, do conselho consultivo da Associação Brasileira de Cosmetologia, não há nenhuma legislação que obrigue as empresas a colocar informações em braille nas embalagens, mas afirma que em algum momento elas terão que pensar no assunto: “Ainda é um trabalho a ser desenvolvido para que as empresas tenham mais atenção com esse público e os inclua cada vez mais no mercado de cosméticos”.

Apesar do preconceito da sociedade em relação às pessoas com deficiência, Janaína não se recorda de ter passado por algum constrangimento na hora das compras. “Costumo ir aos mesmos lugares, então conheço os vendedores e não causa estranhamento. Algumas vezes percebo a admiração de alguns em ver uma pessoa que não enxerga, com o cabelo e pele bem cuidados, com essa preocupação, mas acho que é normal e causa curiosidade em qualquer pessoa, não só vendedores”, fala Janaína.

Texto
Tereza Xavier
Fotos
Raphael Calixto
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