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Esporte Bola dentro

O fair play é a tônica de jogos da Anec, organizados em parceria com a PUC Minas

“As discussões nessa área mostram como é importante para o esporte não somente vencer a melhor equipe técnica, mas também aquela que faz bem seu papel social”

Professor Eugenio Batista Leite, coordenador do GT de Esportes da Anec

2012, na Espanha. Nesse ano, o corredor espanhol Iván Fernández Anaya, durante a prova de cross country em Burlada, Navarra (Espanha), poderia ter conquistado a primeira posição no pódio, mas escolheu a medalha de prata. Percebendo que o atleta queniano Abel Kiprop Mutai, que estava à sua frente, parou no lugar errado achando que tinha alcançado a linha de chegada, Anaya aproximou-se de Mutai e, em vez de ultrapassá-lo, o alertou e o conduziu até a linha de chegada, deixando a medalha de ouro para o adversário. “Eu não merecia ganhar dele. Fiz o que tive que fazer”, falou Anaya aos jornalistas na ocasião.

Foi com esse espírito esportivo, com fair play, que o espanhol terminou a corrida. A origem do termo em inglês é antiga: foi criado em 1896 com o barão francês Pierre de Coubertein, idealizador dos Jogos Olímpicos da era moderna, com o intuito de que a lealdade e o respeito caminhassem juntos com a competição. Para ele, o mais importante não era a vitória, mas a participação na disputa. E é com essa mesma filosofia que acontecem os jogos da Associação Nacional de Educação Católica (Anec), que tiveram início em 2015.

Desde 2017 a competição é organizada em conjunto com o Departamento de Educação Física da PUC Minas, tendo como lema A Vitória do Fair Play, com o objetivo de que o torneio faça diferença na vida dos envolvidos e que não seja apenas mais uma disputa escolar esportiva. “As discussões nessa área mostram como é importante para o esporte não somente vencer a melhor equipe técnica, mas também aquela que faz bem seu papel social. Enquanto Instituição com vínculos e princípios religiosos e católicos, temos como missão levar um conhecimento crítico para a sociedade para que repense seus valores e comportamentos. Temos que deixar que o conteúdo produzido aqui se expanda. E a proposta dos jogos da Anec é fazer com que esse aprendizado seja disseminado da melhor maneira possível, para o maior número de pessoas”, afirma o professor Eugenio Batista Leite, pró-reitor adjunto da PUC Minas Betim, coordenador do GT de Esportes da Anec e membro do Conselho Estadual de Minas Gerais da Anec, como representante da Câmara de Ensino Superior.
As competições acontecem duas vezes ao ano, sendo a categoria sub-17 anos realizada no primeiro semestre e a sub-15 no segundo. Atualmente, participam escolas católicas de toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), 12 ao todo, e cerca de 700 inscritos nas modalidades futebol society, futsal, voleibol, handebol e basquetebol, todas com categoria masculina e feminina, exceto pelo futebol society, que possui apenas equipe masculina. A maioria dos jogos é realizada nas próprias escolas e algumas finais no Complexo Esportivo da PUC Minas. Alunos do Curso de Educação Física da Universidade participam como delegados na competição.

Jogo limpo, justo e honesto

De uma forma diferente do que acontece em muitos torneios, em que o resultado final se dá apenas pela vitória da melhor equipe em quadra tecnicamente, as partidas dos Jogos da Anec são pontuadas também pela utilização do fair play. Um jogo limpo, justo e honesto. Essa é a instrução recebida pelas equipes. “Justo porque tem uma arbitragem para coordenar a partida e devemos fazer justiça a ela; honesto, porque é preciso dizer quando se presencia algo durante a partida que pode prejudicar o outro, como uma falta não marcada pelo juiz, por exemplo, mas que você viu que aconteceu; e limpo, porque não se deve ter a intenção de machucar ninguém. No fim das contas, é ter um comportamento nobre diante da vitória e da derrota”, reforça o professor Joélcio Fernandes Pinto, chefe do Departamento de Educação Física da PUC Minas e coordenador do colegiado do Curso, ressaltando que essas condutas não devem ser isoladas, mas fazer parte do comportamento durante todo o campeonato, uma vez que o fair play se resume na forma de se relacionar com o opositor.

Esse posicionamento, que está inserido no regulamento da competição, é levado tão a sério que há exemplos de times que venceram tecnicamente, mas não seguiram adiante na competição porque não agiram com espírito esportivo. “Tivemos uma semifinal em que o melhor time competitivamente não foi para a final porque no trajeto de volta para a casa debochou da equipe perdedora e foi desclassificado. Essa é a nossa marca. Queremos mostrar que não estamos organizando um torneio qualquer entre escolas, mas trilhando o caminho de enfatizar o cunho educativo que essa transformação pode trazer. Muitos defendem o esporte dizendo que ele é socialização, mas eu pergunto: de que tipo? Pode ser do individualismo, de que ganhei, sou o melhor e você é inferior. Não é isso que pretendemos”, disse o professor Joélcio.

Ana Machado Borges Teixeira, aluna da 3ª série do ensino médio do Colégio Santa Maria Minas, Unidade Betim, leva os ensinamentos da competição para sua vida. Ela participou no primeiro semestre de 2019, na categoria sub-17, na modalidade voleibol, e sua equipe agiu com honestidade durante toda a competição: “Nos comprometemos acima de tudo a não faltar o respeito com o time adversário independentemente das emoções que o esporte traz, como descontentamentos durante as partidas. Tiro como lição a importância de se ter uma postura leal e honesta para um relacionamento saudável com as pessoas, em qualquer ambiente, nunca perdendo a educação diante de situações que podem afetar nosso comportamento. O mais interessante da filosofia do fair play é que incentiva a ética não só no meio esportivo, mas também no nosso dia a dia”.

Orientações também para árbitros e torcida

Além dos atletas, os árbitros, que são da Federação de Esportes Estudantis de Minas Gerais (Feemg), e a torcida também recebem orientações de conduta para que todos estejam alinhados com a mesma filosofia. “Não dá para um árbitro ser mal-educado e agressivo se estamos pregando o contrário. Já para a torcida, está sendo finalizada uma cartilha que será distribuída nos jogos, inspirada em uma lei do município de Oeiras (Portugal), que envolve a adoção do fair play em qualquer competição esportiva entre crianças e adolescentes. Com isso, pretendemos melhorar o comportamento e mostrar que certos tipos de posturas são inadequadas, que não é preciso diminuir a equipe adversária ou o árbitro, e que não é permitido xingar ou ofender, pois até mesmo uma atitude imprópria da torcida pode fazer o time perder pontos de fair play. Não é como se estivessem assistindo a um jogo no Mineirão”, afirma Joélcio.

Segundo o professor, durante um jogo as emoções dos atletas estão em seu limiar, então é preciso ter controle para não extrapolar e ser punido: “Temos que ter muito cuidado, porque o esporte não é uma guerra. Ninguém tem que vencer a qualquer custo. A briga é o estopim e se ela acontece já demonstra que você não está ali para jogar pelo fair play. Essa é a grandiosidade do esporte. Saber ser justo e honesto no calor da emoção. As pessoas precisam aprender a disputar da melhor maneira possível, dentro das regras e com honestidade. Temos que reconhecer quando o outro é melhor e saber que muitas vezes se perde por um detalhe”.

Para a aluna Tatiane Moraes Pires Andrade Cruz, do 7º período do Curso de Educação Física da PUC Minas, que atua como delegada nos jogos desde o ano passado, o principal desafio na competição é mudar a postura tanto dos atletas quanto dos pais deles e da torcida, pois existe uma cultura esportiva, principalmente vinda do futebol, de amor incondicional pelo time, de querer vencer não importa de que forma. “Isso é o que aprenderam lá fora. O ambiente aqui é diferente e precisamos preservá-lo. É necessário mudar essa postura no esporte escolar de reprodução de ofensas, reclamações e provocações. Temos que priorizar um bom jogo, o diálogo e, mesmo quando os atletas estão com os nervos à flor da pele, fazê-los parar e pensar para dar outro sentido àquela postura”, acredita Tatiane.

Formação acadêmica

“As pessoas precisam aprender a disputar da melhor maneira possível, dentro das regras e com honestidade. Temos que reconhecer quando o outro é melhor e saber que muitas vezes se perde por um detalhe.”

Tatiane Moraes Pires, aluna do Curso de Educação Física

Assim como Tatiane, cerca de 30 alunos do curso participam como delegados da edição deste ano da competição para conferir se os jogos estão transcorrendo dentro do regulamento e, principalmente, dos princípios do fair play. Para o professor Joélcio, a participação deles é muito importante para que acreditem, como futuros profissionais da área, na proposta de se pensar e viver o esporte de uma forma diferente. Os demais alunos do curso também assistem às competições, levados pelos professores, para que vejam na prática o que é discutido teoricamente. “Claro que já tivemos a infelicidade de eles presenciarem brigas em jogos, mas foi ótimo porque podemos trabalhar essa questão em sala de aula e mostrar como foi o posicionamento do árbitro, do delegado, de uma forma diferente do que acontece na maioria das competições. Aqui paramos o jogo, discutimos em conjunto e só depois há um posicionamento. E isso é um conhecimento muito qualificado, porque está contextualizado”, explica.

O professor do Curso de Educação Física reforça que o ensinamento do princípio de se elevar as potencialidades das pessoas no esporte não é restrito aos Jogos da Anec, uma vez que isso é trabalhado nas aulas de práticas corporais, esportivas ou não, como dança, ginástica, lutas etc.: “Está previsto na ementa das disciplinas do curso ter a perspectiva de pensar, discutir e levar para a formação dos nossos alunos a potencialidade técnica, a tática do jogo e, também, numa proporção igual, a potencialidade social, relacional, política e histórica. E o torneio da Anec se encaixa nesse trabalho, por isso estamos tentando desenvolver essa cultura e filosofia do esporte dentro das escolas. Apostamos muito nisso. O professor trabalha na perspectiva de que seu trabalho não seja em vão. Acredito muito que a educação pelo esporte pode ser bastante benéfica e necessária para a nossa sociedade”.

Texto
Tereza Xavier
Fotos
Raphael Calixto
Ana Machado Borges Teixeira, aluna do Colégio Santa Maria Minas, leva os ensinamentos da competição para sua vida
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