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Administração Cerveja caseira

Formada em Química Industrial, Isabela Campos diz que produzir sua própria cerveja é gratificante e instigante

Pesquisa investiga a produção dessa bebida artesanal por mulheres

A cerveja tem uma trajetória de cinco mil anos de história. Mesmo que a primeira receita seja de 1.800 anos antes de Cristo, escrita pelos sumérios, acredita-se que a primeira bebida fermentada tenha sido produzida há cerca de nove mil anos, e os primeiros sinais da cerveja apareceram quatro mil anos depois. Embora hoje a bebida seja associada ao universo masculino, no que se refere ao consumo e produção, desde os primórdios ela estava ligada ao feminino, uma vez que a sua fabricação era tarefa das mulheres.

Hoje, o número de mulheres donas de cervejarias, mestres cervejeiras, produtoras e consumidoras, ainda que pequeno, vem aumentando. Foi justamente esse movimento, de mulheres tentando reconquistar o seu protagonismo com relação à cerveja, que fez com que a coordenadora do Curso de Administração da PUC Minas Barreiro, professora Paula Karina Salume, em conjunto com a aluna do Curso Fabiana Ferreira da Silva, decidissem investigar os bastidores da produção da cerveja artesanal realizada por mulheres.

A pesquisa Cerveja Artesanal: desvendando as práticas de produção e consumo entre mulheres, fomentada pelo Programa de Iniciação Científica Voluntária (PICV) e aprovada no Encontro Nacional dos Cursos de Graduação em Administração (Enangrade) de 2019, analisa as práticas da produção na modalidade homebrewing ou produção de cerveja em casa. “Queríamos investigar uma produção caseira que tivesse motivação mais afetiva, de consumo próprio e compartilhamento, na qual há muitos improvisos e experimentações”, diz Paula.

Foram acompanhadas cinco brassagens, processo de combinação de uma mistura de grãos, que, por meio de cozimento, converte o amido dos grãos em maltose e outros carboidratos em mosto, mistura destinada à fermentação alcoólica. Dessas brassagens, três eram produções individuais e duas coletivas, em que as pesquisadoras acompanharam todo o processo, fazendo registro em diário de bordo, fotografia e filmagem. “Observamos todo o processo de produção dessas mulheres, as técnicas e os materiais utilizados, e o que elas falavam. Registramos até a nossa percepção do que elas estavam sentindo naquele momento”, comenta a aluna.

Após o processo de observação, Fabiana e Paula contam que produziram um roteiro de entrevista para saber um pouco mais sobre os processos observados e relacionaram os achados com a Teoria da Prática, conceito que trabalha a construção da prática em si a partir da experimentação. “Buscamos a teoria a partir da perspectiva do processo produtivo e posteriormente consolidamos algumas informações que estavam no âmbito da observação, via relato dessas mulheres”, diz a professora.

Fabiana explica que os resultados da pesquisa revelaram que os principais estímulos que levaram essas mulheres a produzir suas próprias cervejas são seus círculos de amizades e familiares, bem como as experiências, as interações em grupo, as emoções e sentimentos compartilhados entre elas na produção e consumo da bebida artesanal. “Acredito que é o desejo delas de produzir algo, de consumir algo que foi feito por elas e compartilhar isso com seu círculo social. Muitas delas, após a cerveja pronta, observam o consumo, querem saber da crítica. É uma forma de empoderamento”, diz Fabiana.

Produção é desafiadora

Isabela Costa Campos, formada em Química Industrial, foi uma das mulheres que participaram da pesquisa. Começou a produzir cerveja depois que ela, em conjunto com o irmão, há pouco mais de três anos, frequentou um curso para aprender como se faz a bebida.

Hoje, Isabela é técnica cervejeira pelo Instituto da Cerveja Brasil (ICB) e faz parte da Associação de Cervejeiros Artesanais (Acerva) de Minas Gerais. Ela conta que produzir sua própria cerveja é gratificante e instigante. “É muito bom quando você consome o alimento que você mesmo produziu, além de ser desafiador, porque você tem que aprender várias técnicas e estudar muito para poder fazer algo diferente e de qualidade”, diz.

Isabela conta que começou usando uma panela de 15 litros para produção do mosto, no qual o cozimento do grão era feito dentro de um saco, processo chamado Brew in a bag, ou Biab. Atualmente, a química conta com uma estrutura chamada Bibloco, em que utiliza duas panelas. “Existem várias formas de se fazer cerveja. Isso vai depender do equipamento e do estilo produzido, mas o fundamento de todas as técnicas é o mesmo. Eu gosto sempre de experimentar novas técnicas, novos estilos, e estou sempre fazendo brassagens coletivas com equipamentos diferentes”, explica.

Paula Salume comenta que todas as mulheres entrevistadas, mesmo produzindo cerveja para o consumo próprio, se preocupam com a qualidade da bebida, cuidando de todo o processo produtivo, desde a escolha de insumos, brassagem, fermentação, filtragem, até o engarrafamento. “Nessas produções caseiras tem um pouco dessa flexibilidade, como, por exemplo, uma mulher que usa um equipamento que o marido fez, já outras utilizavam um improvisado, mas tudo é feito com uma base de conhecimento bem sólida”, diz a professora.

Além de se preocuparem com equipamentos e insumos, as mulheres vêm buscando conhecimento não só por meio de cursos, mas entre elas. “As mulheres que entrevistamos são conhecedoras dos estilos, processos produtivos e gostam de cerveja. Elas têm a capacidade de sentir todos os sabores, conseguem sentir o amargor, a acidez, uma pegada de café, de chocolate, com o paladar muito aguçado”, comenta Paula.

Mesmo a pesquisa mostrando que as mulheres vêm conquistando seu espaço, em um meio ainda majoritariamente dominado pelos homens, Isabela explica que essa associação ainda é um empecilho para muitas delas. “Eu vejo um aumento de mulheres se interessando pelo processo de produção de cerveja, mas são poucas que conseguem realmente entrar nesse meio, porque o mercado ainda é, em sua maioria, masculino, e o preconceito dificulta a entrada delas na produção. Mas a dica é: pode vir que você não está sozinha”, diz Isabela.

 

O papel do Lúpulo na cerveja

Todo bom apreciador de cerveja sabe que a bebida é feita basicamente de água, malte, lúpulo e levedura. O que muitas pessoas não sabem é qual exatamente é o papel do lúpulo na formulação de cervejas. O lúpulo é responsável pelas substâncias que conferem amargor e aroma à cerveja. Os componentes amargos de interesse para a bebida são os alfa-ácidos. Durante a fervura, estes compostos passam por um processo chamado isomerização, tornando-os solúveis no mosto e assim, conferindo o amargor. Portanto, quanto mais alfa-ácidos o lúpulo tiver, mais amarga a cerveja ficará.

Fontes: Instituto da Cerveja

Texto
Júlia Mascarenhas
Foto
Raphael Calixto
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