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Política Combate à corrupção

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Um dos principais anseios da população está contido em projeto de lei da Coalizão pela Reforma Política Democrática

“A reforma política é também importante porque, por ela, podemos abrir espaços para uma interação entre a democracia representativa e a democracia participativa direta”

Professor Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, reitor da PUC Minas e bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte
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A corrupção se vence com reforma política. A frase parece estar se tornando cada vez mais comum nas rodas de conversa e redes sociais digitais, tendo sido ainda mais frequente, desde as manifestações de junho de 2013, tanto nos cartazes dos atos pró quanto contra o governo federal ocorridos no último mês de março. E é nas propostas da chamada Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas que está prevista a proibição total do financiamento de campanhas eleitorais por empresas, considerado o cerne de grande parte da corrupção ligada ao exercício de mandatos eletivos, em todos os níveis. “O momento atual é favorável à aprovação de uma reforma política, mas é necessário definir qual delas deve ser feita, porque corre-se o risco de piorar até mesmo o que está em vigor atualmente”, chama a atenção o reitor da PUC Minas e bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, professor Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, que liderou, na CNBB, em 2013, o chamamento de entidades de âmbito nacional representativas da sociedade civil para a unificação de várias propostas que elas já tinham sobre o tema, surgindo, assim, a Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. Ao lado da proibição total desse financiamento por empresas, a instauração do financiamento democrático de campanha, constituído do já existente Fundo Partidário, e de contribuição por particular limitada a R$ 700, são as principais propostas da Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, capitaneada, atualmente, por 106 dessas entidades, entre elas Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes (Ubes) e Plenária Nacional dos Movimentos Sociais Brasileiros da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP).

“O financiamento privado de campanhas eleitorais é a porta mais larga para a corrupção. Uma empresa que doa milhões para eleger alguns candidatos não faz isso gratuitamente”, observa Dom Mol, que preside na CNBB a Comissão para Acompanhamento da Reforma Política. “É necessário afastar o poder econômico das eleições. Empresa não vota, já que é pessoa jurídica”, diz em referência aos direitos políticos serem destinados somente aos cidadãos na Constituição Federal de 1988. Impedir o financiamento das campanhas por empresas fará com que as eleições fiquem “muito mais baratas” para a sociedade. Uma pesquisa feita a partir de tese de doutorado defendida em uma universidade americana, analisando o processo eleitoral brasileiro, concluiu que, para cada real doado por uma empresa, ela recebe de volta 8,5 vezes daquilo que doou ao candidato.

A Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas conta também com o apoio de quase uma centena de parlamentares e apresentou, ainda em 2013, proposta de lei ao Congresso Nacional. Uma comissão para a reforma política foi instaurada no início do ano no Congresso e deverá avaliar também o projeto de lei apresentado por deputados e senadores nos mesmos termos do proposto pela coalizão. Para evitar que a proposta original, quando passar a tramitar no Congresso, seja desvirtuada e não descaracterize os principais pontos de uma verdadeira e democrática reforma política, simultaneamente também está em curso a coleta de assinaturas dos cidadãos, em todo o País, para a Câmara dos Deputados colocar em apreciação o projeto de lei de iniciativa popular nesse sentido, um dos instrumentos da democracia participativa direta, mesmo caminho que havia sido percorrido para a aprovação da Lei da Ficha Limpa, em vigor no Brasil.

Até o fechamento desta edição da Revista PUC Minas, em abril, haviam sido recolhidas, para este projeto da Reforma Política, assinaturas de cerca de 600 mil brasileiros, cuja quantidade mínima é de 1% do eleitorado nacional, ou seja, 1,5 milhão de adesões, distribuído por no mínimo cinco estados e pelo menos 0,3% dos eleitores em cada um deles. Na PUC Minas, a campanha está sendo liderada pelo Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) e de outros organismos vinculados ao Anima PUC Minas – Sistema Avançado de Formação – entre eles a Pastoral na Universidade, com apoio do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e de diretórios acadêmicos. Para o projeto da Lei da Ficha Limpa, a Arquidiocese de Belo Horizonte, por meio de suas instituições, como a PUC Minas e o Vicariato para Ação Social e Política, foi a que mais recolheu assinaturas em todo o País. “A Igreja Católica tem um papel protagonista desde o início na Coalizão pela Reforma Política. Ela foi decisiva para nós termos tantas entidades, porque foi ela que serviu de catalisadora para essa união”, reconhece o juiz Márlon Reis, membro-fundador do MCCE.

Voto transparente

Ao lado da proibição do financiamento por empresas, outra proposta do projeto de lei apresentado pela coalizão (veja abaixo) é a adoção do sistema eleitoral a partir de voto dado em listas pré-ordenadas, democraticamente formadas pelos partidos com a participação dos filiados e submetidas a dois turnos de votação, pelo qual o eleitor inicialmente vota no partido e posteriormente escolhe individualmente um dos nomes da lista. “Estamos chamando de ‘voto transparente’ porque o eleitor no segundo turno vai votar no nome do candidato dentre aqueles que estão na lista”, explica Dom Mol. Atualmente, vota-se ao mesmo tempo no candidato e no partido. “Quando um eleitor vota na pessoa de um candidato, na maioria das vezes não sabe que também está votando no partido. Recuperaremos a transparência do voto, com voto direto no partido e voto direto nos candidatos”, argumenta o promotor do Ministério Público de Minas Gerais Edson de Resende Castro. Ele prevê também que haverá, desse modo, um enxugamento natural no número excessivo de partidos que temos atualmente e também uma diminuição drástica dos gastos com campanhas eleitorais.

A partir da constatação frequente de que o sistema político-eleitoral não representa os próprios eleitores, o coordenador do Nesp, professor Robson Sávio Reis Souza, diz que há uma facilidade de se criar elites políticas, ligadas a grupos econômico-financeiros, e partidos cada vez menos programáticos e mais parecidos; brutal interferência do poder econômico nas eleições, com relações promíscuas entre capital e eleito; uso do Estado em relações privadas, e partidos pragmáticos, o que dificulta a identificação, pelo eleitor, de pontos divergentes entre eles; e a cultura política, presente em toda a sociedade, de suborno, sonegação de tributos e o espaço público caracterizado como de ninguém.

Importância da reforma política

“Gradualmente se forma um consenso de que alguns pontos poderiam mudar, sem afetar os ideais democráticos da época da redemocratização”

Professor Otávio Dulci
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Em carta para explicar e conscientizar as dioceses de todo o Brasil sobre a importância da reforma política, estimulando a coleta de assinaturas junto aos fiéis e às comunidades, Dom Mol salientou que sem ela “o Brasil mergulha ainda mais fundo em dois grandes problemas: a falta de qualidade dos políticos, sempre reprovados pela população, salvo honrosas exceções, e, também, a falta de outras reformas importantes, como a fiscal e a própria reforma do Estado Brasileiro, do Judiciário, que dependem da boa qualidade dos políticos”. A reforma política é também importante, prosseguiu Dom Mol, porque, por ela, “podemos abrir espaços para uma interação entre a democracia representativa e a democracia participativa direta.”

Para o sociólogo e professor da PUC Minas Otávio Dulci, a reforma política tem duas finalidades: a de aprofundar a representatividade do povo na democracia e a sua qualidade, que é ligada à transparência. “Na primeira, estamos falando como elegemos as pessoas e quem elas são; na segunda, sobre transparência e participação, debate que envolve o exercício do plebiscito e o referendo”, analisa o professor.

Ele lembra que as instituições que o Brasil tem atualmente foram aquelas construídas no processo de redemocratização (que neste ano completou 30 anos), ou seja, de superação das instituições da ditadura de 1964. “Esse sistema construído na década de 1980 tinha a finalidade de instituir a democracia. É importante falar isso, para não parecer que estamos diante de um sistema falido, caótico e mal pensado. Foi fruto da luta do povo na época”, diz o professor. “Gradualmente se forma [na sociedade brasileira] um consenso que alguns pontos poderiam mudar, sem afetar os ideais democráticos daquela época.”

Participação popular

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O aluno de Direito Jonathan Hassen

Desde a Constituição de 1988, somente por duas vezes foram colocados em exercício, pelo Congresso Nacional, dois dos três mecanismos de participação popular, o plebiscito e o referendo. Em 1993, o plebiscito para a escolha da forma (monarquia ou república) e sistema de governo (presidencialista ou parlamentarista), e, em 2005, o referendo para o Estatuto do Desarmamento. A necessidade de regulamentação desses dois mecanismos, prevendo mais frequência da participação popular nas decisões, é outra proposta do projeto de lei apresentado pela coalizão. Um plebiscito para convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para reforma política é outra proposta, integrada pela Plenária Nacional dos Movimentos Sociais Brasileiros, uma das entidades ligadas à coalizão.

Um dos entusiastas da proposta é o estudante Jonathan Hassen da Rocha Bernardo, do 10º período de Direito do campus Coração Eucarístico. Ele e outros estudantes constituíram comitês, em Belo Horizonte, para incentivo ao plebiscito referente a uma Assembleia Constituinte exclusiva para a reforma política.

Jonathan é contra o financiamento de campanhas eleitorais por empresas. “As empresas não fazem doações porque acreditam no candidato e sim pela possiblidade de participação em obras e serviços públicos, e isso tem consequências na mobilidade urbana, na saúde e na educação”, analisa o estudante.

Coleta de assinaturas

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A estudante Jéssica da Silva foi uma das mais atuantes para a Unidade Barreiro coletar três mil assinaturas

Apenas na Unidade Barreiro da PUC Minas, em Belo Horizonte, foram coletadas em torno de três mil assinaturas para o projeto de lei de iniciativa popular, incluindo também familiares e amigos de alunos. Na unidade, como parte das ações em toda a Universidade, professores de Filosofia e Cultura Religiosa trataram da reforma política em sala de aula, como a temática da compreensão da dimensão ética para a transformação da sociedade, e nas semanas de preparação para a Semana Santa e o Natal do ano passado e no lançamento da Campanha da Fraternidade, explica o coordenador da Pastoral local, professor Salustiano Alvarez Gomez. Uma das alunas que mais participaram da mobilização foi a estudante Jéssica Aparecida da Silva, atualmente no 7º período do Curso de Engenharia de Produção do turno da noite. Para ela, o número expressivo de coleta de assinaturas entre os estudantes deve-se à melhor consciência de todos com relação à falta de ética na política. Jéssica diz que participar dessa mobilização é mais um passo em direção à democracia.

Ronaldo Lucas Buhr, funcionário da Pastoral, ressalta o histórico de sucesso de coleta de assinaturas na Unidade Barreiro, quando também houve ações para adesão à Lei da Ficha Limpa e ao projeto de lei para assegurar o repasse efetivo e integral de 10% das receitas brutas da União para a saúde pública brasileira. “O que é mais importante dentro de uma universidade é a diversidade dentro dela. As pessoas dizem que não gostam de política, mas quando se fala que é para o coletivo, a pessoa se engaja, se sente parte do processo”, diz Ronaldo sobre a participação dos estudantes na coleta de assinaturas.

Citando o Papa Francisco, o reitor Dom Mol diz que a Igreja Católica precisa ser uma “Igreja em saída”. “Ao ‘sair’, descobrimos que a política precisa melhorar para que melhor seja a vida do povo.”

Vídeos auxiliam na conscientização

Somando-se às ações de mobilização pela coleta de assinatura para o projeto de iniciativa popular de Reforma Política, a PUC TV (canal 12 NET e 14 OI TV), emissora da Universidade, com assessoria do Nesp, produziu um documentário que explica detalhadamente a importância da Reforma Política e aborda quais os principais pontos propostos pela Coalizão pela Reforma Política e Eleições Limpas. Os programas, em linguagem acessível, podem ser utilizados para motivar discussões em grupos sobre a importância da temática.

Outro vídeo, de três minutos, produzido pelo Nesp, também está disponível para ser compartilhado em redes sociais, com o objetivo de divulgar a campanha de coleta de assinaturas.

Os programas podem ser acessados nos seguintes links:
Reforma Política: Todos pelo Brasil – Bloco 1
Reforma Política: Todos pelo Brasil – Bloco 2
Vídeo de três minutos (síntese):
 

Saiba mais

Principais pontos do projeto de lei de iniciativa popular

  • Proibição do financiamento de campanha por empresa. Instauração do financiamento democrático de campanha, constituído do financiamento público e de contribuição de pessoa física, limitada a R$ 700. O total desta contribuição não poderá ultrapassar o limite de 40% dos recursos públicos recebidos pelo partido, destinados às eleições
  • Adoção do sistema eleitoral do voto dado em listas pré-ordenadas, democraticamente formadas pelos partidos com a participação dos filiados e não só dos dirigentes, e submetidas a dois turnos de votação, constituindo o sistema denominado “voto transparente”, pelo qual o eleitor inicialmente vota no partido e posteriormente escolhe individualmente um dos nomes da lista
  • Alternância de gênero (homens e mulheres) nas listas mencionadas no item anterior
  • Regulamentação dos instrumentos da democracia participativa, previstos no artigo 14 da Constituição, de modo a permitir sua efetividade, reduzindo-se as exigências para a sua realização; ampliando-se o rol dos órgãos legitimados para iniciativa de sua convocação; aumentando-se a lista de matérias que podem deles ser objeto; assegurando-se financiamento público na sua realização; e estabelecendo-se regime especial de urgência na tramitação no Congresso
  • Modificação da legislação para fortalecer os partidos, democratizar suas instâncias decisórias, especialmente na formação das listas pré-ordenadas, para impor programas partidários efetivos e vinculantes, assegurar a fidelidade partidária, para considerar o mandato como pertencente ao partido e não ao mandatário
  • Criação de instrumentos eficazes voltados aos segmentos sub-representados da população, como os afrodescendentes e indígenas, com o objetivo de estimular maior participação nas instâncias políticas e partidárias
  • Previsão de instrumentos eficazes para assegurar o amplo acesso aos meios de comunicação e impedir que propaganda eleitoral ilícita, direta ou indireta, interfira no equilíbrio do pleito, bem como garantias do pleno direito de resposta e acesso às redes sociais
Texto
Leandro Felicíssimo
Fotos
1Marcos Figueiredo
2Ueslei Marcelino / Reuters
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