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Especial Crise de credibilidade

Políticos sofrem profunda desconfiança da população, tornando imprevisível o cenário das eleições de 2018

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"Não podemos ser inocentes em culpar um ou outro partido pela situação que vivemos. O problema é estrutural, vem de muito tempo e permeia todo o sistema político e também a administração pública brasileira"

Professor Malco Camargos

Instituições vitais para o desenvolvimento brasileiro, os poderes Executivo e Legislativo enfrentam profunda desconfiança por parte da população, encontrando-se mergulhados em uma crise aguda de falta de credibilidade. Essa quebra de confiança nos políticos se revela nas conversas do cotidiano, nos noticiários e se consolidam em diversas pesquisas, divulgadas ao longo dos últimos meses pela mídia.

Na avaliação de diversos especialistas ouvidos para esta reportagem, esse cenário resulta de problemas estruturais, decorrentes do sistema eleitoral brasileiro, entre outros, e refletem o retrato de uma sociedade pautada pelo desalento, depois de enfrentar sucessivos sobressaltos na economia e na política – marcada por um impeachment de uma presidente da República – e que é massacrada cotidianamente por uma avalanche de denúncias de corrupção generalizada. Diante disso, o que esperar das eleições que irão escolher o novo presidente da República, senadores, governadores e deputados no próximo ano?

A falta de credibilidade da classe política pode ser mensurada por algumas pesquisas recentes, como a do Datafolha, divulgada em junho, que apontou que, das 2.771 pessoas ouvidas em todo o país, apenas 3% confiam na Presidência da República; 2% confiam nos partidos políticos; e o índice de confiança no Congresso é de apenas 3%.

Um outro levantamento, desta vez realizado pelo instituto Ipsos e divulgado em agosto pelo jornal O Estado de S. Paulo, mostra que, para 94% dos 1.200 eleitores ouvidos em 72 municípios brasileiros, os políticos que estão no poder não representam a sociedade. Para 86% dos entrevistados, os políticos em que já votaram em algum momento também não os representam mais.

Cientista político e professor da PUC Minas, Malco Camargos diz que a crise de representatividade é causada por dois fatores: o primeiro é estrutural e se relaciona com o sistema eleitoral brasileiro, ou seja, com as regras que são utilizadas na conversão de votos em poder político; e o segundo fator é a natureza política. “No Brasil, nosso sistema eleitoral somado ao tamanho do nosso território faz com que o custo de uma campanha política seja muito alto. Na busca da obtenção desses recursos, vínculos privados são feitos entre financiadores de campanha e agentes políticos e, com isso, nem sempre o interesse público prevalece”, explica o professor, que é diretor do Instituto Ver.

Sobre o segundo fator, Malco Camargos diz que a crise também é responsabilidade dos atores políticos que não respeitaram o jogo democrático. “No âmbito nacional, o desprezo da ex-presidente Dilma pelo Congresso, pelos partidos políticos colaborou, e muito, para o seu afastamento. De outro lado, o desprezo do candidato derrotado nas eleições de 2014, Aécio Neves, pelas regras do jogo, pela vontade das urnas, também propiciou o momento que estamos vivendo”, diz.

Assim como o professor Malco, outros pesquisadores constatam que o Brasil vive uma profunda crise de credibilidade política, que respinga nos três poderes: Executivo, Judiciário e Legislativo e que a situação atual deixa ainda mais embaralhado e imprevisível o cenário para as eleições de 2018, ou seja, a menos de um ano do pleito.

Ministro da Educação no governo da presidente Dilma Rousseff, professor de ética e filosofia da Universidade de São Paulo, Renato Janine diz que a crise de representatividade pode ser explicada pelo atual momento pelo qual passa o país. “O resultado da última eleição não foi respeitado. O impeachment, para alguns, e golpe, para outros, retirou a presidente Dilma do poder. Porém, na hora que você destrói o tecido democrático, não se pode destruí-lo pela metade, ele teria que ter sido destruído por inteiro. Ou seja, o governo Temer também não deveria existir e eleições diretas deveriam ser convocadas imediatamente”, explica o professor, que vai lançar, até o fim de 2017, o livro Reflexões de um Não Político no Poder, pela editora que pertence ao grupo Folha de S. Paulo. O livro vai ter como foco a experiência dele como ministro, tanto ao que se refere à educação quanto ao que acabou levando ao fim o governo Dilma.

De acordo com o professor Renato Janine, a atual crise de representatividade é sinal da perda da popularidade de um governo que havia construído inclusão social e instituições democráticas sólidas. “A falta de representatividade é consequência do poder, que se desgarrou completamente dos cidadãos, principalmente depois do impeachment”, diz ele.

Acomodação e ressentimento

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"Os movimentos sociais se acomodaram muito rápido quando foram eleitos os primeiros governos petistas, em vez de se mobilizarem e pressionarem o governo a cumprir políticas populares"

Maria Rita Khel, escritora e psicanalista
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"No caso específico da Câmara, o que há é uma quantidade elevada de representantes de pouca representatividade. Porque as regiões que eles representam têm uma população menor"

Professor Otávio Dulci

Psicanalista e integrante da Comissão da Verdade no governo Dilma Rousseff, a escritora Maria Rita Kehl diz que a crise de representatividade pode ser explicada pela acomodação de grande parte dos brasileiros. “Os movimentos sociais se acomodaram muito rápido quando foram eleitos os primeiros governos petistas, em vez de se mobilizarem e pressionarem o governo a cumprir políticas populares”, explica.

Essa acomodação pode ser justificada por uma das formas de ressentimento. “O sujeito coloca como algo que foi feito pelo outro para não ver que ele mesmo, por alguma razão, por covardia, por leniência, seja o que for, deixou de contribuir ou colaborar para extirpar aquilo que lhe faz mal. As pessoas percebem que os últimos governos não foram tão bons, mas que eles mesmos não pressionaram, que foram passivos, não contribuíram para mudar tudo isso. Ou seja, eles deixaram de fazer a parte deles”, diz a autora do livro Ressentimento, publicado pela editora Casa do Psicólogo.

A descrença com relação aos partidos políticos pode ser explicada pela pulverização deles. No Brasil, atualmente existem 35 partidos e, de acordo com o TSE, outros 58 estão na fila para obtenção de registro. Um fato curioso envolve o partido que obteve o último registro, em 29 de setembro de 2015. O Partido da Mulher Brasileira (PMB) era representado na Câmara dos Deputados por um homem, o deputado mineiro Wellinton Prado (PROS).

Uma das possíveis explicações para a quantidade de partidos e de outros engrossarem a fila de registros encontra-se no generoso Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos. Somente em 2017 há previsão de que mais de R$ 800 milhões sejam distribuídos entre eles.

“No caso específico da Câmara, o que há é uma quantidade elevada de representantes de pouca representatividade. Porque as regiões que eles representam têm uma população menor. Eles são representativos na sua região, mas não são em um contexto federal. O problema é que eles definem muito o cenário do país porque eles são em grande número”, diz o cientista político e professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas, Otávio Dulci.

Uma solução para evitar a ampliação do número de partidos políticos com maior representação na Câmara, na opinião do professor Otávio Dulci, é a instituição da cláusula de barreira, recém-aprovada pelo Congresso. Um sistema que tem funcionado bem na Alemanha, na Argentina, na Espanha, na Rússia, na Ucrânia, na Bélgica, na Itália, em Portugal, entre outros. “Nesse modelo, os partidos se tornam bastante representativos porque os eleitos obtiveram uma expressiva votação”, diz o professor.

A cláusula de barreira é um dispositivo que impede a atuação parlamentar de um partido que não atingiu um determinado percentual de votos. Não significa que o partido vai ser fechado, apenas que não terá nenhum representante naquele mandato.

No Brasil, em 1995, houve a aprovação pelo Congresso Nacional de projeto que instituía a cláusula de barreira, que passaria a valer em 2006,mas foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal. Mais recentemente, em outubro, Proposta de Emenda Constitucional nesse sentido foi aprovada, sendo válida já para as eleições de 2018.

Sociedade de risco

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"É claro também que a turbulência política atual tem muita conexão com o uso exagerado do discurso anticorrupção como salvação ou solução utópica e idealizada para todos e quaisquer males da política partidária no Brasil"

Professor Armindo Teodósio
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"Observamos no Brasil o empoderamento de juízes e promotores: em certos momentos, definindo os rumos da política, em uma explícita subversão à ordem democrática, segundo a qual, todo poder emana do povo por meio de seus representantes eleitos"

Professor José Luiz Magalhães

Na avaliação do professor do Programa de Pós-graduação em Administração da PUC Minas Armindo Teodósio, a atual crise de credibilidade das instituições brasileiras tem conexão intrínseca com diferentes temores que afetam as sociedades contemporâneas ligados à chamada “sociedade de risco”. Trata-se de um conceito que envolve várias dimensões, como as do mundo do trabalho, das relações familiares, do meio ambiente, da vida em comunidades e sociedade e que se relaciona com questões como o desemprego, vulnerabilidade ambiental, violência, fragmentação das famílias e a solidão, entre outros.

Os recentes escândalos de corrupção, oriundos da Operação Lava Jato, contribuíram para aumentar o atual quadro de instabilidade. “Porém, eles precisam ser compreendidos também dentro de uma trajetória de décadas de lutas empreendidas por diferentes movimentos sociais e organizações da sociedade civil para ampliação da transparência e do controle social de nossas instituições. É claro também que a turbulência política atual tem muita conexão com o uso exagerado do discurso anticorrupção como salvação ou solução utópica e idealizada para todos e quaisquer males da política partidária no Brasil”, afirma o professor Teodósio .

Para o professor Malco Camargos, a Operação Lava Jato, bem como todas as outras ações do Ministério Público e da Polícia Federal, contribui, sim, para a falta de credibilidade dos políticos, pois desnudaram algo que vários conheciam, mas que não era de conhecimento da opinião pública. “Esse desnudamento, com o passar do tempo, vai trazer avanços, mas seus efeitos trazem grandes prejuízos no curto e médio prazos. Não podemos, no entanto, cair na armadilha de datar o início da corrupção no Brasil ou mesmo seu agravamento. Mais ainda, não podemos ser inocentes em culpar um ou outro partido pela situação que vivemos. O problema é estrutural, vem de muito tempo e permeia todo o sistema político e também a administração pública brasileira”, diz.

Na opinião do professor do Departamento de Direito da PUC Minas José Luiz Magalhães, fatos recentes podem explicar a atual crise de representatividade, como o enfraquecimento dos poderes Legislativo e Executivo (devido à corrupção generalizada; à narrativa policialesca da mídia no que se refere a criminalizar a política; à fragilização da democracia representativa). “Observamos no Brasil o empoderamento de juízes e promotores: em certos momentos, definindo os rumos da política, em uma explícita subversão à ordem democrática, segundo a qual, todo poder emana do povo por meio de seus representantes eleitos. Eles se utilizam de chantagem, lawfare (refere-se ao uso dos recursos jurídicos para fins de perseguição política), e da discricionariedade (muitas vezes autoritária), para perseguir, humilhar publicamente e definir o funcionamento das instituições e dos poderes”, explica o professor.

Na avaliação do professor Otávio Dulci, houve uma intervenção externa no processo político por parte dos órgãos judiciais e de controle, como os tribunais, os tribunais de contas, polícia federal, ministério público, entre outros. “É uma instituição fora da política que tenta consertá-la.” A escritora Maria Rita Khel emenda: “No Brasil, nós temos que ter um judiciário justo, que faça justiça, e não um judiciário justiceiro.”

Fatores necessários para combater a crise

A saída para a crise encontra-se em três pontos necessários, na visão do professor Renato Janine. O primeiro deles é a retomada do crescimento econômico; o segundo, a inclusão social; e o terceiro, a sustentabilidade ambiental. “No que se refere à inclusão social, o Brasil tem que ser mais justo na concessão de oportunidades. E a sustentabilidade é consequência da constatação de que não adianta crescer economicamente gerando poluição, proporcionando grandes desastres ambientais”, diz o professor.

Para a psicanalista Maria Rita Kehl, o melhor antídoto para a crise de representatividade é a volta das manifestações públicas. “O povo tem que voltar às ruas, protestar, pressionar e defender aquilo que julga de direito, de forma pacífica, mas com energia.”

O professor Malco Camargos diz que é preciso se lembrar de que tudo não se resolverá apenas com o fim da Lava Jato e eventuais punições dos culpados ou mesmo com as eleições de 2018. “Precisaremos de anos de aprimoramento dos nossos mecanismos de controle para que tenhamos cada vez mais capacidade de coibir a corrupção. Para 2018, corremos o risco de o eleitor apostar em um salvador da pátria, um messias, que por suas habilidades pessoais possa nos afastar desta grave crise. Isto não acontecerá.

Os avanços na política são progressivos, um eleitor mais responsável, mais consciente, produzirá melhores resultados em 2018 que produziu em anos anteriores.”

Se é que existe um consolo nesta situação melindrosa atual do Brasil, é que outros importantes países estão atravessando crises imensas de representatividade, como os Estados Unidos e a França. O presidente Donald Trump é diariamente questionado por suas ações e tem índice de popularidade de apenas 36%, o mais baixo em 70 anos. Na França, o nível de participação dos eleitores do presidente Emmanuel Macron, de acordo com institutos franceses, foi o menor desde as eleições proporcionais de 1969. “Ou seja, os problemas do Brasil são enormes, mas eles não são todos nossos, não”, afirma o professor Otávio Dulci.

A necessária reforma política

O deputado federal Vicente Cândido (PT-SP) é relator do projeto da comissão que discutiu, nos últimos meses, a reforma política na Câmara dos Deputados.

No texto é possível destacar a instituição, a partir de 2022, do sistema distrital misto. Com isso, a metade das vagas é preenchida na lista fechada e, a outra, pelo voto direto nos candidatos distribuídos em distritos. Atualmente, os deputados federais, estaduais e vereadores são eleitos levando-se em conta o total de votos de um partido ou coligação para que se determinem os eleitos.

Para o professor Robson Sávio Reis Souza, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp), órgão da PUC Minas e da Arquidiocese de Belo Horizonte, o voto distrital não necessariamente poderia contribuir para eleição de políticos mais bem qualificados sociopolítico e culturalmente. “Sem profundas alterações nos partidos políticos, dificilmente se modificariam os perfis daqueles que disputam cargos eletivos”, constata.

Na visão dele, o ideal é que haja uma reforma partidária que, por exemplo, obrigue os candidatos a se comprometerem com o programa político de seus respectivos partidos. “Dessa forma, teremos políticos verdadeiramente comprometidos com os interesses públicos e republicanos”, declara .

Na reforma proposta, não foi incluído o fim do voto obrigatório. Esse foi um acerto na avaliação do professor. “Na verdade, detrás do voto facultativo, existe um desejo de fazer com que pouquíssimos interesseiros e interessados, aqueles que se consideram mais instruídos e politizados, decidam quem serão os governantes. Ou seja, no caso brasileiro, o voto facultativo deslegitimaria ainda mais nossa fragilíssima democracia.”

Ele diz ainda que projetos que tramitam no Congresso, na sua maioria, são “remendos novos em um pano velho”. Ou seja, não tratam de enfrentar os principais dilemas do sistema político-eleitoral-partidário brasileiro, que está deslegitimado e precisa de uma ampla reforma.

SEMELHANÇAS INDESEJADAS

O professor Otávio Dulci consegue identificar indícios que comparam o atual momento brasileiro com o período da denominada por alguns Revolução de 1964.

 

  1. AS COINCIDÊNCIAS
  2. INTERVENÇÃO/INGERÊNCIA
  3. Em 1964, houve a intervenção dos militares no processo político, que culminou com a “Revolução de 1964”. Atualmente, existe uma ingerência explícita de órgãos judiciais e de controle, como juízes, tribunais de contas, polícia federal e Ministério público no sistema político. “Assim como os militares em 1964, eles atuam para corrigir o que acham errado na vida política, por fora do próprio processo político regular. Como uma espécie de Poder Moderador sobreposto aos atores políticos e à cidadania em geral.”
  4. GOLPE
  5. Tanto nos anos 1960 como nos dias de hoje, havia um objetivo evidente de tirar um grupo legítimo do poder. Naquela época, o PTB, que, mesmo com a morte de Getúlio Vargas (em 24 de agosto de 1954), continuava forte. Nos dias atuais, o objetivo foi primeiro retirar do poder os governos petistas e, em seguida, até mesmo o governo do presidente Temer.
  6. UNIÃO PROVEITOSA
  7. Os partidos se uniram até o dia em que o golpe foi dado (31 de março de 1964). Partidos de tendências mais diversas se uniram para, primeiro, provocar o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e, depois, para tentar salvar o governo do presidente Michel Temer.
  8. REFORMAS PLANEJADAS
  9. Assim que assumiu o poder, o presidente Castelo Branco articulou grandes reformas, como o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), que objetivava introduzir regras de correção cambial, salarial, proteção de ativos financeiros e adequação do sistema tributário. O presidente Temer se empenha hoje em aprovar a reforma previdenciária e aprovou a trabalhista.
  10. LIDERANÇAS ELIMINADAS
  11. Os líderes que apoiaram o golpe foram, gradualmente, sendo “eliminados”, como o presidente Juscelino Kubitschek, o governador de São Paulo Adhemar de Barros e o governador do estado da Guanabara Carlos Lacerda. Atualmente, os líderes do impeachment da presidente Dilma Rousseff passam por grandes turbulências. O presidente Temer se defende de acusações de corrupção passiva, obstrução à Justiça e organização criminosa. O senador Aécio Neves, que fez as primeiras denúncias contra a presidente Dilma Rousseff no TSE, o que praticamente detonou o processo de impeachment, está sendo acusado de 14 supostos escândalos de corrupção. E o grande articulador do processo de impeachment, o ex-deputado Eduardo Cunha, foi condenado a 15 anos e encontra-se na prisão.

 

 

Texto
Edson Cruz
Ilustração
Quinho
Fotos
1Raphael Calixto
2Arquivo PUC Minas
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