revista puc minas

Artigo
Estado, desigualdade social e pobreza

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Um olhar sobre a importância de políticas públicas que assegurem direitos e o bem-estar da sociedade

“Por certo que não se pode fechar os olhos para a crise que assola o nosso país, nem tampouco para o esgotamento das condições de atuação do Estado brasileiro”

A crise econômica mundial, que a cada vez ocorre em ciclos menores e com efeitos permanentes em determinados estratos sociais, tem impulsionando o crescimento da desigualdade social em diferentes partes do mundo. Esse processo vem afetando a vida de milhares de pessoas, principalmente jovens e idosos, mesmo nos países desenvolvidos. No Brasil, esse processo recrudesce uma condição estrutural do nosso desenvolvimento, sempre excludente, apresentando sua face mais perversa na rápida deterioração das parcas conquistas obtidas no período pós Constituição, efeitos perversos potencializados pela crise política-institucional em que ora vivemos.

Dentre os países considerados democráticos, o Brasil ocupa, hoje, o lugar de liderança nos níveis de concentração de renda nos estratos mais ricos da população. Nos últimos dois anos, nos destacamos como o país que lidera a concentração de renda no grupo dos 1% mais ricos da população. Em uma série de reportagens sobre a desigualdade, o jornal Folha de S. Paulo, a partir de dados extraídos de instituições como a Fundação Getúlio Vargas, demonstra o crescimento do índice de Gini, indicador internacionalmente utilizado para medir a desigualdade social, bem como da retomada do crescimento da pobreza, que se apresentava em declínio desde o fim dos anos 1990.

Nesse contexto, a discussão sobre o papel do Estado adquire centralidade, isso porque, embora defensores do Estado mínimo, historicamente tenham apregoado a superioridade do mercado na distribuição das riquezas, não se conhece nenhuma experiência de redução desses desequilíbrios sem que não haja alguma forma de atuação do Estado nessa direção. Nem mesmo nos Estados Unidos, país visto como berço do liberalismo econômico, o Estado deixou de atuar, em alguns momentos, com leis e políticas, inclusive desenvolvimentistas, que propiciaram condições de bem- estar para sua população. Apenas a título de ilustração, vale destacar o Homestead Act , o ato que regulava e permitia o acesso a terras públicas a famílias que desejavam produzir, isso ainda nos primórdios da constituição da nação estadounidense.

Contemporaneamente, a precarização do trabalho produzido tanto pelo crescimento do uso das tecnologias – vide, por exemplo, a uberização em que o trabalhador é submetido a relações de trabalho frágeis e que o coloca em situação de vulnerabilidade e desproteção social – como das propostas de expansão dos processos de contratação por horas, destruição de inúmeros postos de trabalho etc., vem ampliando o processo de acumulação de riquezas pelos segmentos muito abastados ( os superricos) e empobrecendo parcelas expressivas da população.

Num cenário de substituição do trabalho pela inteligência artificial e pelas máquinas que aprendem, a quem competirá condições de sobrevivências para os grupos alijados desse mundo? Como garantir as condições de vida dessas populações? O Estado torna-se, então, um elemento fundamental nesse processo. Algumas vozes já ecoam essa preocupação, alertando para os riscos de um futuro sem trabalho para todos. Acoplado a isso, a distribuição extremamente desequilibrada das riquezas, o quadro se apresenta como distópico.

No confuso e superficial debate político contemporâneo, contaminado pelas irracionalidades da pequena política, o Estado passou a ser visto como o vilão de todas as mazelas que acometem a sociedade brasileira, a solução apresentada sendo o seu aniquilamento ou quando muito sua atuação apenas na esfera da segurança, com destaque para seu papel de coator, apenas como coibidor do dano. À parte a leitura empobrecedora dos princípios liberais que essa visão enfatiza – já que no mundo da prática real nenhum Estado se fez absolutamente liberal, ou que exista apenas para coibir o dano à propriedade –, o fato é que políticas redistributivas são fundamentais para a superação das desigualdades.

Por certo que não se pode fechar os olhos para a crise que assola o nosso país, nem tampouco para o esgotamento das condições de atuação do Estado brasileiro. Mas, há que se considerar que esse esgotamento ocorrre muito em função das escolhas políticas sustentadas na manutenção do status quo, de pequenos grupos e grandes lobbies empresarias que se apropriaram de modo patrimonialista do ente estatal e que agora apresentam como solução, a retirada da função social do Estado e da sua responsabilidade na garantia dos direitos sociais que asseguram uma condição de cidadania. A busca pela eficiência do Estado se faz concomitante e complementar à garantia das condições e dignidade das vidas humanas.

Em países como o Brasil, em que a desigualdade social permeou toda a sua história, excluindo parcelas significativas da população do acesso à educação, trabalho, habitação, saneamento básico, entre outros, o Estado cumpre um papel fundamental na garantia do acesso a condições inerentes a uma situação cidadã.

A redução das desigualdades sociais e a melhoria das condições de vida dos mais pobres requerem grandes investimentos e políticas redistributivas que possibilitem o desenvolvimento pleno e o bem-estar de parcelas significativas da sociedade. Assim, antes de demonizar o Estado, urge elaborar políticas que assegurem os direitos a uma vida plena em todas as suas potencialidades.

Texto
Profª. Antônia Maria da Rocha Montenegro
“Num cenário de substituição do trabalho pela inteligência artificial e pelas máquinas que aprendem, a quem competirá condições de sobrevivências para os grupos alijados desse mundo? Como garantir as condições de vida dessas populações?”, indaga a professora do Departamento de Ciências Sociais. Diante disso, Antônia Montenegro destaca que o Estado torna-se um elemento fundamental nesse processo. Ela lembra que algumas vozes já ecoam essa preocupação, alertando para os riscos de um futuro sem trabalho para todos. Para a professora, em países como o Brasil, em que a desigualdade social permeou toda a sua história, excluindo parcelas significativas da população do acesso à educação, trabalho, habitação, saneamento básico, entre outros, o Estado cumpre um papel fundamental na garantia a condições inerentes a uma situação cidadã.
Ilustração
Quinho
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