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Medicina Mãos que Comunicam

Gustavo e Noele, alunos do Curso de Medicina, criaram o projeto Mãos que Comunicam

Alunos da PUC Minas Betim desenvolvem projeto que ensina Libras para atendimento médico

E se você precisasse se comunicar hoje com uma pessoa surda que utiliza a Libras como primeira língua? Você seria capaz de compreendê-la e manter um diálogo? Foi pensando na inclusão da comunidade surda nos atendimentos médicos que os alunos Gustavo Valeriano e Noele Queiróz, dos 4º e 9º períodos, respectivamente, do Curso de Medicina da PUC Minas Betim criaram o Mãos que Comunicam.

Inspirado no projeto Um Sinal Basta, do Diretório Acadêmico Alfredo Balena, do Curso de Medicina da UFMG, o Mãos que Comunicam foi criado em setembro de 2020, e visa instigar a importância do conhecimento e prática da Libras – Língua Brasileira de Sinais, pelos futuros médicos. O projeto consiste na gravação e divulgação de vídeos curtos que são publicados no perfil do Instagram do DAHMP – Diretório Acadêmico Horizontal Medicina – PUC Minas, e buscam, de forma simples e direta, ensinar alguns sinais da Libras que podem ajudar o profissional da saúde em uma consulta médica.

“O nosso objetivo com o projeto é levar a discussão da inclusão do deficiente auditivo na área da saúde, especialmente na medicina. Nós buscamos mostrar o que o médico pode fazer diante de um paciente que tem a deficiência auditiva e utiliza Libras como primeira língua”, conta o estudante Gustavo Valeriano, um dos alunos fundadores do projeto.

A demanda para a criação do Mãos que Comunicam surgiu de percepção dos alunos acerca das dificuldades enfrentadas pelas pessoas surdas durante um atendimento médico. “Nós percebíamos que no meio médico não existiam muitos profissionais que sabiam a Libras. Eu tenho alguns amigos surdos, e eles também percebiam isso”, comenta Gustavo. Impulsionados pelo desejo de promover a representatividade da comunidade surda, os alunos buscaram métodos para instigar o interesse no aprendizado da Libras nos futuros médicos. “Em setembro do ano passado nós tivemos um workshop sobre Libras promovido pelo Diretório Acadêmico. Logo depois, descobri que o Curso de Medicina da UFMG estava fazendo um projeto de vídeos dedicados ao ensino da Libras no meio médico. Então, criamos uma parceria com eles e assim surgiu o Mãos que Comunicam. A nossa ideia é trazer esse projeto online de vídeos em Libras de comunicação médica, principalmente, para incentivar essa discussão e também trazer um conhecimento, mesmo que básico, dessa área”, conta uma das fundadoras do projeto e integrante do Movimento Estudantil, Noele Queiróz.

Como funciona o projeto

O professor Tuender Durães de Lima, com a filha Bárbara Rodrigues, tradutora e intérprete de Libras

Os principais sinais para representar sintomas, sinais importantes à saúde da mulher, sinais que traduzem termos da saúde mental e orientações básicas durante uma consulta médica. Esses são apenas alguns dos temas que já foram abordados nos vídeos do Mãos que Comunicam. O projeto tem lançamentos de novos vídeos toda semana, sempre às quartas-feiras. Os alunos se organizam e decidem qual o tema da semana, assim como quem será o responsável pela pesquisa e gravação. Finalizado esse processo, o vídeo é publicado nos stories do perfil do DAHMP no Instagram, e permanece salvo nos destaques. Hoje, o projeto conta com oito voluntários, todos estudantes do Curso de Medicina da PUC Betim.

Hoje, no Brasil, existem mais de 10 milhões de pessoas surdas, de acordo com o último censo promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2020. Destas, cerca de 2,7 milhões possuem perda auditiva total, de modo que não escutam nem mesmo com o uso de aparelhos auditivos.

Desde 2002, por meio da Lei 10.436, a Libras foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão no país. A lei prevê ainda que instituições e empresas públicas sejam capazes de garantir à pessoa com deficiência auditiva o atendimento adequado, o que inclui a disponibilidade de intérpretes em locais como escolas e postos médicos, por exemplo.

Na prática, entretanto, a situação, infelizmente, é outra. É o que vivencia o professor universitário Tuender Durães de Lima, 43, que é surdo e tem a Libras como primeira língua. Ele conta que quando precisa de qualquer atendimento médico, bancário ou judiciário, providencia, ele mesmo, um intérprete, pois não confia que a instituição terá um já disponível.

“Eu preciso ir atrás. Faço isso porque tenho experiência, já fui varias vezes e não tinha intérprete, então eu mesmo me organizo antes”, relata Tuender. O professor conta que para situações rotineiras, como fazer compras, ele consegue se comunicar por meio de gestos e com o auxílio da escrita e de aplicativos para smartphone. “Mas quando são atendimentos um pouco mais sérios e burocráticos, eu preciso do intérprete, pois preciso das informações certinhas e entender corretamente as orientações”.

Segundo o professor, a comunicação por meio da escrita nem sempre é suficiente: “Muitos surdos não entendem o português escrito, ou, quando entendem, é apenas parcialmente, porque essa não é nossa língua natural. Com a Libras é diferente: a comunicação é natural. Eu me sinto mais seguro quando posso utilizar a Libras durante um atendimento”.

O professor e sua filha, Bárbara Rodrigues, que é tradutora e intérprete de Libras, também auxiliaram no Mãos que Comunicam, fornecendo orientações para alguns dos vídeos produzidos pelos alunos. Para Tuender, o projeto é um modo de promover a inclusão das pessoas surdas na sociedade. “Precisamos ampliar o conhecimento da Libras para outras áreas. Só assim iremos derrubar estas barreiras e permitir a interação entre pessoas surdas e ouvintes”, conclui.

A estudante de Medicina na PUC Minas e voluntária no projeto, Raquel Moret, de 25 anos, compartilha desse mesmo sentimento em relação à importância da iniciativa. “O projeto salva vidas porque permite que o médico se comunique com seu paciente e, então, essa pessoa vai ter a chance de se curar. Só isso já é maravilhoso de se pensar”.

Conhecimento que reverbera

A iniciativa chegou até a funcionária Maria Fernanda de Oliveira, bibliotecária da PUC Minas Betim. Ao descobrir o projeto, ela, que desde 2018 vem praticando o estudo da Libras, contribuiu gravando seus próprios vídeos ensinando alguns sinais, além de se disponibilizar para praticar com os alunos.

“Achei a ideia fantástica, que deveria ser seguida pelos outros cursos. Todo profissional, uma hora ou outra, vai ter contato com uma pessoa surda. E se você conhece pelo menos os termos básicos de comunicação geral e alguns termos técnicos da sua área para tratar com a pessoa surda, você já tem um diferencial muito grande na sua área de formação, além de promover a inclusão, que é tão importante”, avalia.

A PUC Minas, por meio do NAI, o Núcleo de Apoio à Inclusão do Aluno com Necessidades Educacionais Especiais, oferece o auxílio necessário aos estudantes com todo e qualquer tipo de deficiência. No segundo semestre de 2020, foram registrados 466 atendimentos, sendo 37 destes direcionados a alunos com deficiência auditiva.

Dentre os auxílios oferecidos pelo NAI, existe a disponibilidade do intérprete e tradutor em todas as atividades acadêmicas para alunos que utilizem a Libras como primeira língua e a disponibilização do intérprete repetidor para alunos cuja principal forma de compreensão da fala é a leitura orofacial. Esse profissional faz a repetição, por meio da articulação labial sem a emissão de sons, de todas as falas, com o objetivo de minimizar as perdas inerentes ao processo de leitura labial.

Texto
Ana Paula Pimenta
Fotos
Bruno Timóteo
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