revista puc minas

Artigo
Mineração, meio ambiente e sociedade

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"Para nada serviria descrever os sintomas, se não reconhecêssemos a raiz humana da crise ecológica. Há um modo desordenado de conceber a vida e ação do ser humano que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar."

Papa Francisco, Laudato Si’, n. 101

Quando a primavera de 2016 chegou, as matas e águas da bacia hidrográfica do rio Doce reverenciaram as pessoas que perderam ali as suas vidas e seu modo de viver, reverenciaram a dor das famílias de todas as comunidades abaixo do grande empreendimento minerário com sua equivocada performance de classe mundial. Como se pode depreender de tantos estudos e relatórios técnicos, das investigações por parte de distintas organizações especializadas, as decisões sobre a extração, o beneficiamento e a exportação de minério de ferro para um mercado global oficializaram padrões de ineficiência produtiva, tecnológica e gerencial, que se caracterizaram como uma opção dos dirigentes empresariais pelo risco da destruição, detonando o desastre tecnológico em 5 de novembro de 2015.

O reconhecimento da forte presença dos minérios nas sociedades contemporâneas não pode servir de álibi para baixarmos a guarda crítica e autocrítica. Diante de modos desordenados de concepção da vida e, sobretudo, diante de ações humanas conduzidas por uma lógica econômica perversa que, em sua voracidade por lucros cada vez maiores e com menores custos, tem se mostrado incapaz de reconhecer e acolher necessários limites ecoéticos, não basta esperarmos por bom senso das empresas. Urge que tenhamos uma legislação ambiental eficiente e mecanismos de controle social sobre os detentores do poder econômico, que parecem agir indiferentes diante da gravidade de situações que ameaçam o equilíbrio e as próprias condições de vida em nosso planeta.

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Professor Edward Guimarães
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Professora Denise Pereira

O fatalismo da situação que se consumou com o desastre ecológico provocado pela empresa Samarco, de propriedade da Vale S. A. e da BHP Billiton Brasil Ltda., exaltadas como global players ou atores globais por seus valores e estratégias ultraliberais, reflete ainda o descaso de entidades e instituições públicas com o tratamento das questões socioambientais. Desde a precarização das condições legais com decretos e emendas constitucionais retrógradas como, por exemplo, a Lei 2946/2015, de autoria do governador Fernando Pimentel e aprovada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais menos de um mês após a tragédia causada pela Samarco e que, além de flexibilizar e fragilizar, retira o Ministério Público do processo de licenciamento ambiental; ou ainda, no âmbito federal as investidas como a PEC 65/2012, com o objetivo de flexibilizar extinguindo o processo de licenciamento para grandes obras públicas, aprovada em 04/2016; o Projeto de Lei 3.682/2012 e o 1.610 de 1996 que retornam à pauta de votação, respectivamente, visando a autorizar a mineração em unidades de conservação ambiental e em terras indígenas. Ademais, como insistentemente denunciado por movimentos socioambientais e por parte da imprensa, a fiscalização torna-se cada vez mais ineficiente ou inoperante, devido à precarização das condições operacionais de órgãos públicos para realizá-la. As causas de tal ineficiência da máquina pública tem sido atribuída às defasagens nos quadros de pessoal técnico especializados, ao sucateamento dos órgãos ambientais e, não menos importantes, às negociações escusas, com participação ativa de políticos e seus prepostos com dirigentes representantes dos interesses da economia mineral, como se assistiu abertamente ao serem reveladas as fontes de financiamento eleitoral e com as ações publicizadas pelo Ministério Público.

As complexas relações entre a mineração e a sociedade não se reduzem aos aspectos expostos acima, ao contrário, eles são apenas fragmentos de dimensões estruturantes da realidade contemporânea na qual emergiu a grande crise ambiental, demarcada pelos sinais de exaustão de recursos minerais, pela poluição e degradação ambiental, pelo acúmulo de lixo produzido pela equação de produção e consumo excessivos. Associa-se aqui a dinâmica do capitalismo global e desigual que, com suas estratégias predatórias, tem revelado ameaças e riscos socioambientais e também o acirramento de conflitos nacionais e internacionais motivados pela competição por recursos e territórios, às vezes camuflados pelos discursos sobre inovações, mercados e a necessidade de saciar os ávidos acionistas do sistema cada vez mais financeirizados.

O desastre da Samarco, por um lado, anuncia a falência do paradigma tecnológico da mineração de ferro, em específico, com o seu modelo de consumo excessivo de água, de geração de rejeitos e resíduos, de deslocamento de grandes massas de terra considerada estéril, de deposição de rejeitos em vales com enormes barragens, de supressão de flora, de extinção de fauna, de contaminação das águas e do solo com efluentes químicos e, sobretudo, de extinção de cursos d’água destruindo a malha hídrica e as condições naturais e geológicas para a produção da água. Por outro lado, demonstra as dimensões não humanas do pensamento técnico-gerencial ao desconsiderar a existência de valores próprios dos povos que habitam os territórios cobiçados pela mineração. Os chamados empreendedores do setor mineral e seus quadros técnicos não efetivam políticas rigorosas de reconhecimento da população atingida, nem de relacionamento socialmente respeitoso com as populações e autoridades administrativas locais. Especialmente no que se refere aos processos de reestruturação fundiária, de reassentamento de famílias e comunidades, de indenização por perdas e danos, seja em situação de implantação ou expansão de projetos minerários ou como no caso das comunidades diretamente afetadas pelo rompimento da barragem de rejeitos – as vítimas do desastre tecnológico –, observam-se as tentativas de afrouxamento das leis, o adiamento de soluções para a continuidade da vida, a violação de direitos e a impunidade dos responsáveis.

Nesse complexo contexto, diante de tantas vítimas entre os mais socialmente vulneráveis, a Universidade é chamada a assumir profeticamente a sua missão e tarefa social e contribuir, de forma concreta e significativa, na busca de lucidez. Com sua busca inquieta e incessante pelo conhecimento que transforma, pelo caráter humanista da formação integral que oportuniza aos seres humanos nela envolvidos, por concentrar inúmeros pesquisadores e promover o estudo e o debate sobre as grandes questões, como o fez o Papa Francisco na Encíclica Laudato Si´, a PUC Minas é chamada a explicitar as mais diversas dimensões e implicações ecoéticas que emergem das relações entre a mineração, a sociedade e o ambiente. Além de grupos de pesquisa multidisciplinares que se formam para investigar diferentes dimensões dos problemas das questões tecnológicas e socioambientais, realizou-se em setembro de 2016, o XI Seminário de Extensão, com o tema Ética e Sustentabilidade: compromissos da extensão universitária. Quando se completa um ano da tragédia de Mariana, as reflexões do Grupo de Estudos Multidisciplinar Mineração e Correlatos estarão sendo publicadas. A expectativa predominante é de que possamos avançar nos cuidados com a nossa Casa Comum, requalificando conhecimentos e a própria forma de construí-los a partir de mais conhecimento decorrente da aproximação da realidade, de estreitamento dos laços e de comprometimento com a sociedade.

Texto
Denise de Castro Pereira e Edward Neves Guimarães
Em artigo sobre mineração e meio ambiente, os professores classificam de “equivocada performance de classe mundial” o beneficiamento e a exportação de minério de ferro para um mercado global, que se caracterizaram como uma opção dos dirigentes empresariais pelo risco da destruição, detonando o desastre tecnológico na bacia do Rio Doce em 5 de novembro de 2015. Edward Guimarães é docente no Instituto de Filosofia e Teologia Dom João Resende Costa e secretário executivo do Observatório de Evangelização PUC Minas. A professora Denise Pereira é membro do Núcleo de Trabalho na Pró-reitoria de Extensão.
Fotos
1Avener Prado/Folhapress
2Marcos Figueiredo
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