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Anualmente, cerca de 26,4 milhões de pessoas são forçadas a abandonarem suas residências em decorrência de catástrofes naturais

“A questão dos direitos fundamentais destas pessoas não pode estar à mercê de arranjos e declarações regionais, pontuais e particularizadas”

Thiago Nadú de Andrade
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A ocorrência de fenômenos naturais extremos por vezes resulta em verdadeiras catástrofes que obrigam comunidades inteiras a se deslocarem no território por terem sido perdidas as condições mínimas de habitação e permanência segura na terra natal. Isso gera, além da perda do lar, a mudança abrupta dos referenciais de cultura local, resultando, ainda, em deslocamentos de pessoas para outros países. São grupos que se veem forçados a migrar pela nítida violação de direitos fundamentais.

Em outubro de 1991, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) criava o Dadaab, o maior campo de refugiados do mundo, situado no nordeste do Quênia, próximo da fronteira com a Somália. O Dadaab foi concebido para abrigar vítimas da guerra civil somali, porém, é cada vez mais comum a chegada de pessoas que enfrentam, além da extrema violência, a seca severa e a fome no Quênia e em países vizinhos. Hoje, cerca de 350 mil pessoas convivem diariamente neste campo de refugiados, muitos lá nasceram e não conhecem outra realidade.

Em todo o mundo tornou-se frequente o deslocamento forçado de pessoas em decorrência de mudanças naturais extremas como desertificações, inundações, processos erosivos reiterados, entre outras. Muitas vezes, essas situações ainda são agravadas por conflitos étnicos permeados por violência armada. De acordo com o Acnur, anualmente, cerca de 26,4 milhões de pessoas são forçadas a abandonarem suas residências em decorrência de catástrofes naturais. Importante destacar que é crescente o número de famílias morando em áreas vulneráveis aos desastres.

O Quênia, no nordeste da África, integra um recém-criado grupo de países denominado V20, que representa as 20 nações mais vulneráveis às mudanças climáticas no mundo. Esses países têm sofrido impactos diretos e significativos de eventos naturais extremos. Somam cerca de 700 milhões de pessoas, todas no contexto de economias fragilizadas e áreas de evidente risco ambiental. Essas nações visualizam um horizonte de dificuldades para manterem-se seguras num mundo em que os eventos naturais mostram-se cada vez mais intensos e devastadores. São nações que convivem com o extremo risco, por uma condição ambiental insular, portanto, sensíveis às oscilações no nível dos mares, territórios sem litoral, áridos ou montanhosos.

Infelizmente não há, no âmbito internacional, uma norma consolidada, clara e reconhecida que ampare os migrantes em decorrência de desastres naturais. Não podem ser legalmente considerados refugiados nem asilados, pois não se enquadram na previsão legal dessas categorias de pessoas. Essas vítimas não conseguem a plena proteção jurídica internacional e recebem a alcunha de deslocados ambientais.

O Instituto do Asilo, dos mais antigos na história da humanidade, atualmente praticado na América Latina, é destinado à recepção de estrangeiros, em um Estado diverso de sua nacionalidade, perseguidos por motivações políticas ou crimes de opinião. Já o Instituto do Refúgio, mais amplo, globalmente reconhecido, consolidado no século XX pela Convenção das Nações Unidas Relativa ao Estatuto dos Refugiados, desempenhou um papel determinante diante do imenso universo de pessoas perseguidas em decorrência das guerras mundiais. O parágrafo 2º do artigo 1º trazia um recorte temporal e espacial, somente abarcando os refugiados, colocados nessa condição, em episódios anteriores a janeiro de 1951 e especificamente no continente europeu. Assim, refugiado era a pessoa que:

“… temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.”

Diante das necessidades internacionais, em 1967, com o Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, houve uma expansão deste termo legal com a respectiva atualização da definição de refugiado. Foi efetivada a fundamental ausência das limitações temporais e espaciais, porém, não foram revistos os motivos ensejadores da condição de refugiado. Urge que sejam incluídos os deslocados ambientais numa tutela jurídica internacional própria, vinculante, seja na categoria de refugiado ou numa outra específica. A questão dos direitos fundamentais destas pessoas não pode estar à mercê de arranjos e declarações regionais, pontuais e particularizadas.

Por diversas oportunidades, na história da humanidade, grupos foram forçados a migrar diante de circunstâncias ambientais severas. Quanto maior o aparato tecnológico envolvido em nosso meio, cresce a magnitude e surgem novos riscos associados ao meio ambiente. Também, por isso, são cada vez mais intensas as consequências dos fenômenos naturais. Tutelar os deslocados ambientais é um exercício vital à nossa sociedade. Atuar na prevenção e eliminação de riscos socioambientais é papel fundamental a ser desempenhado por todos. Estabelecer um relacionamento mais harmônico com o nosso planeta é respeitar o que temos de melhor: a humanidade.

Texto
Thiago Nadú de Andrade
As constantes mudanças climáticas pelas quais o planeta vem passando provocam fenômenos naturais, como furacões, tornados, inundações e outros, que muitas vezes devastam áreas de moradia de milhares de pessoas. Além das catástrofes naturais, conflitos étnicos, religiosos e raciais também são fatores que implicam o deslocamento forçado de pessoas que buscam por um novo lar em um local seguro. Thiago Nadú, geógrafo e coordenador do Centro de Climatologia PUC Minas TempoClima, aborda a necessidade de oferecer amparo aos migrantes que buscam refúgio.
Fotos
1Kate Holt
2Marcos Figueiredo
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