revista puc minas

Comportamento O poder da gratidão

Tema de livro, sentimento pode gerar benefícios para o cotidiano

“Percebemos que o mundo está se tornando cada vez menos grato, e, para mim, a gratidão é um valor muito importante”

Professor Marcelo Galuppo

Já parou para refletir quantas vezes por dia nós reclamamos de algo? Seja por conta de uma simples chateação em nossa rotina até grandes complicações no trabalho ou meio familiar, uma coisa é certa: basta o menor problema para começarmos a reclamar. Foi refletindo acerca deste conhecido comportamento humano que o professor Marcelo Galuppo, da Faculdade Mineira de Direito, decidiu, junto a seu ex-orientando Davi Lago, escrever o livro #umdiasemreclamar, publicado pela Citadel Editora. “Percebemos que o mundo está se tornando cada vez menos grato, e, para mim, a gratidão é um valor muito importante”, diz Galuppo.

Com prefácio do arcebispo de Belo Horizonte e grão-chanceler da PUC Minas, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, a obra traz reflexões acerca do poder e da importância da gratidão em nossa rotina. Por meio de alguns desafios, o livro se propõe a instigar o leitor a praticar a gratidão no dia a dia, e perceber, com a mudança de comportamento, os benefícios que ela angaria.

“Eu vejo a gratidão quase tão importante quanto a tolerância. Nós somos naturalmente ingratos e precisamos mudar esse comportamento, porque a ingratidão não prejudica apenas a pessoa ingrata: ela prejudica também as pessoas que estão à nossa volta, que são da nossa convivência”, relata o professor e autor do livro.

Tendo origem no latim gratia e que pode ser traduzida como graça, a gratidão representa o estado de espírito de quem é grato por determinado acontecimento ou situação. Pelo senso comum, a gratidão pode parecer simplória ou rotineira, mas o que você talvez não saiba é que este aparentemente simples exercício de agradecer pode gerar resultados significativos em sua saúde.

É o que demonstram os pesquisadores da Harvard Medical School, que reuniram diversos experimentos que sugerem a relação direta entre gratidão e bem-estar. O mesmo é também defendido pela professora do Curso de Psicologia da PUC Minas Betim, Karina Fideles, que explica o porquê dessa sensação. Segundo a professora, a gratidão, nesse caso, está relacionada à resiliência, que é a capacidade humana de superar obstáculos e olhar para os problemas e situações adversas sob uma nova ótica.

“Quando enfrentamos um problema e somos capazes, por meio da resiliência, de dar a volta por cima e enxergá-lo com outros olhos, nos tornamos gratos por essa experiência, e é esse estado que nos faz mais felizes”, explica.

Para a professora, a gratidão surge pela possibilidade de introspecção e avaliação permitida pela situação problema. “Eu me torno grata porque consigo transformar essa situação não muito boa em algo melhor. Sou grata por ter a oportunidade de transformar esse cenário”, complementa a professora do Curso de Psicologia.

 

O advogado Vitor Maia, mestrando em Ciências Sociais, é grato às pessoas que o ajudaram a ser quem é hoje

Seguir em frente: um exercício de gratidão

Embora comumente atrelada a momentos felizes e que nos trazem boas lembranças, a gratidão também pode ajudar em períodos difíceis de nossa trajetória. É o caso, por exemplo, do advogado e mestrando em Ciências Sociais, Vitor Maia, de 29 anos.

Diagnosticado ainda criança com uma imunodeficiência primária, Vitor já precisou ficar internado por diversas vezes, o que acabou lhe trazendo obstáculos ao longo da vida, como a conclusão tardia no ensino médio e a necessidade de trancar o mestrado por um semestre.

“Eu já entendi que sempre irei precisar lidar com essa doença e, por isso, vou tentando mediar todas as minhas relações a partir dela. Se dependesse de mim, eu escolheria não ter passado por isso, mas a partir do momento em que elas aconteceram, eu tento lidar com essa situação da melhor forma”, conta o estudante. Em 2019, Vitor perdeu a mãe de maneira súbita, situação que ele descreve como “o momento mais triste da minha vida”.

Para o advogado, a gratidão se fez presente na relação que ele vem criando com as pessoas que estão do seu lado e, de alguma forma, o ajudaram a ser quem ele é hoje. “Nesses momentos difíceis o que me faz seguir em frente são as pessoas que eu amo e que me amam. Quando eu estou em algum momento de crise e não consigo seguir por conta própria, entram essas pessoas ao meu redor: eu me lembro do esforço da minha mãe, do meu pai, do meu irmão e minha namorada, e é por essas pessoas que eu resolvo seguir. Eu me lembro dos meus amigos e professores, do quanto cada um me ajudou a chegar aonde quero chegar. E por elas, eu sou grato”.

Mais do que apenas sentir-se agradecido, Vitor conta que também deseja passar para frente, por meio de ações, a ajuda e reconhecimento que vem recebendo: “O meu objetivo é poder fazer por outras pessoas o que muitas fizeram por mim: eu tive pessoas que me ajudaram e sei que existem outras passando pelas mesmas dificuldades que eu. Então, tento sempre ser apoio, conversar, estar presente, porque eu sei que essas ações foram decisivas para mim. Isso eu vejo como um exercício de gratidão”, diz.

Ver o copo meio cheio

Tente passar um dia inteiro sem reclamar. Inicialmente, a proposta soa como algo simples, mas não se deixe enganar: é mais difícil do que parece. “Eu mesmo não consegui completar o desafio”, conta o professor Marcelo. “Tentei por várias vezes e sempre acabava surgindo algum problema justamente naquele dia. Com certeza não é um desafio fácil”, pondera o professor.

Usando a explicação psicológica, a professora e psicóloga Karina Fideles explica que o desafio proposto por Marcelo Galuppo e Davi Lago busca, na verdade, trazer para a consciência os momentos positivos de nossa vida. Segundo a professora, o ser humano costuma focar no negativo, e por isso, somos propensos a reclamar com uma maior frequência do que agradecemos.

“Às vezes, em nossa vida, presenciamos mais coisas boas do que momentos ruins. O que acontece é que o ruim se destaca, acaba nos gerando emoções muito fortes, como o medo, a raiva e a tristeza, e isso toma grandes proporções”, explica a professora.

Para ela, o segredo para sermos mais gratos estaria na tentativa de vermos o mundo por outros olhos: ver o copo meio cheio, ao invés de meio vazio. “Se começássemos a fazer um exercício de inverter e pensar que determinada situação foi ruim, mas todas as outras horas do dia foram boas, nós conseguiríamos ter outra perspectiva, olhar para a vida com outra lente”, diz.

Para o professor e autor do livro, Marcelo Galuppo, o primeiro passo para sermos gratos é reconhecer a ingratidão que existe em nós mesmos: “Precisamos despertar para o fato de que somos naturalmente tendentes à ingratidão. Somos ingratos com o que as pessoas nos ofereceram, com o que Deus nos oferece, e também com o que a natureza nos oferece. É natural, então a gratidão reside um pouco neste processo de conversão pessoal”, explica.

“Hoje eu sou capaz de perceber a ingratidão que existe mesmo em mim, e tento melhorar, todos os dias. Esse foi o maior ensinamento que escrever este livro me proporcionou”, revela o professor.
E você? Que tal começar hoje mesmo o exercício da gratidão? Olhe em volta. Agradeça.

Texto
Ana Paula Pimenta
Fotos
Arquivo Pessoal
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