revista puc minas

Direitos Humanos O poder transformador da leitura

A aluna Júlia Dal-Cin, da Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade, participa do projeto Direitos Humanos e Cidadania

Projeto promove lições de cidadania a alunos de escola pública por meio de exercício de texto e rodas de conversa

Júlia Dal-Cin é uma leitora ávida. A menina de 15 anos mergulhou no mundo das letras e começou a se interessar por diversas histórias e personagens aos 12, quando foi presenteada por uma vizinha com um livro. Desde então, não parou mais de ler. Apaixonou-se por poesia, tomou gosto por histórias de terror, descobriu um autor predileto: Edgard Allan Poe. A sua leitura mais recente foi O Caçador de Pipas. Para Júlia, os livros servem para se divertir, para se informar e, assim, crescer, como pessoa, como estudante e futura profissional em uma área que ela ainda descobrirá qual. Gabriel Bortot, também de 15 anos, tem hábitos opostos ao de Júlia. Ele até reconhece a importância da leitura, mas admite que lê pouco, quase nada. Ele conta que quando era menor adorava os livros que contavam a história de uma bruxinha. Leu todos. E, sem saber por quê, abandonou a companhia dos livros à medida que crescia.

Júlia e Gabriel, com comportamentos opostos em relação ao hábito de ler, convivem diariamente na classe do 9º ano da Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade, localizada no município de Contagem, e participam de uma atividade cuja base é, justamente, a leitura. É lá que, quinzenalmente, estudantes da PUC Minas Contagem se encontram com Júlia, Gabriel e outros tantos alunos da série para ensinar lições que vão além do português: por meio da leitura, os temas discutidos são ética, cidadania e direitos humanos. E, assim, é desenvolvido o projeto de extensão Direitos Humanos e Cidadania: um projeto em construção a partir da prática da leitura.

A ideia de desenvolver essa atividade partiu de uma aluna, a estudante, do 6º período do Curso de Direito do Campus, Fransuelen Geremias. Ao visitar a Escola Estadual Hugo Viana Chaves, no município de Ribeirão das Neves, para realizar uma palestra sobre tráfico humano, uma atividade ligada à Campanha da Fraternidade de 2014, a estudante ficou sensibilizada com a realidade dos jovens com os quais se deparou. Segundo ela, todos pareciam estar submetidos a uma falta de perspectiva de vida na comunidade, assim como de conhecimento sobre direitos fundamentais. “Acho que uma fala de Clarice Lispector sobre Macabéa, em A Hora da Estrela, aproxima muito do que senti ao ter contato com a escola: ‘Nunca pensara em ‘eu sou eu’. Acho que julgava não ter direito, ela era um acaso’. Acho que foi essa a sensação que tive ao observar aqueles jovens que não se percebiam como sujeitos, e mais: que são sujeitos de direitos”, conta.

Juntamente com alguns colegas de curso, ela procurou a professora Luciana Pimenta para que pudessem desenvolver um projeto que levasse a esses estudantes um pouco de perspectiva. “Tudo aconteceu muito além de mim. Eu fui procurada pelos alunos para ver se eu aceitava ser coordenadora desse tipo de projeto. Como tenho absoluta afinidade com esse tema da ética e da cidadania, trabalho na Filosofia do Direito e gosto muito do tema da educação, falei com eles que eu me interessava”, explica a professora.

Assim, surgiu o projeto de extensão, que visa promover a ampliação da cidadania e do reconhecimento e vivência dos direitos a partir da prática de leitura, não como processo de alfabetização, mas como desvendamento de possibilidades do humano, da alteridade e da diversidade. Temas como direitos e deveres, bullying, direito dos animais, voto, ocupação de espaço público, entre outros, são trabalhados de forma dialógica, por meio de rodas de conversa, dinâmicas, leituras e exercícios de escrita. A ideia é estimular o desenvolvimento de habilidades como criticidade, articulação verbal e interpretação de texto, e, desta forma, dar condições a esses jovens de interpretar a sociedade em que vivem, alimentar seus sonhos para o futuro e, assim, poderem ser agentes transformadores.

Dimensão crítica e respeito

Fransuelen Geremias e Luiz Felipe Vieira ministram as oficinas na Escola Estadual Hugo Viana Chaves, em Ribeirão das Neves

Quatro alunos participam do projeto: Fransuelen Geremias e Luiz Felipe Vieira ministram as atividades na Escola Estadual Hugo Viana Chaves, em Ribeirão das Neves, enquanto Lucas Borges e Arthur Fortes acompanham o projeto na Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade, em Contagem. Os temas trabalhados e as atividades aplicadas são as mesmas, desenvolvidas em conjunto, sob a coordenação da professora Luciana Pimenta. Ao todo, cerca de 150 jovens na faixa etária de 14 e 15 anos participam das atividades.

“Eu acho que o propósito da extensão não é o de colocar o jovem diretamente no exercício da cidadania. Mas, de dar a ele instrumentos – como a leitura – capazes de torná-lo uma pessoa mais crítica e mais sensível a determinadas questões, para que possa exercer a cidadania como ela deve ser exercida. Eu acho que o propósito da extensão é muito mais do que você atuar diretamente com o jovem no quesito da cidadania, mas proporcionar a ele instrumentos para isso”, opina Lucas Borges, estudante do 5º período e extensionista na Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade.

A visão de Lucas é compartilhada pela professora de Ciências Janeth Carvalho, que acompanha o projeto na escola. Para ela, a leitura pode fomentar a criticidade necessária para os alunos construírem os seus posicionamentos éticos, sociais, políticos e religiosos. “O projeto cria um espaço de diálogo, de discussão, e eu acho que esses meninos precisam disso, ainda mais hoje, em um momento em que a gente vive vários conflitos. É preciso criar uma dimensão crítica, discutir os temas que estão relacionados à sociedade, trabalhar a questão do respeito, da valorização do outro. Acho que a leitura é, sim, o caminho para isso”, opina.

A professora também destaca outro ponto positivo do projeto. Para ela, pelo fato de os extensionistas também serem jovens estudantes, eles ocupam um lugar de referência para esses adolescentes. Tornam-se uma espécie de espelho. “Ter uma referência para esses estudantes é muito importante porque é como se isso fosse fortalecer os sonhos, desejos e futuros desses meninos”, afirma Janeth, que acredita que “tem que ter esse espaço múltiplo de conhecimento e de pessoas”.

Se, em matéria de hábitos de leitura, Júlia e Gabriel divergem, sobre as lições aprendidas durante as atividades eles estão do mesmo lado. Ambos consideram que o maior aprendizado, até agora, foi sobre respeito. “Uma coisa que a nossa turma tem muita dificuldade é respeitar os outros e a gente está cultivando isso para tentar respeitar os outros melhor, conhecer os direitos que a gente tem e os direitos que temos que dar aos outros também”, conclui Júlia, com a anuência de Gabriel.

Texto
Lívia Arcanjo
Fotos
Marcos Figueiredo
Compartilhe
Fale Conosco
+ temas relacionados