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Arquitetura Os desafios de uma cidade inclusiva e sustentável

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O planejamento urbano é fundamental para a qualidade de vida da população

Você também já se pegou pensando sobre como a vida nas cidades do interior traz mais qualidade de vida aos moradores? Essa sensação não é por acaso, segundo a professora Lúcia Karine de Almeida, que atua nos cursos de graduação em Arquitetura e de pós-graduação em Planejamento Ambiental Urbano e Produção Social do Espaço. Para ela, além da concentração demográfica, são comuns nas grandes cidades problemas decorrentes da concentração das atividades em áreas centrais e ao longo de poucos corredores de transporte, da verticalização, da especulação imobiliária e do adensamento residencial em regiões onde a infraestrutura existente não é capaz de suportar o número de habitantes e suas necessidades. “Exemplos de como não se deve ocupar uma região são os bairros Buritis e Castelo, em Belo Horizonte. Foi feita uma ocupação sem se considerar a capacidade do território”, explica.

O desafio, portanto, é pensar a realidade dos centros urbanos a partir de premissas como sustentabilidade, diversidade e do direito que todos os indivíduos têm à cidade. “Não há como pensar em desenvolvimento sem o mínimo de planejamento das funções espaciais do território. O sucesso desse modelo é reflexo de um pensamento harmônico baseado no entendimento do contexto regional ambiental. Nesta linha, o enfrentamento dos grandes problemas urbanos, principais causadores dos grandes impactos ambientais em rede, deveria fazer parte da agenda de todo governo”, afirma a professora Lúcia, que também atua na Subsecretaria de Planejamento Urbano (Suplan), da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.

O aluno do Curso de Arquitetura e Urbanismo Erick Bino Ribeiro, de 19 anos, vive a realidade de uma cidade centralizada e que vê o crescimento do seu adensamento urbano acontecer mais rápido do que o planejamento e execução de suas políticas de desenvolvimento. Ele trabalha e estuda na PUC Minas Praça da Liberdade, região Centro-Sul da capital mineira, e mora no bairro Céu Azul, na região da Pampulha. São cerca de 40 km (ida e volta) de deslocamento todos os dias até a rua Cláudio Manoel, onde trabalha e faz o curso de graduação. “Gasto cerca de duas horas e meia com os meus deslocamentos diários. Utilizo cinco linhas de ônibus por dia para trabalhar e estudar. Muitas vezes é mais fácil encontrar transporte para o hipercentro da cidade do que para regiões mais próximas do meu bairro, como Venda Nova”. Ele, que está no 1º período do curso, vê com preocupação a forma de urbanização que não acontece com foco em um espaço social e ambientalmente justo. “Acredito em uma cidade viva, na qual as pessoas fazem mais do que se deslocar por aí. Elas vivenciam e experimentam a cidade”, diz.

A professora Lúcia Karine constata que a rotina de Erick é comum à maioria dos moradores que enfrentam as contradições da realidade urbana brasileira. “A área urbana central e planejada de Belo Horizonte se expandiu de forma desordenada e, desde o início, concentra funções urbanas e causa impactos significativos em todo o território do município por abrigar a maior rede de comércios e serviços, empregos, demandar grandes deslocamentos e também por suprir demandas metropolitanas”, esclarece.

Caminhos para a sustentabilidade

“Todo plano diretor deve ser fruto da reflexão coletiva sobre o passado, presente e futuro do município, pensado de forma integrada, constante, avaliando suas potencialidades e desafios”

Professora e arquiteta Lúcia Karine

A capital mineira, que teve a população estimada pelo IBGE, no ano de 2019, em 2.512.070 habitantes aprovou, em agosto, o seu novo Plano Diretor (lei municipal nº 11.181). A intenção é oferecer as diretrizes estruturantes para elaboração, implementação e gestão das políticas públicas em curto, médio e longo prazos. No escopo do Plano estão definidas as diretrizes da política de desenvolvimento urbano municipal, além do Plano de Mobilidade Urbana (PlanMob) e as regras de parcelamento, uso e ocupação do solo. O modelo que será implementado nos próximos anos defende, portanto, uma rede de centros e centralidades urbanas locais e regionais e a existência de estrutura de acesso a comércio, serviços, oportunidades de trabalho e emprego, bem como a equipamentos de lazer e áreas verdes.

Entre as propostas e objetivos do Plano Diretor de BH está a ideia de reversão da dispersão da ocupação urbana no território, substituindo-a por um modelo de “cidade compacta”, onde a estrutura urbana disponível é utilizada de modo mais eficiente e racional, priorizando efeitos positivos para o meio ambiente, para a mobilidade urbana, para o desenvolvimento econômico e, de modo geral, para o bem-estar dos cidadãos. “A promoção das centralidades permitirá a diminuição da excessiva dependência do uso do automóvel e mesmo do transporte coletivo, estabelecendo a proximidade como principal estratégia de reversão da crise de mobilidade urbana que se estabeleceu nas grandes cidades”, explica. A intenção é priorizar os modos não motorizados de transporte, mediante a criação e a qualificação de espaços públicos com foco no caminhamento de pedestres e bicicletas. “Todo plano diretor deve ser fruto da reflexão coletiva sobre o passado, presente e futuro do município, pensado de forma integrada, constante, avaliando suas potencialidades e desafios sob a ótica das diversas especificidades físicas e ambientais, de infraestrutura, de uso e ocupação do solo, da rede de fluxos de gente e mercadorias, bem como das questões socioeconômicas e culturais”, destaca a professora e arquiteta Lúcia Karine.

Emancipação e direito à cidade

O professor Eduardo Bittencourt, na Barragem Santa Lúcia: constraste entre ocupação desordenada e área planejada

Um dos pontos de maior discussão do plano diretor de Belo Horizonte refere-se à chamada Outorga Onerosa do Direito de Construir, que estipula a redução do coeficiente de aproveitamento básico do terreno para 1. Essa alteração do cálculo limitará o uso do terreno para a construção, ou seja, os donos poderão construir apenas uma área equivalente à área do terreno. Em um lote, por exemplo, de mil metros quadrados, o proprietário pode construir uma edificação de mil metros quadrados. Para construir além dos limites da legislação, será cobrado um valor adicional pela prefeitura, dessa forma, estabelecendo uma justa distribuição dos benefícios e dos prejuízos no processo de urbanização. Por exemplo, permitir que a prefeitura recupere parte dos investimentos que tenha feito e que tenha resultado em uma valorização de imóveis. Assim, a prefeitura pretende reverter a lógica do hipercentro e desenvolver as demais regiões da cidade. O professor Eduardo Bittencourt, que também leciona nos cursos de graduação em Arquitetura e de pós-graduação em Planejamento Ambiental Urbano e Produção Social do Espaço, pontua que o crescimento econômico, quando não vem acompanhado de um desenvolvimento urbano, gera a segregação. “Se você tem um crescimento populacional e territorial sem limites, de forma exponencial, e mantém apenas uma região da cidade capacitada, qualificada e valorizada, quem está longe desse centro passa a ficar segregado ou a viver sem acesso a esses serviços e encontrar outras maneiras informais e precárias de sobrevivência, e a gente tem isso em Belo Horizonte como um todo”.

O professor alerta para o uso da propriedade privada e afirma que ela deve cumprir sua função social, uma vez que se beneficia dos investimentos públicos. Para ele, “o conceito de habitação se refere a uma moradia digna, inserida no contexto urbano, com acesso à infraestrutura de serviços urbanos e de equipamentos comunitários, inserida em áreas bem localizadas e integradas, arquitetonicamente, a edificações de uso misto e urbanisticamente, em áreas de centralidades urbanas”. Ele conclui alertando que a sustentabilidade de uma cidade só será alcançada quando o desenvolvimento de uma região for apropriado por todas as classes sociais.

Plano Diretor de Belo Horizonte (lei municipal nº 11.181/2019)

 

Entenda os principais instrumentos aplicados para o cumprimento da função social da propriedade

  1. 1 Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (Peuc) – poderá contribuir para o melhor aproveitamento das áreas e edificações vazias ou subutilizadas;

  2. 2 Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) atrelada ao CA Máx. (coeficiente de aproveitamento máximo) – arrecadação será destinada ao Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e aplicada em ações que visem à garantia do direito à moradia digna, inclusive nos assentamentos precários existentes;

  3. 3 Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) atrelada ao CA Cent. (coeficiente de aproveitamento máximo nas áreas classificadas como centralidades) – pretende estimular o desenvolvimento e a consolidação das centralidades locais e regionais. A arrecadação será destinada ao Fundo de Centralidades e deverá ser aplicada na qualificação urbanística destas áreas;

  4. 4 Reajuste de Terrenos – instrumento de redesenho de porções do território municipal com vistas a sua qualificação urbanística, a ser efetivada a partir da unificação de registros imobiliários para posterior parcelamento.

Fonte: PBH

 

Saiba mais

  • O curso de pós-graduação em Planejamento Urbano e Produção Social do Espaço prepara os profissionais para a atuação no planejamento e gestão das cidades, sempre com uma compreensão crítica dos processos de produção social do espaço urbano. A intenção é oferecer uma visão global das questões urbanas contemporâneas, discutindo soluções inovadoras para o planejamento e a gestão de setores estratégicos.
  • O curso é oferecido na Unidade Praça da Liberdade.
  • pucminas.br/iec
Texto
Felipe Caixeta
Fotos
Raphael Calixto
O bairro Buritis é um exemplo de ocupação realizada sem planejamento na capital
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