revista puc minas

Comunicação Ousada e contemporânea

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O professor Mozahir Salomão Bruck, diretor da FCA: “A Faculdade aprende com o que ela experimentou. Atua no presente muito conectada com os caminhos que vão se desenhando para o futuro”

Espaço de liberdade e pensamento crítico, a FCA completa 50 anos conectada com o futuro

Cinquenta anos de muitas histórias. Os corredores e salas do prédio 13 da Faculdade de Comunicação e Artes (FCA) guardam memórias das quais todos os que participaram da construção dessa trajetória devem se orgulhar. Afinal, ali formaram-se expoentes da área de Comunicação que ganharam o Brasil e o mundo. Ali também foi constituída uma Faculdade que se originou do sonho de ser um espaço de liberdade, de formação do pensamento crítico e que é hoje referência na formação humanista de profissionais tecnicamente competentes. Esse espírito de estar sempre à frente de seu tempo constituiu e continua desenhando os caminhos da FCA. “A Faculdade surge para ser um espaço de formação de comunicadores, como uma dimensão importante da sociedade para a defesa da liberdade de expressão, construção da cidadania e da democracia. E eu acho que isso marca, que isto está no DNA da FCA”, destaca o diretor da Faculdade de Comunicação e Artes e secretário de Comunicação da PUC Minas, professor Mozahir Salomão Bruck.
Criada em 1971, durante o apogeu do regime militar brasileiro, a Faculdade de Comunicação desafiava os limites da repressão política e do forte controle e censura das informações. Em março daquele ano, nascia na Universidade Católica de Minas Gerais (UCMG) a Faculdade que tinha por concepção ser um espaço de formação critica e de resistência ao regime militar. O cardeal Dom Serafim Fernandes de Araújo, que à época era reitor da Universidade, depositou no jovem Lélio Fabiano dos Santos a responsabilidade pela criação da proposta e instalação da Faculdade. Advogado e jornalista por formação antes que a profissão fosse regulamentada, Lélio era recém-chegado da França, havia vivido de perto a efervescência social e cultural do movimento de maio de 1968 e estava disposto a propor um curso que tivesse o ensino horizontalizado centrado no aluno. “Era uma proposta muito ousada para a época, centrada na teoria do psicólogo estadunidense Carl Rogers. A maioria dos assuntos era resolvida em assembleia geral na famosa sala 13, com a participação de professores e alunos”, explica o professor Lélio. Assim nascia a Faculdade de Comunicação.

Mais que uma escola, a FCA se tornou um marco para várias gerações e para a própria Comunicação Social. “É um signo muito vivo na memória de muitos de nós e das referências que gerou na nossa formação, a continuidade dos nossos andares, enfim, da nossa caminhada. É um signo importantíssimo da cultura e particularmente da Comunicação Social”, define o professor da Unisinos Antônio Fausto Neto, que dirigiu a Faculdade de 1976 a 1978 e participou da criação e consolidação dos projetos dos cursos juntamente com o professor Lélio Fabiano dos Santos e de outros docentes que ousaram sonhar. “O capital da escola foi o da crença de que era possível sair de um terreno inóspito, de um cenário onde a Comunicação Social simplesmente não existia, para formar uma Faculdade”, relembra Lélio.

Práticas inovadoras e ousadas

Seguindo os passos das práticas inovadoras, ao longo da sua história a FCA contou com gestores que apostaram em iniciativas ousadas. A participação no Programa de Avaliação e Melhoria do Ensino, que era um movimento da Universidade que estava começando a se repensar, a se avaliar, é uma delas. Foi uma das primeiras iniciativas da professora Sandra Freitas ao assumir a gestão da Faculdade. “Alguns dos motivos pelos quais eu me apaixonei pela FCA são a ousadia e esse atrevimento de uma escola que não tem medo de inventar. E que ao mesmo tempo tem uma seriedade enorme em tudo o que faz. O Programa de Avaliação e Melhoria do Ensino foi o primeiro Programa de Avaliação Institucional das universidades brasileiras”, explica Sandra Freitas. O programa trouxe também a oportunidade de reestruturar o desenho do departamento, e retomar a estrutura de Faculdade. “A Comunicação sempre teve uma atuação em caráter de Faculdade. As atividades de extensão que começaram com o Campus avançado no Vale do Jequitinhonha mostram esta atuação”, ressalta Sandra.

A atuação em comunidade sempre foi um ponto forte da faculdade. Exemplo disso é a experiência com o jornal Marco, que nasceu com a proposta de ser um mecanismo de ensino e extensão inserido na realidade comunitária. Outra iniciativa nessa linha foi expressa pelo convênio de cooperação com a Secretaria de Estado da Agricultura de Minas Gerais para o desenvolvimento de trabalhos para o meio rural nos anos 80. Entre as experiências mais recentes, aponta-se o desenvolvimento de projeto de extensão em Brumadinho, que busca contribuir para o enfrentamento de problemas sociais, econômicos, culturais e ambientais ocorridos na bacia do Rio Paraopeba, decorrentes do rompimento da barragem de rejeitos da Mineradora Vale.

Os anos 2000 foram o período de expansão da Faculdade, quando foram criados os cursos de Comunicação Integrada na Unidade São Gabriel e Jornalismo no Campus de Arcos. “Foi um período de ampliação das fronteiras. e também de um trabalho muito intenso com a sociedade e com o mundo profissional”, ressalta a professora Ivone Lourdes Oliveira, diretora da FCA à época. Ela destaca também a construção do prédio 42, no espaço antes ocupado pelo chamado carinhosamente pelos alunos de “barracão”. Na nova construção, passaram a funcionar os modernos laboratórios de áudio, fotografia e vídeo, os espaços de pesquisa e experimentação e o Programa de Pós-graduação em Comunicação.

Em 2013, é criado o Curso de Cinema e Audiovisual, pensado dentro da FCA principalmente porque os alunos das três habilitações de Comunicação têm uma inserção muito forte no audiovisual no Brasil. “Historicamente temos uma tradição, uma força nessa área da audiovisual. Isto deve aumentar com a implantação do 5G no Brasil. Há estimativas de que 95% do tráfego de internet venha a ser de vídeo. O que abre um mercado para a produção audiovisual”, explica o professor Robertson Mayrink, coordenador do curso.

A partir do sonho e empenho de professores e gestores, constituiu-se o que é hoje a Faculdade de Comunicação e Artes em toda a sua dimensão. “A FCA aprende com o que ela experimentou. Atua no presente muito conectada com os caminhos que vão se desenhando para o futuro. Isso não é retórico, isso é efetivo. Neste momento mesmo estamos discutindo profundamente o que está acontecendo, as mudanças que vão ocorrendo com as profissões. Não temos um apego aos modelos tradicionais, a modelos engessados. Pelo contrário, entendemos que o nosso profissional, cada vez mais, tem que estar um passo à frente do que está acontecendo na sociedade”, destaca o professor Mozahir Salomão.

 

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A professora Viviane Maia, chefe de departamento da FCA: “Nosso currículo aponta para o futuro”

Desafios da área são muitos

Os desafios contemporâneos não são poucos. Desde o início da popularização da internet na década de 1990, a área de Comunicação foi impactada pelas constantes, dinâmicas e profundas mudanças tecnológicas, assim como toda a sociedade. “Após a chegada da internet comercial, surgiram os smartphones, marcando um momento de virada em que passamos a ficar online todo o tempo. Todo mundo com o telefone no bolso, conectado o tempo todo. Isso acelera, sobremaneira, a digitalização até chegar ao momento atual, em que é inevitável que todas as empresas comecem a caminhar para serem empresas de tecnologia”, explica o professor Caio César Giannini, coordenador da graduação em Publicidade e Propaganda na Unidade São Gabriel e da especialização em Comunicação Digital do IEC PUC Minas.

Essas mudanças tiveram um impacto evidente nas atividades e habilidades do profissional de Comunicação. Não é possível mais conceber atividades, mesmo de profissionais de diferentes habilitações, de forma isolada ou focadas em uma única atividade. “A comunicação que experimentamos hoje é essencialmente transmidiática, multimidiática e convergente. É impossível, e esse é um desafio que é Universal, formar um profissional que não esteja nessa perspectiva da transdisciplinaridade, do transmidiático. Todo profissional hoje atua em rede. É uma questão cultural. Todos nós, cidadãos, sujeitos contemporâneos, vivemos em rede, o tempo todo conectados”, analisa o professor Mozahir.

A digitalização da sociedade proporcionou uma transformação nas ações de comunicação, que passam a ser também voltadas para dados, exigindo o desenvolvimento de novas expertises. Para a professora Lorena Viegas, coordenadora de estágio dos cursos da FCA, os comunicadores precisam dar respostas cada vez mais complexas para um mundo também complexo. “A leitura que faço a partir do relacionamento com o mercado é que o uso da tecnologia tem que estar associado à inteligência e ao planejamento. O nosso cenário atual é tão complexo que demanda um olhar cuidadoso sobre o contexto em que vivemos. Nossos alunos são de uma geração que chega à Universidade dominando as ferramentas de produção porque nasceram fazendo uso da tecnologia. O papel dos nossos cursos é auxiliá-los no uso dessas ferramentas de uma forma mais estratégica, mais orientada para objetivos, mais voltada para a linguagem específica de cada público com o qual aquela organização tem que lidar”, acredita Lorena.

E é nessa direção que seguem os projetos pedagógicos dos cursos da faculdade, refletindo a dinâmica da sociedade. Durante o período de consolidação da internet, os currículos se mantinham os mesmos por até uma década. Hoje essas alterações e adaptações vão se tornando cada vez mais dinâmicas. “Nosso currículo aponta para o futuro. Para a formação de um profissional que vai estar no mercado daqui a cinco anos, com disciplinas vinculadas ao mundo digital, mas sem esquecer a formação crítica, humanista e ética que faz parte da missão da Universidade”, ressalta a professora Viviane Maia, chefe de departamento da FCA.

Há também as disciplinas de outros institutos da Universidade que são tratadas como optativas e que podem ser escolhidas pelo aluno de forma a direcionar a sua formação de acordo com os seus interesses, como a disciplinas de Inteligência Artificial e Comportamento do Consumidor. Assim como as disciplinas optativas que são nativas da Comunicação e ofertadas para toda a Universidade, que são Comunicação e Cultura Digital, Gestão de Redes e Mídias Sociais e Produção para Dispositivos Móveis. É a Faculdade de Comunicação e Artes, fruto da memória e da força que a constituíram, alinhada às demandas da contemporaneidade e à constante e dinâmica construção do futuro.

 

Memória afetiva

 

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“Em 1971, o ambiente da Comunicação simplesmente não existia em Belo Horizonte. Eu tinha vindo da França, feito mestrado em Comunicação. Os estudos da Comunicação já vinham desde a década de quarenta na Europa, estudos sobre Comunicação de Massa da indústria cultural. E aqui, o movimento era de libertação, por direitos humanos, direitos individuais, direitos de expressão. E a igreja católica, as correntes mais progressistas já estavam se abrindo muito para o assunto. Dom Serafim, que era bispo auxiliar de Belo Horizonte e reitor da Universidade, tinha posicionamentos muito firmes em relação à ditadura e daí veio o convite para a criação do curso”

Professor Lélio Fabiano, primeiro diretor da Faculdade de Comunicação
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“Eu tenho um grande orgulho de fazer parte da construção da FCA. São quase 50 anos como aluna, como professora, como pesquisadora. É um marco muito forte no meu processo de vida. A partir da faculdade, eu modifiquei, eu abri os meus olhos para o mundo que eu não conhecia. Eu construí todo o meu mundo afetivo ali dentro, nos corredores, nas salas de aula, com os professores, com os colegas, mas especialmente com os meus alunos, tanto na graduação quanto na pós-graduação. E ela tem uma marca muito forte que é dessa formação crítica, de mostrar para os alunos outras formas de ver os fenômenos da sociedade, sejam eles sociais, políticos, culturais, históricos.”

Professora Ivone Lourdes de Oliveira, professora e ex-diretora da FCA
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“Participei da criação do Jornal Marco, que tinha como objetivo ser o porta-voz da comunidade. Fizemos uma pesquisa para identificar o perfil do leitor e, para nosso espanto, quem mais se interessou pelo nosso jornal foram as crianças. Elas recebiam o jornal e já abriam e liam imediatamente. A partir do segundo número criamos uma página infantil. O professor Ércio Sena à época tinha 7 ou 8 anos e escrevia para o jornal”

Professor José Milton Santos, aluno da primeira turma do Curso de Jornalismo e ex-coordenador do curso
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“A criação da Faculdade de Comunicação da Universidade Católica de fato é um momento importante para a história da educação, a história dos processos educacionais, para a pesquisa em comunicação, pelos passos pioneiros que foram dados na esteira do ensino e da pesquisa de comunicação. Porque muitas coisas preliminares passaram por esse Campus, pela escola de Comunicação. Primeiro, pela sensibilidade dos gestores. Segundo, porque a escola se destacava por um certo tipo de proposta reflexiva e analítica e que era absolutamente também apoiada por muitas fontes internacionais, pesquisadores que nos visitavam. Então, ainda foi um laboratório importantíssimo.”

Professor Fausto Neto, ex-diretor da FCA
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“Quando entrei na Universidade Católica, em junho de 1975, eu comecei trabalhando na Prefeitura [como era conhecida a Proinfra]. Pouco tempo depois o professor Lélio Fabiano me convidou para trabalhar no prédio 13. Foi na FCA que me tornei um apaixonado pelo rádio. E isso aconteceu no departamento também, porque tudo que eu tenho hoje de conhecimento, de estrutura na minha vida, eu devo à PUC e à FCA. Elas são a minha trajetória de vida, minhas amizades. E aprendi muita coisa com aluno, com professor, tanto é que eles falavam que eu estava ensinando. E eu dizia não, estou sempre aprendendo com vocês.”

Ex-funcionário Sebastião Rodrigues de Oliveira (Tião)
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“Alguns dos motivos pelos quais eu me apaixonei pela FCA são a ousadia e esse atrevimento de uma escola que não tem medo de inventar. E que ao mesmo tempo tem uma seriedade enorme em tudo o que faz. O Programa de Avaliação e Melhoria do Ensino foi o primeiro Programa de Avaliação Institucional das universidades brasileiras.”

Sandra Freitas, professora e ex-diretora da FCA
Texto
Michelle Stammet
Fotos
1Vuru
2Raphael Calixto
3Bruna Lara
4Bruno Timóteo
5Arquivo Pessoal
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