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Cidade Referências simbólicas de BH

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Igreja de São Francisco (Igrejinha da Pampulha)
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O antigo Cassino Pampulha, hoje, o Museu de Arte da Pampulha
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A praça Sete de Setembro, que marca o encontro das avenidas Afonso Pena e Amazonas, já foi o point do footing

Tese aponta as transformações da Pampulha, Savassi e Praça Sete desde a criação da capital mineira

Criada em 1897, Belo Horizonte foi planejada para refletir o glamour e o requinte de grandes centros como Paris e Washington. Cafés, cinemas, boutiques, avenidas largas e retas caracterizavam pontos icônicos da cidade, como a Pampulha, Savassi e o circuito que engloba a Praça Sete de Setembro e a Praça da Liberdade. Analisando esses três locais, que são vitrines da cidade de Belo Horizonte, o professor Marcelo de Araújo Rehfeld Cedro, do Departamento de História, produziu tese de doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC Minas apontando a construção e a transformação desses espaços desde o período da criação da cidade, no fim do século XIX, até a década de 1980. “BH foi a primeira capital brasileira construída no período republicano. Foi um período de ideias sanitaristas, higienistas, provenientes da elite política republicana, que quis transferir a capital do Estado de Minas Gerais para deixar o velho ranço colonial de Ouro Preto para trás”, explica o autor da tese.

A partir de jornais, peças publicitárias e obras literárias de grandes escritores como Carlos Drummond de Andrade e Fernando Sabino, o professor construiu o perfil dos três espaços referenciais em três períodos distintos. “Diversas obras literárias como A Menina do Sobrado, de Cyro dos Anjos; Encontro Marcado, de Fernando Sabino; Hilda Furacão e Cheiro de Deus, de Roberto Drummond, poemas e relatos memorialistas, além de várias revistas e jornais locais, evidenciavam a capital mineira e os lugares mais frequentados em Belo Horizonte naquele período”, afirma Cedro.

A Praça Sete de Setembro, considerada o coração da cidade por reunir um centro financeiro e a prestação de variados serviços no entorno das avenidas Afonso Pena, Amazonas e Rua da Bahia; e a Praça da Liberdade, onde o governo estadual e suas secretarias estiveram instaladas, formavam, juntas, um corredor cultural que compreendia importantes construções como a Igreja São José, o Automóvel Clube, Cine Brasil, Café Nice, entre outros. A região constituiu-se como a primeira centralidade de Belo Horizonte até 1940, entendida como um referencial estrutural e simbólico do moderno. “Este corredor cultural, que refletia na arquitetura os traços do modernismo, também era um local para passeios, atividades culturais e para o footing, como era chamado o flerte antigamente”, diz o historiador.

O famoso Café Nice, criado em 1939 e administrado pela família Caldeira desde o início da década de 1940, foi ponto de encontro de vários casais. Em seu acervo, a cafeteria, que conserva o layout da época de sua inauguração, exibe uma foto de um bolo de casamento com um enfeite que ilustrava a noiva puxando o noivo pelo braço para fora do Café Nice, onde eles se conheceram. “Não é da minha época, mas meu pai, que administrava o café naquele período, contava que a região da Afonso Pena era o ponto do footing, da paquera”, conta Renato Caldeira, que trabalha no Café Nice desde a década de 1970 e hoje divide a direção do negócio com o irmão, Tadeu.

Ele lembra que o Café Nice — inicialmente chamado de Café e Leitaria Nice — já foi o palco de diversos negócios, cenário de campanhas políticas realizadas na capital (o que ainda acontece atualmente) e sempre ficava lotado, especialmente entre 1940 e 1970. “Quando eu era pequeno, na década de 1970, o espaço era menor, então quando eu voltava do colégio para pegar carona com meu pai, ele me dava dinheiro para lanchar em outro lugar para não ocupar o espaço destinado ao público. O movimento era muito grande”, conta ele, mostrando fotos que apontam Juscelino Kubitschek como um dos frequentadores assíduos do local.

Transformações na década de 1940

“Muitas famílias ricas não deixavam seus filhos irem à Casa do Baile por receio de algum deles escapar para o Cassino e perder posses da família no jogo”

Luzia Pereira de Lima
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A Casa do Baile abrigou diversos bailes de formatura nas décadas de 1940 e 1950

Intitulada Praça Sete, Pampulha e Savassi: centralidades urbanas e modernidade periférica na cidade de Belo Horizonte, a tese defendida pelo professor Marcelo Cedro aponta que as transformações mais evidentes da capital começaram na década de 1940, no governo do então prefeito Juscelino Kubitscheck, que trouxe profissionais como Oscar Niemeyer, Burle Marx, Cândido Portinari e Alfredo Ceschiatti para realizarem as mudanças. “À época, o país vivia o Estado Novo, cuja repressão era uma das características mais evidentes, mas a prefeitura tentou transmitir, a partir da criação do Complexo Arquitetônico da Pampulha, um ar de inovação e liberdade, reforçando o modernismo”, esclarece Marcelo Cedro. Segundo ele, a construção seguiu padrões similares ao de Londres e Chicago, reunindo elementos como área verde e lago artificial distanciados do espaço para realização de eventos na cidade.

A região, que abrigava chácaras e sítios, além da Casa do Baile e do Cassino Pampulha, passa a ser considerada uma nova centralidade de Belo Horizonte, reconhecida como um local moderno e elegante da cidade, ilustrando revistas e livros e tomando a cena nacional com as obras de Niemeyer, que rompem com o tradicionalismo da arte e da arquitetura.

Na época, festas de formatura eram realizadas na Casa do Baile, que também era muito frequentada pelos jogadores do Cassino Pampulha, segundo conta a novalimense Luzia Pereira de Lima, de 84 anos, que gostava de ir aos bailes realizados à beira da Lagoa da Pampulha. “Era um lugar em que só a ‘nata’ da sociedade ia. Eu não era ‘da nata’, mas conhecia muitas pessoas que frequentavam ali e me convidavam. Muitas famílias ricas não deixavam seus filhos irem à Casa do Baile por receio de algum deles escapar para o Cassino e perder posses da família no jogo”, conta ela, que desde nova dançava na antiga sede do Clube Belo Horizonte, Clube dos Secundaristas, entre outros.

Luzia conta que os bailes aconteciam ao som de Frank Sinatra e dos sucessos da Orquestra Glenn Miller. “A música era muito boa, as pessoas estavam sempre muito elegantes”, recorda ela.

Todas as tribos na Savassi

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Raquel Cunha se divertia nos cafés e boutiques da Savassi quando estudava na Escola de Arquitetura da UFMG, na década de 1970

Após o rompimento da barragem da Pampulha, em 1954, e a proibição de jogos durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, que implicou no fechamento do Cassino, a Pampulha dá, então, uma recuada em ser a referência simbólica da capital mineira no final da década de 1950. A região central, por sua vez, se expande e se populariza. “Com o adensamento populacional no centro, a área perde o glamour e as atividades comerciais de alto padrão migram para a Savassi, uma região que já era frequentada por um público diferenciado”, explica o professor.

A área nobre da região Centro-Sul, que recebeu o nome Savassi pela famosa padaria com jeito de delikatessen, abrigava o Cine Pathé, o moderno supermercado ServBem — um dos primeiros da cidade a ofertar os produtos em gôndolas; em outros estabelecimentos ainda estava em vigor a velha prática de passar a lista de compras ao balconista —, livrarias, cafés, restaurantes, lojas requintadas e inovadoras. A nova centralidade da cidade reunia todas as tribos. “A Savassi tinha suas turminhas, os alunos de colégios da região, da Fafich e da Escola de Arquitetura da UFMG, localizadas próximas à Praça Diogo de Vasconcelos — conhecida como Praça da Savassi —, se reuniam na charmosa região”, conta Cedro.

A arquiteta Raquel Cunha, que entrou na Escola de Arquitetura da UFMG em 1974, conta que percorrer a região era o seu passeio preferido. “Ali estavam as melhores boutiques, os melhores barzinhos, além dos excelentes filmes no Cine Pathé. Na época, a Savassi abrangia uma área bem menor e eu não morava longe dali. As ruas eram tranquilas e eu andava a pé até de madrugada”, diz.

Ela recorda que a Savassi era um local que reunia lojas modernas e barzinhos agradáveis em um ambiente tranquilo e seguro para os frequentadores da região. “Entre idas e vindas da Escola de Arquitetura, sabíamos de tudo o que acontecia na Savassi. À noite, o Barzinho Novo era o ponto de encontro da moçada”, conta ela, que hoje percebe um significativo aumento da insegurança e do volume de trânsito na região.

A determinação da Savassi como nova centralidade de BH foi marcada pela transferência do obelisco da Praça Sete de Setembro para a Praça Diogo de Vasconcelos, em 1963. “Livros e músicas também refletiram a importância da região para a cidade. O escritor Roberto Drummond, por exemplo, criou o termo ‘savassear’ para expressar o ato de desfrutar dos atrativos do local”, explica Marcelo Cedro. Segundo ele, Pacífico Mascarenhas, que aderiu à bossa-nova na década de 1960, também insere a região de Belo Horizonte em seus enredos.

Em 1979 é inaugurado o BH Shopping e em seguida a cidade começa a seguir um novo padrão, em que cinemas e lojas buscam seu espaço nos shoppings centers. “Na década de 1980, o BH Shopping se torna o novo point da cidade; os cinemas migram para o novo ambiente, seguindo uma tendência americana”, explica Marcelo.

Mudanças na região central

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A Praça da Savassi, que reunia o Cine Pathé, a Padaria Savassi e o supermercado ServBem, ainda é um centro moderno e aberto a todas as tribos

O circuito que engloba a Praça Sete de Setembro e a Praça da Liberdade se tornou palco de diversos movimentos sociais, protestos, manifestações de caráter político e comemorações. Apesar de ainda ser uma região com ampla oferta de serviços e comércios, as construções tombadas e o alto custo de manutenção do layout original esvaziaram a região central a partir de 1990, seguindo uma tendência mundial. “O mesmo aconteceu em cidades norte-americanas que necessitaram passar por processos de revitalização de seus centros urbanos como São Francisco, Boston e Baltimore, por exemplo. Com a globalização e a chegada da internet, as pessoas preferem procurar locais mais baratos para manterem seu ponto comercial”, diz Marcelo.

Renato Caldeira, dirigente do Café Nice, ratifica a pesquisa: “Até 1980, o Centro era valorizado, pois não havia shoppings centers e as famílias vinham até o centro para ver as vitrines das lojas. Nessa época, o Café Nice fechava à meia-noite. Então todas as lojas de roupa, perfumarias, entre outras, fechavam entre 18h e 19h, mas deixavam as vitrines abertas para os clientes verem os produtos. Hoje você vê aqui muitas lojas de telefonia, drogarias, financeiras. Não tem mais esse glamour que o centro tinha”, diz.

A Pampulha, por sua vez, recua na sua função de centralidade com o fechamento do Cassino Pampulha e da Casa do Baile. Aos poucos, foi retomando sua visibilidade com a reabertura desses dois espaços, porém, com novas funções. O antigo Cassino tornou-se o Museu de Arte da Pampulha em 1957 e, posteriormente, a Casa do Baile reabriu em 2002, como Centro de Referência de Urbanismo, Arquitetura e do Design. A atração de vários clubes de lazer para a região e, recentemente, a reinauguração do estádio Mineirão, palco de vários shows e de diversas decisões do futebol nacional e internacional, trouxeram um novo enfoque à região. O reconhecimento do Complexo Arquitetônico da Pampulha como patrimônio cultural da humanidade em 2016 também traz de volta a atenção dos belo-horizontinos e dos turistas que vêm à capital.

A Savassi também perdeu seu ar glamouroso com o fechamento do Cine Pathé, da Padaria Savassi, da Drogaria São Félix e a retirada do obelisco, que retornou para a Praça Sete de Setembro, mas continua sendo uma referência de modernidade para a cidade. “A Savassi é um canto da cidade que é muito receptivo. Ali você vê pessoas de variados grupos, estilos de vida plurais, múltiplas tendências, diversos projetos, serviços e comércios inovadores que começam naquela região e depois se expandem para o restante da cidade”, diz Cedro.

Texto
Lídia Lima
Fotos
1Rossana Magri
2Click Estúdio Profissional / Acervo Belotur
3Marcos Figueiredo
4Acervo Belotur / Henry Yu
5Raphael Calixto
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