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Artigo
Velho é o preconceito

A importância de se combater o ageísmo, ou seja, a intolerância contra a idade avançada, intensificada pela pandemia

O século XXI tem se caracterizado como um momento em que diversidades foram colocadas em pauta, especialmente como lidar de forma crítica com o assunto. Preconceitos e discriminações quanto à etnia, ao gênero, à religião, à orientação sexual, às classes sociais, à ideologia e à aparência são amplamente debatidos no mundo todo. Ainda que a discussão aconteça, o grande desafio a ser alcançado será a equidade entre todos os seres humanos.

O surto pandêmico da Covid-19 intensificou na sociedade contemporânea um antigo e importante comportamento: o ageísmo ou etarismo, ou seja, o preconceito, a intolerância contra pessoas com idade avançada. A discriminação em questão pode ser sentida de diversas formas: tanto por atitudes e práticas cotidianas quanto por condutas e políticas institucionais que excluem ou limitam a participação dos idosos. O termo pode até parecer recente, mas o problema tem raízes históricas profundas e complexas. Desde a Grécia Antiga, adultos que não eram mais “úteis” para a sociedade eram marginalizados e esquecidos, dando privilégio para a parte mais ativa da população. Em um mundo altamente capitalista, em especial no mundo ocidental, a educação e a cultura predominante sempre tiveram características etaristas. A valorização do ser humano por sua produção econômica e força de trabalho em que os inabilitados são reduzidos socialmente, reforçam comportamentos discriminatórios e segregacionistas. A imagem pré-concebida de improdutividade, fragilidade e de dificuldade faz com que a sociedade trate os idosos como um fardo a mais para o coletivo. A realidade agravou-se quando, em meio a uma pandemia, a faixa etária mais atingida foi a acima de 60 anos. Recursos e atenção foram direcionados a um grupo visto muitas vezes como desnecessário. A proteção da população idosa deixou de ser um valor moral básico e passou a ser uma obrigação “penosa” da sociedade.

Mas por que os idosos estão mais suscetíveis ao vírus? Na realidade, não estão: todos têm a mesma chance de contrair o vírus, mas os velhos apresentam reações mais drásticas devido ao declínio do sistema imunológico que está propicio a desenvolver sintomas severos da doença. Além disso, a prevalência de doenças crônicas no envelhecimento exige monitoramento e uso contínuo de medicamentos e podem exacerbar as complicações da Covid 19. Contudo, para além da suscetibilidade a agravamentos biológicos, a pandemia trouxe consigo, para aqueles em processo de envelhecimento, sentimento de impotência, culpa ante aos impactos econômicos e segregação social. Outra triste consequência são os problemas de saúde mental, como o estresse e a depressão resultantes do isolamento social. Admitir a morte entre os mais velhos como “natural e esperada” é, sem dúvida, o mais triste e terrível exemplo de ageísmo que o momento pandêmico aflorou.

A moderna sociedade ressalta a valorização da velocidade, abstração, relatividade e leveza como valores fundamentais nos tempos atuais, em que a produção industrial e sua capacidade de gerar bens economicamente mensuráveis são sinônimos de sucesso e poder. Em contrapartida, os conceitos de lentidão, peso e imobilidade são sinais de deficiências e inadaptação ao universo contemporâneo culturalmente determinado. Reforça-se dessa maneira a falácia que o antigo seja obsoleto e inadequado e as disputas entre juventude e velhice tornam-se evidentes.

O músico Arnaldo Antunes bem ressaltou “A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer”. Vivenciamos um fenômeno recente, acelerado, mundial e único. Ainda não assimilado e compreendido onde quatro gerações têm a possibilidade de conviver. As projeções da ONU indicam que a população mundial passa dos atuais 7,8 bilhões de habitantes em 2021 para 8,2 bilhões em 2025, com 1,22 bilhão de idosos, representando 15% do total nesse ano. Pela primeira vez, o mundo tem mais avós do que netos. São 705 milhões de pessoas acima de 65 anos contra 680 milhões entre zero e quatro anos e até 2050 a proporção será de dois idosos para cada criança. Estamos vivendo mais e tendo cada vez menos filhos. No Brasil, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 13% da população têm mais de 60 anos, sendo que a partir de 2031 haverá mais idosos do que crianças e adolescentes, e em 2042 essa população alcançará o número de 57 milhões de brasileiros.

A velhice nos dias atuais estabelece dualidade entre o processo externo e o interno do envelhecer. O externo classifica os indivíduos de maneira cronológica, como categoria de indivíduos, moldada muitas vezes pelas alterações físicas inerentes ao envelhecimento biológico. A discrepância entre o processo interno e o externo acentua as ideias preconcebidas do envelhecer: os aspectos externos por serem mais visíveis e, portanto, mais evidentes, tendem a ordenar os aspectos internos, reforçando o estigma negativo do “ser” velho.

Analisar um indivíduo que envelhece partindo-se apenas do tempo vivido cronologicamente inibe a compreensão ampla de que o ser humano está continuamente em transformação. Passado, presente e futuro interagem-se na construção da imagem interna de cada um e do mundo que o cerca.

O que fazer com os anos restantes? O aumento da expectativa de vida é uma conquista ou um problema? O mundo contemporâneo grita por uma reorganização de valores: repensar formas de ensino estendendo-as a idades mais avançadas, investir em todas as formas de atenção à saúde da prevenção à paliação, disponibilizar meios de comunicação de massa acessíveis a todos, reformular a previdência social e estruturar novas perspectivas de lazer intergeracionais.

O envelhecimento é inerente ao processo de vida. Não se trata, portanto, de um acidente de percurso. Várias são as velhices e os envelheceres. Mesmo levando-se em consideração a sua universalidade, cada um envelhece de um modo. Estamos envelhecendo e queremos envelhecer. “Somos os novos velhos”: com direito a produção, ao respeito, às diversidades. O maior combate contra o preconceito quanto à velhice será a representatividade do idoso como um ser humano capaz de produzir e desempenhar funções comuns na sociedade.

Texto
Teresa Cristina Alvisi
Mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP, a professora do Curso de Fisioterapia do Campus Poços de Caldas discorre sobre a importância de se combater o ageísmo ou etarismo, que é o preconceito, a intolerância contra a idade avançada, agravada pela pandemia. Pela primeira vez, o mundo tem mais avós do que netos. São 705 milhões de pessoas acima de 65 anos contra 680 milhões entre zero e quatro anos e até 2050 a proporção será de dois idosos para cada criança. “Somos os novos velhos: com direito à produção, ao respeito, às diversidades. O maior combate contra o preconceito quanto à velhice será a representatividade do idoso como um ser humano capaz de produzir e desempenhar funções comuns na sociedade”, defende a professora.
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