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Espaço do Jornal Marco Visibilidade fashion

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Cenas de desfile do evento Favela Fashion Week

Moda é utilizada como forma de empoderamento de minorias

“As pessoas sentem esse pertencimento. Até mesmo o nome do lugar foi modificado. O nome oficial é Novo São Lucas, mas agora é Favelinha.”

Kdu dos Anjos, idealizador dos projetos

É senso comum associar moda à futilidade. Mas, muito além do papel de vestir as pessoas, a indumentária é um meio de expressão social. Em Belo Horizonte, grupos como o Lá da Favelinha descobriram, na moda, um jeito de emancipar e empoderar os moradores do Aglomerado da Serra. Já o Gari Fashion, projeto da Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte (SLU), pretende valorizar os garis através da moda e discutir sustentabilidade.

Remexe é a marca de roupas fundada pelo grupo Lá da Favelinha, no Aglomerado da Serra, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. A marca utiliza o processo de upcycling, que é a prática de criar algo novo a partir de itens antigos. O objetivo é empoderar as minorias e ajudar o meio ambiente. A ideia de criar a loja surgiu após o sucesso do evento Favela Fashion Week (FFW). As roupas usadas em ambos os projetos resultam de doações e são reestilizadas para os desfiles e para a venda.

O idealizador dos projetos e gestor da marca Remexe, Kdu dos Anjos, conta que é possível criar um sentimento de orgulho e pertencimento das pessoas ao bairro onde moram a partir da moda. “As pessoas sentem esse pertencimento. Até mesmo o nome do lugar foi modificado. O nome oficial é Novo São Lucas, mas agora é Favelinha”, comenta Kdu.

A jornalista e mestre em Moda e Política Valéria Said destaca que a moda tem o potencial de ser usada como plataforma de manifestação. Ela cita a camiseta do movimento Quem Ama Não Mata, idealizada pelo estilista mineiro Gustavo Greco, como exemplo para expressar uma luta social. Valéria diz que mesmo uma simples camisa com uma frase política é uma manifestação.

Geração de renda

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A jornalista e mestre em Moda e Política Valéria Said destaca que a moda tem o potencial de ser usada como plataforma de manifestação

Além do sentimento de pertencimento, Kdu reconhece a relevância do retorno financeiro para a comunidade. “A maior importância é a geração de renda acima de tudo. Não existe falar de empoderamento sem grana. E, então, vem todo o trabalho da autoestima, principalmente de pessoas negras, trans, gordinhas, pessoas que não se imaginavam na passarela”, afirma. O grupo já fez mais de dez desfiles do FFW em Minas Gerais e as peças de roupas são vendidas em toda a capital.

Para Alcione “Cysi” dos Anjos, produtora executiva do Remexe, uma das grandes conquistas da marca é a visibilidade que ela traz para a comunidade. “A gente está criando, inovando e levando para fora. E, a partir desse momento, é um novo olhar”. Segundo ela, o trabalho da marca fez diminuir o preconceito sofrido pelos moradores do Aglomerado da Serra: “Hoje em dia é massa, porque a gente chega e a galera quer comprar as peças”. As roupas e acessórios são vendidos online e em uma loja no Aglomerado da Serra.

Moda sustentável é tema de projeto

O Gari Fashion é um projeto coordenado pela SLU que visa promover o debate sobre moda sustentável, reutilizando insumos descartados pela indústria na produção de vestimentas, e valorizar o gari na sociedade. A estratégia é alcançar esses objetivos por meio de desfiles, exposições e debates. Além de ressignificar materiais da indústria da moda, o projeto reutiliza e recicla o descarte de outros setores da sociedade. A primeira versão do evento ocorreu em 1999, sob o tema A moda agora é não sujar, no Museu Histórico Abílio Barreto. Na época, foram convidados estilistas conhecidos, como Ronaldo Fraga, para personalizar os uniformes dos garis.

Além de fomentar o debate sobre moda sustentável, o Gari Fashion busca valorizar a figura do profissional, muitas vezes ignorado pela população. Elania Matos, analista de mobilização social da SLU, destaca que, “apesar de o gari usar uma roupa laranja muito chamativa, é invisível na sociedade”. Daniel Rosa, gari há 23 anos, foi modelo em três edições do evento. Porém, a que mais o impactou foi a primeira, em que estreou em uma passarela. “Na passarela eu deixo sair tudo para fora para mostrar quem eu sou”, conta Rosa. O projeto teve papel significativo em sua autoestima, proporcionando a ele oportunidades após os eventos do Gari Fashion, como ser coreógrafo de outros garis em um vídeo.

O projeto da SLU inspirou o estilista mineiro Ronaldo Fraga, que vinha desde 1996 trabalhando moda com política em suas coleções, mas passou a desenvolver peças com reaproveitamento. Fraga já apresentou vários temas políticos em seus desfiles. Entre seus principais trabalhos destacam-se as coleções sobre o Rio São Francisco, os poemas de Carlos Drummond, a homenagem a Zuzu Angel, a coleção para a primeira edição do Gari Fashion e a recente coleção de roupas que remete ao assassinato da vereadora Marielle Franco.

Dessa forma, moda e política estão, de fato, interrelacionados. A jornalista Valéria Said salienta: “O estilo de cada pessoa é influenciado por ideologias. É atitude, não só a roupa”. E vai além, ao acentuar que a moda é uma maneira de o indivíduo se comunicar com a sociedade: “Em tempos como os nossos, qualquer forma de manifestação é válida”.

Texto
Ana Raquel Lelles e Gabriel Molnar
Texto redigido por monitores do Jornal Marco, sob a supervisão da professora Ana Maria Rodrigues de Oliveira
Fotos
Alexandre Stehling
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