Viver é do jogo

Projeto de extensão desenvolvido em Poços de Caldas revela contribuições do Role-Playing Game para a resolução de problemas cotidianos
Telas de celulares e computadores se tornaram cenários lúdicos para dinâmicas de RPG propostas em atividades extensionistas
Telas de celulares e computadores se tornaram cenários lúdicos para dinâmicas de RPG propostas em atividades extensionistas

Para os amantes de jogos, cada tabuleiro tem a grandeza de um palco. Um dado ganha a força do destino e uma carta lançada à mesa é capaz de provocar reviravoltas que nem o mais inspirado roteirista de cinema conseguiria imprimir em uma cena. Se jogar é uma arte, cabe parafrasear o questionamento milenar que instigou pensadores dos mais variados tempos, de Aristóteles a Oscar Wilde: é o jogo que imita a vida ou a vida que imita o jogo?

Não importa quem vem e quem vai nessa via de mão dupla. O fato é que muito se pode aprender sobre a vida real no ambiente lúdico dos jogos – especialmente os de uma categoria conhecida como Role-Playing Game (RPG) ou, em português, jogo de interpretação de papéis. É o que mostram trabalhos desenvolvidos pelo professor Rodrigo Furlan de Assis, do Curso de Engenharia de Produção da PUC Minas Poços de Caldas.

Ao longo do primeiro semestre de 2021, ele coordenou um curso de extensão aberto à comunidade, em que os participantes vivenciaram dinâmicas de RPG e observaram como elas podem ajudar a resolver problemas reais do cotidiano. O tema inspira ainda outras iniciativas acadêmicas em que o professor Rodrigo está envolvido, como um trabalho de conclusão de curso (TCC) voltado a sistemas produtivos, sob sua orientação.

Uma motivação para estes projetos, que têm viés acadêmico e prático, reside no gosto de Rodrigo pelo RPG. Ele conta que, quando mais jovem, já chegou a passar fins de semana inteiros jogando com amigos, tamanho o fascínio exercido por este tipo de jogo, cuja base é a interpretação de um papel. Cada jogador assume uma personalidade complexa, composta por habilidades e limitações. “O grande barato é fazer personagens que nos permitem quebrar paradigmas num ambiente mais amistoso. Você não está amarrado aos seus preconceitos e, então, se liberta de algumas amarras que tem”, comenta.

Foi essa a sensação que os participantes do curso de extensão experimentaram ao longo de três meses. A maioria era de acadêmicos em fases iniciais de graduação, mas havia também pessoas de fora da Universidade. Os primeiros encontros foram reservados à discussão de conceitos básicos, como os sistemas de regras e a ampla gama de dados que podem ser usados. Estes são elementos fundamentais da dinâmica, pois o rolar dos dados implica um fator probabilístico que desafia e estimula os jogadores.

Siga o mestre

Quem determina o grau de dificuldade das tarefas e conduz os jogadores pela narrativa é o mestre, figura central de qualquer RPG. Nas atividades práticas do curso, este papel coube a Francisco Duclou Rito, aluno de Engenharia de Produção do Campus e bolsista do projeto. Aficionado por este universo, Francisco já foi atleta profissional de League Of Legends, mais conhecido como LOL, um dos jogos mais populares da atualidade.

Em sua primeira vez como mestre de um RPG, Francisco propôs aos jogadores uma série de desafios no cenário virtual de uma ilha. O curso ocorreu em formato online e, portanto, as ferramentas digitais foram fundamentais para manter a comunicação entre os participantes e garantir a visualização do cenário. Um dos elementos mais utilizados neste contexto foi um mapa virtual.

Cerca de dez alunos chegaram ao fim do curso. A partir das experiências teóricas e práticas, eles discutiram a questão central do projeto: o que as dinâmicas de RPG ensinam sobre a resolução de problemas da vida real? Para o professor Rodrigo, o principal ganho é o estímulo à criatividade. Ele analisa que, em atividades profissionais ou de estudos, nem sempre o conhecimento técnico basta para solucionar demandas do dia a dia. Afinal, é preciso ser criativo para se adaptar a diferentes cenários, especialmente os adversos. Já o aluno Francisco destaca a tomada de decisão como uma das principais habilidades desenvolvidas no RPG.

“O grande barato do RPG é fazer personagens que nos permitem quebrar paradigmas num ambiente mais amistoso”, diz o professor Rodrigo Furlan de Assis | Foto: Fernanda Garcia

Ludificar para se relacionar

“O jogo transforma a pessoa em protagonista, uma vez que ela é estimulada a entender e manipular a história. Isso envolve desempenho motor e cognitivo, pois os jogos condensam muito do que as outras atividades lúdicas – como brinquedos, filmes e simuladores – fazem.” Esta é a avaliação do professor Marcos Arrais e Silva, coordenador do Curso de Jogos Digitais da PUC Minas na Unidade Praça da Liberdade, referindo-se aos jogos de maneira geral. No caso do RPG, ele entende que, por se tratar de uma dinâmica fortemente apoiada em narrativas, os jogadores tendem a ser extremamente disciplinados e realizam um exercício constante de memória.

É aí que entram em jogo as chamadas soft skills, expressão frequente no mercado de trabalho para referenciar habilidades interpessoais e comportamentais. Especialistas em recrutamento têm colocado tais competências em pé de igualdade com a capacitação técnica, pois levam à formação de profissionais motivados e times engajados. A própria criatividade, destacada pelo professor Rodrigo, é uma das soft skills mais valorizadas atualmente.

Marcos, por sua vez, acredita que o RPG favoreça o desenvolvimento destas habilidades especialmente para quem atua como mestre no jogo. Além de exercitar o diálogo, esta figura desenvolve seu senso de liderança ao conduzir os participantes. É como um DJ, que está sempre observando a reação do público para captar se a música está agradando ou se é preciso mudar a batida, conforme explica o professor.

A contribuição dos jogos para formar pessoas que saibam se relacionar bem umas com as outras é corroborada pelo conceito de homo ludens, presente na obra de Johan Huizinga. Ao citá-lo, o professor Marcos explica que o ser humano passou a entender que, para se relacionar, é preciso ludificar. Alinhado com esta percepção, o professor Rodrigo já ensaia novos projetos ligados ao RPG, tanto no ensino quanto na extensão. Rumo às novidades, que rolem os dados.

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