Artigo
Pelo direito de morar
Grupo de Trabalho Interdisciplinar atua em ocupações urbanas para colaborar com a luta pela moradia digna
“A região das três ocupações, hoje conhecida como região da Izidora, se localiza entre os limites dos municípios de Belo Horizonte e Santa Luzia, no vetor Norte. Centenas de famílias edificaram suas casas e lutam para permanecer no local”
Edmar Avelar de SenaEste ano, a Campanha da Fraternidade reflete sobre as relações da Igreja e Sociedade e resgata as conclusões do Concílio Ecumênico Vaticano II que apontou o caminho do diálogo, com os diversos setores da sociedade, como forma de promover a humanização e a dignidade, especialmente dos mais pobres e desfavorecidos. Nesse sentido, a Igreja quer se colocar a serviço da sociedade na busca por fraternidade e justiça social. A PUC Minas colabora para que este ideal se concretize. Para isso, se solidariza com questões que atingem diretamente pessoas e comunidades. Um exemplo desta colaboração é a presença de diversos setores da Universidade nas ocupações Rosa Leão, Vitória e Esperança, fato que culminou em agosto de 2014 na criação de um Grupo de Trabalho Interdisciplinar (GT Moradia) que pudesse pensar e analisar a questão da moradia em Belo Horizonte.
A região das três ocupações, hoje conhecida como região da Izidora, se localiza entre os limites dos municípios de Belo Horizonte e Santa Luzia, no vetor Norte. Centenas de famílias edificaram suas casas e lutam para permanecer no local, pois há um mandado de reintegração de posse expedido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Devido ao envolvimento da sociedade e do Ministério Público de Minas Gerais, na busca por uma solução para as famílias, o mandado não foi cumprido pelo Estado.
O GT Moradia integra professores e estudantes da Universidade, com o apoio e participação da Pastoral PUC Minas e da Pró-reitoria de Extensão. A partir da primeira visita às ocupações, o GT iniciou uma série de reuniões, com encontros semanais, tendo recebido de imediato o apoio da Reitoria, bem como a participação do padre Cássio Borges, representante do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) e do padre Pier Luigi Bernareggi (padre Piggi), membro da Pastoral Metropolitana dos Sem Casa, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Diversas ações passaram a ser realizadas a partir das contribuições de três áreas de conhecimento da Universidade: Direito, Arquitetura e Serviço Social, embora docentes e discentes de outras áreas também estejam participando.
Coube ao grupo do Direito o levantamento das ações jurídicas e da documentação existente em torno da questão dessas ocupações, para subsidiar as providências que poderiam ser tomadas no âmbito jurídico. O grupo também tomou outras iniciativas de articulações políticas, tendo conseguido junto à Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG) a realização de uma Reunião Aberta e, em seguida, de uma audiência pública, ambas realizadas no mês de outubro de 2014, com o apoio das Comissões de Participação Popular e de Direitos Humanos da ALMG. Foi realizada ainda uma reunião com o prefeito de Belo Horizonte e outra com integrantes do Ministério Público Federal.
Essas iniciativas, somadas às manifestações de rua promovidas pelos moradores das ocupações e ainda ao apoio explícito da Arquidiocese de Belo Horizonte, certamente contribuíram para o adiamento da ação de despejo para o final de 2014. É importante observar que o despejo seria drástico, sobretudo, pelos seguintes fatores: a disposição da população em resistir à ação; e a ausência de um plano de contingência para atender toda a população a ser removida, que seria simplesmente retirada à força.
O grupo da Arquitetura continuou a realizar um trabalho já iniciado anteriormente de assessoria aos moradores, através do Escritório de Integração, com uma metodologia de trabalho colaborativa, semelhante à pesquisa-ação, que objetiva conhecer as formas como os grupos ocupam o espaço para, com eles, dialogar e produzir outros tipos de ocupação do território, com demarcação de ruas, condições de acessibilidade, preservação do meio ambiente, exclusão de áreas de risco e outras medidas. O resultado dessas ações é mais visível na ocupação Rosa Leão, a mais antiga, mas já começa a surtir efeito também nas demais ocupações, que, aos poucos, vão se organizando.
Já o grupo do Serviço Social apresentou a proposta de realizar o cadastramento das famílias de moradores, tendo para isso feito uma parceria com o grupo do mesmo curso da UNA BH. Foi utilizada a mesma metodologia. Grande parte das famílias foi cadastrada pelas duas instituições, restando ainda uma pequena parte, que deverá ser concluída em 2015.
Em 2015, o GT Moradia ampliou suas discussões com o propósito de se tornar um grupo permanente de pesquisa e de extensão sobre a questão da moradia para as camadas populares. Um documento está sendo elaborado para caracterizar os princípios, fundamentos, valores, temáticas e objetivos que movem o grupo para produzir suas reflexões, propostas e estruturação de ações e iniciativas.
A questão de acesso à moradia digna divide a sociedade em grupos distintos, sobretudo em função de sua renda. O GT volta-se prioritariamente para as camadas populares, de modo especial para as parcelas mais vulneráveis da população, que ou dispõem de moradias precárias, geralmente em terrenos cuja posse não detêm, ou não conseguem acesso a nenhum tipo de moradia, tendo que improvisar o seu abrigo e vivendo como migrantes. Tais famílias, sobretudo as que possuem renda familiar de zero a três salários mínimos, são as mais frágeis, dada a ausência, nos últimos anos, de uma política habitacional, no Estado de Minas Gerais, para esse público, sobretudo nos municípios de médio e grande portes, onde se concentra a maioria da população dos sem casa.
É importante ressaltar também a fragilidade do programa do governo federal, Minha Casa, Minha Vida, através do qual, em Belo Horizonte, segundo dados da Urbel, até 2015, foram entregues 2.685 unidades habitacionais para famílias com renda até R$ 1.600 e 754 unidades para famílias com renda entre R$ 1.600 e R$ 3.275. Trata-se de números muito pouco significativos em face de dados oficiais que apontam que, na região metropolitana de Belo Horizonte, o déficit seria de 173 mil, de acordo com pesquisa da Fundação João Pinheiro, e em BH, segundo estimativas do Plano Local de Habitação de Interesse Social (Plhis), esse déficit seria de aproximadamente 62 mil moradias. Além disso, mais de 90% do déficit é de moradias para famílias de zero a três salários mínimos.
Para essa parcela da população, torna-se de enorme importância a construção e implantação de políticas públicas eficazes para solução da falta de moradias ou de moradias precárias, que não abandonem pura e simplesmente os cidadãos mais pobres, deixando-os à mercê dos grupos economicamente mais poderosos, que conseguem maior acesso ao sistema judiciário. Trata-se, sem dúvida, de uma luta contra a injustiça social, que possa contribuir para a elevação de um grande contingente de pessoas à condição de cidadãos e para o seu reconhecimento e inclusão pela sociedade. Esse o papel que, acreditamos, cabe a uma universidade confessional e comunitária como a PUC Minas.