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Cultura Religiosa Compreensão da espiritualidade

Disciplina, que é ofertada em todos os cursos de graduação, reflete sobre os sentidos da vida

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“Se a Universidade foca na formação qualificada de futuros profissionais, a Cultura Religiosa possibilita momento de refletir sobre a questão do sentido da vida, que não se reduz ao consumo, aos interesses individuais, possibilitando o humanismo integral”

Professor Rodrigo Coppe Caldeira, chefe do Departamento de Ciências da Religião

A melhor definição para o conteúdo da disciplina Cultura Religiosa, estando numa universidade católica, talvez seja somente o estudo das tradições católicas, correto? Errado. Apesar de muitos estudantes, antes de conhecerem a disciplina, pensarem desse modo, logo descobrem que a melhor definição para ela são os sentidos para a vida. “Se a Universidade foca na formação qualificada de futuros profissionais, a Cultura Religiosa possibilita momento de refletir sobre a questão do sentido da vida, que não se reduz ao consumo, aos interesses individuais, possibilitando o humanismo integral”, diz o chefe do Departamento de Ciências da Religião, professor Rodrigo Coppe Caldeira.

Disciplina esta que integra e reflete a missão da Universidade, que tem como proposta promover o desenvolvimento humano e social, propiciando uma formação humanística comprometida com o bem comum, observa o professor. A disciplina, que consta da grade curricular de todos os cursos de graduação da Universidade, é aberta a tudo o que é ligado ao humano, ao diálogo, à escuta, às várias tradições religiosas, aos valores espirituais presentes nas diversas religiões, e também às experiências não religiosas, aos desafios e ao que une todos. “A disciplina visa à compreensão da espiritualidade, busca compreender as tradições religiosas, diálogo entre Igreja Católica e outras religiões, desafios sociais, políticos e culturais”, destaca Rodrigo Coppe.

O professor lembra que se for do interesse do estudante de graduação aprofundar-se nas questões religiosas, a Universidade oferece também a Pastoral Universitária, que tem estreitos laços com a disciplina Cultura Religiosa. “A disciplina tem um diálogo muito forte com a Pastoral, atuação dos professores da Pastoral e também na extensão, em grupos de pesquisa, iniciação à pesquisa. Há uma colaboração constante dos professores de Cultura Religiosa nos diferentes departamentos da Universidade, um diálogo pulsante e constante”. O professor ressalta ainda que a disciplina é interdisciplinar, encontra as Ciências da Religião, a Sociologia, a Filosofia. “As formações variadas dos professores deixam a disciplina bastante rica. Em cada curso, o professor precisa conhecer o projeto pedagógico do curso para adaptar a disciplina”.

Formação plena do cidadão

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Giulia Maria: “Essa disciplina mudou minha vida, me despertou, trouxe sentido para questões importantes”

A professora Giseli do Prado Siqueira, que já coordenou a Cultura Religiosa e a Pastoral no Campus de Poços de Caldas, observa que a disciplina está alocada no Departamento de Ciências da Religião com a proposição de colaborar na formação plena do cidadão, numa sociedade plural na qual a diversidade cultural religiosa deve ser respeitada. E que o plano de ensino aspira “analisar a dimensão religiosa do ser humano, reconhecendo a sua importância em favorecer experiências fundamentais nos âmbitos pessoal e social, em vista da construção de sentido existencial, e da promoção de valores morais e éticos do humanismo cristão”.

Para isso, a Cultura Religiosa se apresenta em duas etapas distintas.

No início, a Cultura Religiosa – fenômeno religioso aborda os limites e possibilidades da experiência com Deus; as categorias fundamentais de interpretação e de linguagem do fenômeno religioso; a Bíblia: livro de formação cultural do Ocidente; A Bíblia em sua formação histórica, cultural e literária; Os critérios de interpretação, os temas e as perspectivas de estudo da Bíblia e a experiência mística e de abertura que o livro sagrado propicia; O cristianismo e os desafios do diálogo ecumênico e inter-religioso no contexto de um mundo globalizado; História e fundamentos da cultura e tradições religiosas afro-brasileira e Indígenas.

E a outra etapa da disciplina, Cultura Religiosa – Pessoa e Sociedade, trata da fundamentação da práxis cristã; da categoria Pessoa em diálogo com categorias antropológicas contemporâneas; temas atuais à luz do Humanismo Cristão: a família e a dimensão afetivo-sexual; do mundo do trabalho; da ordem social e política, e da cidadania; o compromisso com o cuidado e a defesa da vida humana e ecológica, e das perspectivas de construção de uma nova ordem mundial, centrada na sustentabilidade, na justiça, no amor e na paz.

Duas etapas, que, de acordo com o professor Rodrigo Coppe, estão intimamente ligadas com a missão da Universidade, respondendo a demandas mais amplas, não se reduzem ao técnico, colaboram na formação de um profissional técnico e têm abertura para níveis éticos, sociais e espirituais que atravessam todos os cursos. “Enfim, Cultura Religiosa é vida que se aplica a vida, que faz e se refaz no ensino, na pesquisa e na extensão”, diz a professora Giseli.

Estudos sobre o ofício de benzer

Trata-se de trajetória vivida por muitos estudantes. “Essa disciplina mudou minha vida, me despertou, trouxe sentido para questões importantes, como a benzeção feita pela minha avó. De que eu poderia seguir carreira acadêmica e dar sentido para o legado dela”, diz a estudante do mestrado em Ciências da Religião da PUC Minas Giulia Maria Teixeira Pamplona Quinteiro, de 25 anos. Ela diz que muitos alunos não veem relevância na disciplina Cultura Religiosa, ficam cegos por causa da intolerância religiosa e acham que vão ter um ensino catedrático, o que não tem nada a ver com a disciplina, mesmo estando em uma Universidade Católica. Mas, depois de a cursarem, muitos dizem que se tornaram pessoas melhores”, alegra-se a estudante.

Giulia credita à disciplina Cultura Religiosa o fato de atualmente cursar mestrado, tendo sido determinante para ela seguir a carreira acadêmica. O projeto de pesquisa Identificação e estudo sobre o oficio de benzer no planalto poçoscaldense: religiosidade e saberes de cura surgiu nas aulas de Cultura Religiosa – fenômeno religioso após a professora Giseli solicitar aos alunos exemplos concretos de manifestações religiosas e perceber a recorrência da menção, por parte dos universitários, da passagem por benzimentos. Muitos chegam a indicar benzedores e benzedeiras como solução para questões básicas da vida. E assim despertou na professora Giseli o desejo de compreender quais são as doenças, os males tratados pela benzeção. Quem é esse agente de benzeção? Qual a trajetória religiosa de benzedores/benzedeiras que dedicam grande parte do seu tempo ao atendimento público? Qual espaço social que esses benzedores/benzedeiras ocupam na sociedade contemporânea? A mestranda Giulia se refere a trabalho iniciado ainda na graduação, no 3º período de Direito, na disciplina Cultura Religiosa e financiado pelo Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIP), no qual os graduandos foram a campo e mapearam 48 benzedeiras mulheres da cidade de Poços de Caldas, no Sul de Minas, tendo havido também parceria com Laboratório de Comunicação Midiática para a produção de pequenos vídeos sobre os Saberes da Cura, com a participação de 25 alunos.

Partindo desses questionamentos, o estudo visou compreender, de acordo com a professora Giseli, como se constituíram, a partir da experiência religiosa, as práticas de benzeção na cidade de Poços de Caldas, tendo como contexto a própria expressão oral dos agentes desse oficio. Mapeando essa prática no município, houve a preocupação de olhar a realidade desses benzedores/benzedeiras com atitude crítica e reverente e, ao mesmo tempo, buscar o viés científico para analisar essas práticas de recuperação da saúde e da experiência religiosa.

A participação nessa pesquisa iniciada na graduação proporcionou mais frutos acadêmicos na vida de Giulia. Ela continuou o estudo sobre as benzedeiras no Trabalho de Conclusão do Curso de Direito e também no mestrado pesquisa o assunto, sobre Salvaguardas de Saberes da Cura em Poços de Caldas, com orientação do professor Antonio Geraldo Cantarella e coorientado pela professora Giseli. Quatro pesquisas sobre benzedeiras integram o grupo de pesquisa Filosofia, Religiosidade e Interfaces, coordenado pela professora Giseli e com a participação de professores de outras áreas do conhecimento. Produções acadêmicas foram apresentadas em congressos, seminários e publicadas em livros, como na edição de 2020: Religião, Educação e Direitos Humanos: diálogos possíveis.

Outra estudante, de Psicologia, também rende elogios à disciplina. Amanda Tardamone Alves, do 9º período, conta que se interessou pela temática e está pesquisando a Espiritualidade e Abordagem centrada na Pessoa, processo psicoterapêutico como jornada interior. Pergunta que a moveu durante a disciplina foi a espiritualidade intrínseca ao homem. “O Brasil é um país muito religioso, temos que entender essa diversidade, estudar qual a influência no processo psicoterapêutico”, diz a aluna sobre a importância da disciplina e de se entender psicossocial e espiritualmente todas as culturas dentro do país.
“Eu adorava a disciplina Cultura Religiosa. Sempre tive curiosidade por outras religiões. Muitos estudantes a viam com preconceito, mas depois de conhecer a disciplina, isso se rompia”, diz a advogada e mestranda Giulia.

Texto
Leandro Felicíssimo
Fotos
1Marcos Figueiredo
2Felipe Pádua
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