Entrevista O fenômeno das notícias falsas
Um dos maiores especialistas sobre o tema no Brasil, Paganotti alerta para a qualidade das informações veiculadas
A facilidade de criação de canais para divulgação de informações na internet e a importância que as plataformas de comunicação e relacionamento ganharam atualmente vêm impulsionando um fenômeno da difusão das chamadas fake news (na tradução livre do inglês, notícias falsas). Um exemplo marcante disso foi a onda de notícias relacionadas à vereadora carioca Marielle Franco, filiada ao PSOL, morta em março deste ano. O partido recebeu, em cinco dias daquele mês, mais de 15 mil fake news referentes à vereadora, boa parte com informações que denegriam sua imagem.
Para saber mais sobre o fenômeno das fake news, a Revista PUC Minas entrevistou um dos maiores especialistas sobre o tema no Brasil, o professor Ivan Paganotti, da MidiAto, da ECA da USP. Ao lado dos professores Leonardo Sakamoto (PUC-SP) e Rodrigo Ratier (Faculdade Cásper Líbero), ele foi convidado pelo Facebook para organizar um curso on-line gratuito contra notícias falsas voltado ao público em geral. Trata-se do projeto Vaza Falsiane!, divulgado em janeiro de 2018, que tem como objetivo, segundo o próprio Facebook, contribuir para a construção de uma comunidade mais bem informada. Confira trechos da entrevista.
Quais são as consequências da proliferação de informações não institucionais?
Informações são essenciais para nortear nossas decisões cotidianas: desde saber quais filmes estão em cartaz no cinema perto de casa até saber alterações políticas que podem comprometer meu modo de vida. Clay Johnson defende, no livro The information diet, que o problema não é o volume de informação que trocamos, mas a sua qualidade. Muita informação pode comprometer nossa capacidade de decidir corretamente até sobre qual informação queremos e precisamos. É importante destacar que, se as informações que utilizamos estão comprometidas com imprecisões, o resultado das nossas decisões pode acabar sendo bastante problemático e até nos prejudicar.
Qual é o real conceito da expressão fake news?
Um estudo recente, divulgado pelos pesquisadores Hunt Allcott (Universidade de Nova York) e Matthew Gentzkow (Universidade de Stanford) publicado no Journal of Economics Perspectives diz que elas significam todas as informações difundidas por meios de comunicação que se disfarçam de veículos jornalísticos e que difundem informação comprovadamente incorreta para enganar seu público. Assim, vale pensar que fake news não se trata de qualquer boato espalhado por rede social, visto que são um fenômeno mais específico: são sites que pretendem enganar seus leitores publicando propositadamente informações incorretas como se fossem verdade. Essa definição mais precisa deixa de fora, por exemplo, os sites satíricos, que fazem paródia do jornalismo para explicitamente fazer piada, como o Sensacionalista ou The Onion – não são fake news porque não pretendem enganar, é bastante claro que é piada, exagero e ficção. Essa definição também exclui sites de jornalismo que fazem um trabalho sério, mas que podem ter cometido erros, como ocorre com qualquer veículo jornalístico. O fato de o jornal The New York Times ter publicado uma notícia incorreta não faz desse site um veículo de fake news, até porque a informação incorreta pode ser corrigida, e o veículo não tem como objetivo desinformar. Agora, quanto mais erros um veículo comete, mais sua credibilidade fica comprometida. A partir de um ponto, seu público pode deixar de confiar em suas informações, e não diferenciar suas apurações confiáveis das questionáveis.
Por que as fake news surgem com grande intensidade nas redes sociais e por que elas se espalham com tanta facilidade e quantidade?
As fake news se espalham porque foram criadas justamente para isso: para atrair público e tornarem-se virais. Isso significa que são sites criados propositadamente para divulgar informações incorretas, mas que soem plausíveis para seu público-alvo, enganando-os a ponto de atrair visitantes e potencialmente transformar parte de seu público em novos propagadores de seu conteúdo. O estudo dos pesquisadores Hunt Allcott e Matthew Gentzkow mostra ainda que há duas motivações principais para esses sites. Em primeiro lugar, esses sites atraem a atenção de vasta audiência, que acaba capturada pelas suas manchetes bombásticas sem perceber que elas são inverídicas. Dessa forma, o site falso recebe por anúncios em sua própria plataforma, ou dividem os ganhos de publicidade de sites de redes sociais que recompensam os grandes produtores de conteúdo, como o Facebook. Em segundo lugar, alguns desses sites têm objetivos ideológicos e publicam informações falsas para promover ou criticar figuras públicas, como candidatos políticos ou personalidades famosas. Robyn Caplan, doutoranda da Universidade Rutgers, também mostra que alguns desses sites são criados simplesmente por diversão, para criar confusão ou “trollar” – ou seja, para comprometer os debates. Também há casos já registrados de notícias falsas que são criadas como forma de vingança por desavenças pessoais, para espalhar rumores e denúncias não comprovadas.
A grande motivação para a propagação das fake news seria a financeira?
Sem dúvida, em muitos casos. Uma reportagem do site BuzzFeed com autores da Macedônia (um país que se tornou centro de produção de sites de notícias falsas) indica que alguns sites podem render de 3 mil dólares por mês a até 5 mil dólares em um só dia, quando uma notícia falsa se torna viral. Uma reportagem de Fabio Victor, da Folha de S. Paulo, apurou que uma rede de sites falsos de Minas Gerais pode render em torno de R$ 100 mil em anúncios que são divididos entre intermediários e os produtores das notícias falsas.
Por que há uma tendência de a sociedade (ou de parte dela) confiar nas notícias propagadas nas redes sociais como única fonte de informação?
Todas as sociedades humanas sempre usaram suas redes de convívio como mecanismos de trocas de informação. Mesmo antes dos meios de comunicação centralizarem e transformarem em negócio a informação, as pessoas trocavam informações entre vizinhos, colegas, familiares e membros de clãs e tribos. As redes sociais só “re-centralizam” esse mecanismo tradicional de comentar o que ouvimos ou vimos por aí em novos canais (como Facebook, Twitter, Whatsapp e outros). A diferença atual é que, como essas plataformas ganham grande importância e concentram a atenção e tempo de bilhões de pessoas, elas passam a ser um mecanismo que pode complementar de forma cada vez mais influente as outras formas de comunicação. Em alguns segmentos sociais, redes sociais já são tão ou mais importantes para o consumo de informação do que veículos da mídia tradicional ou encontros presenciais entre pessoas de interesses afins. Uma questão importante é a credibilidade de quem nos apresenta a informação: as redes sociais permitem que celebridades de segmentos influentes possam mobilizar seus seguidores para temas que consideram importantes. Da mesma forma, indivíduos de nossos círculos sociais em quem confiamos (amigos, familiares ou colegas) emprestam sua credibilidade ao passar informações para suas redes por meio de redes sociais. Entretanto, vale lembrar que a reputação dessas pessoas também pode ser afetada negativamente se erros e imprecisões forem reveladas sistematicamente: afinal, muitos podem parar de confiar em quem divulga informação incorreta.
Como é possível distinguir uma fake news de uma notícia verdadeira?
Notícias falsas sempre foram difundidas por diversos meios de comunicação, mas agora, com as redes sociais e plataformas de publicação acessíveis, ficou mais fácil criar um site para difundir mentiras. Da mesma forma, é difícil para o público diferenciar um site confiável de outro duvidoso com a multiplicação de fontes noticiosas. É essencial que sejam difundidas essas iniciativas de educação crítica do público em relação à mídia. O artigo da pesquisadora Robyn Caplan (mencionado anteriormente) já apontava que, se plataformas como o Facebook esperam que o público denuncie notícias falsas, é preciso treinar as pessoas para identificar essas informações falsas. Além das recomendações que o Facebook apresentou em sua plataforma, sites de checagem também publicaram guias para identificação de notícias falsas, como o da agência de checagem de informações Aos Fatos. (Confira dicas na página ao lado).
Quais são as fake news que se espalham com mais facilidade ou possuem mais “confiabilidade”?
De modo geral, como todo boato ou rumor, as notícias que apelam para temas polêmicos, que mobilizam o público a ponto de interagir e compartilhar tendem a ter destaque. O estudo de Allcott e Gentzkow destaca predominância de notícias falsas que tratam de temas políticos, em particular denúncias de supostos escândalos envolvendo os candidatos à eleição presidencial nos EUA, mas isso pode se dever ao período analisado, propositadamente próximo das eleições daquele país. Sites que simulam uma aparência jornalística, mimetizando inclusive nomes de veículos já consolidados, também parecem “emprestar” a credibilidade dos veículos que parasitam: foi o caso do Denver Guardian, site já fora do ar após críticas de que publicavam notícias falsas, e que usava o nome do londrino The Guardian, um dos jornais internacionais de maior credibilidade no mundo. Aqui no Brasil alguns sites tentam simular a Folha de S. Paulo, por exemplo, e podem enganar parte do público que não acompanha noticiário frequentemente.
Manual para identificação de notícias falsas
Com o objetivo de impedir a divulgação de notícias falsas no Facebook, a rede social criou uma espécie de “manual”. No total, a rede dá 10 dicas e informa que o conteúdo tem apoio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio de Janeiro.
- 1. Seja cético com as manchetes
Notícias falsas frequentemente trazem manchetes apelativas em letras maiúsculas e com pontos de exclamação. Se alegações chocantes na manchete parecerem inacreditáveis, desconfie. - 2. Olhe atentamente para a URL
Uma URL (endereço na web) semelhante à de outro site pode ser um sinal de alerta para notícias falsas. Muitos sites de notícias falsas imitam veículos de imprensa autênticos fazendo pequenas mudanças na URL. Você pode ir até o site para verificar e comparar a URL de veículos de imprensa estabelecidos. - 3. Investigue a fonte
Certifique-se de que a reportagem tenha sido escrita por uma fonte confiável e de boa reputação. Se a história for contada por uma organização não conhecida, verifique a seção “Sobre” do site para saber mais sobre ela. - 4. Fique atento a formatações incomuns
Muitos sites de notícias falsas contêm erros ortográficos ou apresentam layouts estranhos. Redobre a atenção na leitura se perceber esses sinais. - 5. Considere as fotos
Notícias falsas frequentemente contêm imagens ou vídeos manipulados. Algumas vezes, a foto pode ser autêntica, mas ter sido retirada do contexto. Você pode procurar a foto ou imagem para verificar de onde ela veio. - 6. Confira as datas
Notícias falsas podem conter datas que não fazem sentido ou até mesmo datas que tenham sido alteradas. - 7. Verifique as evidências
Verifique as fontes do autor da reportagem para confirmar que são confiáveis. Falta de evidências sobre os fatos ou menção a especialistas desconhecidos pode ser uma indicação de notícias falsas. - 8. Busque outras reportagens
Se nenhum outro veículo na imprensa tiver publicado uma reportagem sobre o mesmo assunto, isso pode ser um indicativo de que a história é falsa. Se a história for publicada por vários veículos confiáveis na imprensa, é mais provável que seja verdadeira. - 9. A história é uma farsa ou uma brincadeira?
Algumas vezes, as notícias falsas podem ser difíceis de distinguir de um conteúdo de humor ou sátira. Verifique se a fonte é conhecida por paródias e se os detalhes da história e o tom sugerem que pode ser apenas uma brincadeira. - 10. Algumas histórias são intencionalmente falsas
Pense de forma crítica sobre as histórias lidas e compartilhe apenas as notícias que você sabe que são verossímeis.
Fonte: Facebook