Sociedade O idoso institucionalizado
Pesquisa mapeia Instituições de Longa Permanência e analisa a qualidade de vida desses residentes em BH e região metropolitana
"Não há dispositivos exclusivos em Belo Horizonte e região, como centros-dia, nos quais a família possa trabalhar, e, durante este período, o idoso ficar em um local seguro, sendo cuidado com qualidade"
Professora Natália de Cássia HortaEscassez de políticas públicas de atenção ao idoso institucionalizado, relação entre a qualidade de vida e a autonomia desses idosos, além dos desafios frente à heterogeneidade de residentes são algumas das constatações da pesquisa Qualidade de Vida do Idoso Institucionalizado, realizada em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) de Belo Horizonte e da região metropolitana. O estudo, que avaliou aspectos da saúde que se relacionam à qualidade de vida de idosos institucionalizados, foi feito pelo Núcleo de Pesquisas Processos Heurísticos e Assistenciais em Saúde e Enfermagem (Phase) do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS).
Ao todo, foram mapeadas 170 instituições, tendo 156 participado da pesquisa. Dessas, 62% são privadas e 38% filantrópicas (privadas, sem fins lucrativos). O mapeamento não identificou qualquer instituição pública, o que, segundo a pesquisa, aponta um descuido e omissão das políticas públicas em mecanismos sociais de amparo ao idoso, e evidencia que o cuidado dirigido a essa população ainda é de sua própria responsabilidade ou de seus familiares. “O município assume a responsabilidade de uma forma pormenorizada”, diz a professora Natália de Cássia Horta, do Curso de Medicina, uma das coordenadoras da pesquisa.
A pesquisa observou ainda que as filantrópicas trabalham próximas da lotação máxima, contando, às vezes, com lista de espera. “Há instituições extremamente carentes, que precisam fazer campanhas para sobreviver”, garante outra coordenadora da pesquisa, professora Tatiana Teixeira Barral de Lacerda (Fisioterapia), que destaca que apesar de haver um respaldo legal para que a instituição fique com até 70% da renda do idoso para custear as despesas, esse valor não cobre grande parte do custo.
Por outro lado, a professora Natália ressalta que, no setor privado, tem havido uma ampliação dessas instituições, como um nicho de mercado frente à lacuna de serviços públicos. “Está aumentando a oferta porque há mercado. E muitas são instituições caras, há algumas de altíssimo luxo”. A oferta de serviços, entretanto, não reflete diretamente na qualidade da instituição. “Temos algumas particulares que não conseguem oferecer o mínimo”, aponta.
Para as pesquisadoras, na falta de políticas públicas para essa população, uma alternativa seria que houvesse espaços para que o idoso pudesse passar o dia, como já acontece na cidade de São Paulo. “Não há dispositivos exclusivos em Belo Horizonte e região, como centros-dia, nos quais a família possa trabalhar, e, durante este período, o idoso ficar em um local seguro, sendo cuidado com qualidade”, afirma a professora Natália.
Ainda segundo a docente, a necessidade exposta não afirma que a família esteja se furtando do lugar de cuidadora, e, sim, de que ela precisa de apoio para cuidar de um idoso da mesma forma que precisa para cuidar de uma criança, seja por meio de creche ou escola infantil. “Não há investimento ainda na discussão do envelhecimento, do cuidado paliativo e do cuidado de longa duração”, afirma.
A pesquisa também foi coordenada pelas professoras da Universidade Maria da Consolação Magalhães Cunha, do Curso de Enfermagem, e Tatiana Resende Prado Rangel de Oliveira, do Curso de Nutrição, com colaboração dos docentes Renato Moreira Hadad e Cleia Márcia Gomes Amaral, de Sistemas de Informação, além de alunos dos cursos de Enfermagem, Fisioterapia, Medicina, Nutrição e Sistemas de Informação, e estudantes e ex-alunos da Pós-graduação lato sensu em Gerontologia da PUC Minas. Também participaram as professoras Marina Celly Martins Ribeiro de Souza, da Universidade de Nova Jersey (EUA), e Maria Tereza Gouveia Rodrigues, da Faculdade Pitágoras.
Iniciado em 2014, o estudo foi realizado em cinco fases. A primeira foi de mapeamento e caracterização de todas as instituições de longa permanência para idosos da RMBH, o que resultou em um site em que as pessoas podem consultar onde ficam essas instituições e qual a característica de cada uma (veja na pág. 15). Na segunda fase, foram realizadas visitas aos municípios que tinham duas ou mais instituições de longa permanência, totalizando dez cidades da RMBH. Foram entrevistados técnicos e gestores desses municípios para entender a direcionalidade no cuidado com o idoso. Na terceira fase, foram realizados grupos focais com gestores e profissionais da saúde que atuam nessas instituições para levantar e analisar as práticas de promoção da saúde. Já a quarta etapa focou na perspectiva das ações e da qualidade de vida desses idosos. A quinta e última fase culminou em um seminário, no Campus Coração Eucarístico, no qual foram construídas com os profissionais e gestores dessas instituições, idosos e seus familiares, proposições para a promoção efetiva da saúde do idoso institucionalizado.
Desafios para a promoção da saúde
A pesquisa mostrou que, na prática, o grande desafio para a promoção da saúde são as dificuldades das instituições em adequar as ações ofertadas à heterogeneidade dos residentes no que diz respeito ao grau de dependência e à capacidade cognitiva. Embora a legislação vigente aponte a idade como único critério para residir em uma ILPI, a professora Tatiana Barral ressalta que não é isso que acontece na prática. “Muitas utilizam critérios rígidos, mostrando preferência por idosos independentes, já que são menos onerosos e exigem menos cuidados”, diz.
André Luis Pereira, coordenador de uma das instituições filantrópicas de Betim, que participou da pesquisa, ressalta que cabe a um país que está envelhecendo proporcionar aos seus cidadãos os meios para alcançar um envelhecimento com qualidade. “O asilo recebe doações e ajuda da prefeitura, mas sentimos falta do amparo público. Além disso, há um déficit significativo em nosso país no que tange às políticas públicas voltadas aos idosos. Nós, por exemplo, funcionamos hoje no município como uma medida emergencial, e não preventiva”, argumenta o coordenador.
No asilo filantrópico coordenado por André Pereira, os critérios para admissão são definidos pela Proteção Social Especial (PSE) de alta complexidade, do Ministério do Desenvolvimento Social, mas, por vezes, é necessário recusar a institucionalização de um idoso. “Não temos critérios de admissão de internos e não trabalhamos com lista de espera aqui no asilo, pois os pedidos de vagas vêm encaminhados da PSE e ou da promotoria”, afirma o coordenador. O coordenador André Pereira ressalta que, em casos extremos, pedidos são negados. “Em casos específicos nos quais não conseguimos atender ao idoso com qualidade, alguns pedidos são negados, sim. É que somos uma ILPI, e não uma clínica. Não temos, infelizmente, estrutura para receber alguns casos”.
Autonomia para a qualidade de vida
"Quanto maior a possibilidade de ser independente e ter autonomia, melhor esse idoso percebe sua qualidade de vida e menos sintomas depressivos ele tem"
Professora Tatiana BarralEntre outros aspectos, foram avaliadas a qualidade de vida, a presença de sintomas depressivos, a autopercepção de saúde e a independência para realizar as atividades básicas como comer, se vestir e ir ao banheiro sozinho dos idosos. “A variável da autopercepção da saúde foi o que mais nos chamou atenção. Quanto maior a possibilidade de ser independente e ter autonomia, melhor esse idoso percebe sua qualidade de vida e menos sintomas depressivos ele tem”, observa a professora Tatiana Barral.
Para Francisco Luiz Estevam, de 73 anos, a institucionalização foi a melhor opção. “Não tenho filhos. Morava sozinho, e, com a idade avançando, acabamos perdendo nossa independência. Então estar aqui é bom. O que posso fazer sozinho eu faço, mas aqui tenho a ajuda de cuidadores para as coisas que não consigo fazer sozinho e isso torna minha vida melhor”, afirma Francisco, que está em uma instituição filantrópica.
A pesquisa mostrou que a falta de autonomia dada aos idosos é uma grande característica na maioria dessas instituições. “A escolha de uma roupa, os horários da alimentação, o que colocar no prato, entre outros, são decididos pela instituição. Muitas vezes eles não podem optar. Acredito que essa pode ser uma questão de reflexão sobre o que se pode negociar e flexibilizar no quesito horários e escolhas. São ações simples, mas que estimulam a manutenção da independência e autonomia do idoso”, diz Natália.
Preocupação constante de Carolina de Senna Figueiredo, terapeuta ocupacional e sócia-proprietária de unidade de uma das instituições privadas de Belo Horizonte participantes da pesquisa. Ela afirma que no local a garantia da autonomia desses idosos é uma questão diária. “Todos os idosos que chegam aqui passam por avaliação funcional realizada por um profissional da equipe. Vemos que tipo de atividades diárias eles conseguem realizar sozinhos e que tipo de ajuda precisam”, conta.
Por outro lado, a professora Tatiana Barral afirma que há instituições que permitem que o idoso saia e volte ao final do dia, tendo autorização para isso, e que a família pode ir buscar para passar um fim de semana, por exemplo. Porém, a professora Natália aponta um desafio: “A partir do momento em que o idoso é institucionalizado, toda a responsabilidade legal por ele passa a ser da própria instituição, juntamente com a família. Mas com relação àqueles idosos que estão nas instituições via Ministério Público e mandado judicial, a responsabilidade é da própria instituição”, diz.
Na instituição de Carolina Figueiredo, o idoso considerado totalmente lúcido e independente, desde que a família também concorde, pode sair e voltar quantas vezes quiser e a hora que quiser: “Nos casos daqueles que não têm condição de sair sozinhos, saem quando a família vem buscar ou quando fazemos passeios com eles pela cidade, sempre com acompanhamento”.
O debate sobre a institucionalização
Carolina de Senna Figueiredo ressalta que, apesar de culturalmente ser difícil tomar a decisão de levar um idoso para uma instituição de longa permanência, atualmente tem havido uma mudança. “As pessoas estão começando a ver essa questão como uma necessidade para o idoso. Nessas instituições, ele terá convívio com outras pessoas e acompanhamento adequado. Além disso, se o local for bom, irá oferecer vários estímulos sociais e cognitivos que em casa, às vezes, esse idoso não teria”, defende.
A professora Natália acredita que deva existir também uma integração com a sociedade. “Essas instituições precisam ser acolhidas pelas pessoas que moram no entorno e pelos dispositivos da cidade. Tivemos relatos de gestores que convidaram escolas para visitas, e que tanto as crianças quanto os idosos se beneficiaram. Idoso adora sentar com criança, contar história. É importante até mesmo para que essas crianças venham a pensar no envelhecimento de outra forma e perceber o valor social do idoso dentro da nossa sociedade”, diz.
Além deste debate, outro desafio foi percebido com a pesquisa: a capacitação profissional da equipe e o investimento na figura do cuidador, um profissional que está na linha de frente, mas é o que tem menos qualificação. “A profissão de cuidador está aprovada, mas não regulamentada. É um profissional que recebe menos dentre os que estão envolvidos no cuidado, mas é o mais cobrado”. Para a professora Natália, o processo de formação desse profissional deveria ser permanente dentro da própria instituição para que ele atendesse à expectativa que existe.
Saiba mais
Informações sobre o mapeamento das instituições, descrição da pesquisa e eventos sobre o tema podem ser obtidas por meio do http://renatohadad.no-ip.org:10070/phase.