Ação social Por um futuro digno
Projeto que envolve alunos do Direito e da Psicologia auxilia adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas
Aos 17 anos, Selton Gonçalves foi apreendido por furto, no ano passado, tendo que cumprir seis meses em liberdade assistida, medida socioeducativa que acompanha, auxilia e orienta jovens que praticam ato infracional, e prestar serviços comunitários por quatro meses. “Saí da detenção com o pensamento de ficar pior, por tudo que a gente escuta e acontece lá, mas, depois de conversar com as pessoas certas, que te escutam, te aconselham, mudei totalmente meu pensamento. Até meu jeito de falar e meu semblante mudaram.”
O que mudou a vida de Selton foi o projeto Laços, realizado por meio de parceria entre os cursos de Direito e Psicologia da Universidade, e a Prefeitura de Belo Horizonte. Nele, alunos da PUC Minas realizam oficinas para adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, sob orientação dos professores do Curso de Direito Fernanda Simplício, idealizadora do projeto, e Pablo Alves, e da professora Rosa Maria Côrrea, do Curso de Psicologia e do Núcleo de Direitos Humanos e Inclusão (NDHI), da Pró-reitoria de Extensão.
O projeto, que já havia sido realizado de maneira semelhante no campus em Arcos, entre 2010 e 2014, teve início no campus Coração Eucarístico no primeiro semestre deste ano, após a professora Fernanda adaptá-lo para Belo Horizonte. Na capital, a primeira edição foi realizada pelos alunos do campus, com os jovens encaminhados por duas unidades do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas): a Barreiro e a Oeste. A finalidade é que esses adolescentes tenham a oportunidade de ter uma visão diferente da vida acerca das possibilidades de crescimento pessoal e profissional.
Foco nos direitos sociais
Por meio de atividades com foco nos direitos sociais, como esporte, cultura, educação, lazer e saúde, os adolescentes tiveram a oportunidade de conhecer laboratórios dos cursos de Engenharia, o Museu de Ciências Naturais, de praticar esportes no Complexo Esportivo, e de participar das oficinas de júri simulado, teatro, elaboração de currículo, entre outras. No primeiro semestre, o projeto contou com aproximadamente 30 adolescentes, entre 14 e 17 anos, e 30 alunos da Universidade, dos cursos de Direito e de Psicologia.
“Nós achávamos que éramos totalmente diferentes deles. De gosto musical, de interesse, sonhos. Isso foi sendo derrubado de acordo com o andamento das oficinas, nas quais começamos a ver que tínhamos mais coisas em comum do que imaginávamos”
Anthony Richard, aluno do Curso de DireitoNo início, houve um pouco de resistência dos adolescentes, de acordo com o professor Pablo, pois eles estavam cumprindo medida obrigatória. Além disso, eles esperavam encontrar outra realidade, como contou Anthony Richard Nascimento, aluno do 7º período do Curso de Direito. “Na primeira semana, um dos adolescentes me disse que apostava que eu vinha para a PUC de carro e que meu pai pagava minha faculdade. E eu disse que era exatamente o contrário. Que pegava dois ônibus para vir estudar e que só estava aqui por conta de um programa do governo que me dava oportunidade de estudar nesta Universidade”, relatou.
Dandara Leal, aluna do quarto período do Curso de Direito, afirma que os encontros a impactaram muito, pois se deparou com situações completamente diferentes daquelas a que estava acostumada: “Encontramos adolescentes com sérios problemas de carência material, afetiva e emocional. Jovens que, muitas vezes, pela falta de informação e estrutura, não tinham noção da gravidade e do impacto que as ações causavam aos outros”.
Porém, aos poucos, as semelhanças foram se mostrando cada vez maiores. “Nós achávamos que éramos totalmente diferentes deles. De gosto musical, de interesse, sonhos. Isso foi sendo derrubado de acordo com o andamento das oficinas, nas quais começamos a ver que tínhamos mais coisas em comum do que imaginávamos”, diz Anthony.
Para a coordenadora do Creas Barreiro, Eliane Rodrigues da Silva, a forma como os adolescentes foram cuidadosamente acolhidos pelos estudantes da PUC Minas tornou essa relação cada vez mais fluida e sólida. “No decorrer do semestre, os vínculos entre eles se fortaleceram e questões singulares dos adolescentes puderam ser tratadas. O mais significativo foi proporcionar essa troca horizontal e respeitosa de saberes”, disse. É o que comprova Selton: “Os meninos são brincalhões e sabem conversar comigo. Fui muito bem recebido e toda vez que precisava deles, me davam atenção e me ajudavam. Eu consegui mudar a minha vida aqui, através deles”.
A mudança foi tão significativa para o adolescente que, mesmo após ter terminado de cumprir a medida socioeducativa, foi convidado a fazer parte do projeto e mostrar aos adolescentes que é possível ter um futuro melhor. “Voltei a estudar como antes e já estou enviando currículo para arrumar trabalho. Fiz muita coisa errada de dez anos para cá. Quero mudar totalmente a minha vida. Pouco tempo atrás meu pai foi na escola ver como eu estava e o professor falou com a diretora que eu estava sendo um dos melhores alunos dela”, conta Selton.
Crescimento pessoal
O projeto mostrou aos adolescentes oportunidades de vida que eles jamais imaginavam. “Muitos achavam que entrar na universidade era algo impossível de acontecer, em função da condição social deles. Vir aqui diminuiu essa distância, principalmente ao saberem que existem programas do governo que facilitam isso, por meio de bolsas. Esses adolescentes sabem agora que podem participar de projetos sociais e que podem circular na cidade porque têm dignidade para isso. E, além disso, que têm um saber que a gente precisa aprender com eles”, afirma a professora Fernanda.
E o aprendizado foi grande, de acordo com Dandara, que conta que o projeto se tornou mais do que algo acadêmico, mas para a vida. “Imaginei que esse trabalho mudaria a vida desses jovens e, embora tenhamos mudado a visão de muitos deles e mostrado que além dos muros da comunidade têm muitas opções de estudo, de trabalho e de vida, a maior mudança aconteceu comigo, pois cresci como ser humano e como cidadã”, disse.
Para Selton, houve uma transformação significativa, pois o relacionamento com a família não era bom e as brigas eram constantes: “Hoje fico muito mais tempo em casa, brinco com todo mundo, inclusive minha mãe e meu pai mudaram muito comigo e estão satisfeitos por eu ter mudado. Fico muito feliz por eles. Gostaria que todos tivessem a mesma oportunidade que eu tive”.
Participar do projeto foi uma experiência única para Anthony, que, assim como Dandara, pretende continuar participando das reuniões neste semestre. “O projeto me fez pensar em qual lugar eu queria colocar esses adolescentes. Se no banco dos réus ou no banco da escola e da esperança. Quero que eles possam dar a volta por cima em suas vidas e tenham a oportunidade de mudança. Por isso, aprendi que não devemos desistir de dar a eles nem que seja o mínimo para que consigam batalhar por uma vida decente. Eu vi o melhor lado deles, e é esse lado que eu quero que se torne visível para toda a sociedade”, garante Anthony.
Essa transformação mútua é a essência da extensão, segundo a professora Fernanda: “Os alunos nos disseram do crescimento pessoal que alcançaram e do preparo para atuar na vida profissional. É a importância de adentrar na realidade, não só estudar leis e doutrinas, mas poder colocar o pé lá fora e ver o que é a vida das pessoas”.
Neste semestre, o projeto continua no mesmo formato. Os resultados estão sendo tão positivos que a professora afirma que é uma proposta submetêlo ao edital da Proex, do ano que vem, visando obter recursos financeiros e expandi-lo para outros Creas do município, além de envolver maior número de alunos da Universidade.