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Educação Redenção pelos livros

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Projetos de leitura contribuem para a remição de pena de detentos

Reintegração social de detentos ainda é um assunto que gera muita discussão entre especialistas da área. Com pouca qualificação profissional e poucas chances de retornar ao mercado de trabalho devido à “ficha” na polícia, muitos voltam a cometer crimes. Para dar uma nova chance àqueles que buscam um recomeço, a educação aparece como uma das principais ferramentas para facilitar essa reinserção na sociedade. Em sintonia com essa demanda, a PUC Minas vem atuando em projetos de incentivo à leitura que, além de prover a formação educacional dos detentos, contribuem para a remição de pena dos condenados que aderirem à iniciativa.

Com esse objetivo, o Curso de Letras do campus Coração Eucarístico, por meio de parceria com a Pró-reitoria de Extensão (Proex), iniciou em novembro de 2015 o projeto Pelas Letras, que realiza oficinas de leitura na Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) de Santa Luzia. “A cada 30 dias, o detento pode ler um livro; e a cada livro lido, são reduzidos quatro dias de sua pena total”, explica a professora Daniella Lopes, do Curso de Letras, que é coordenadora da iniciativa.

O projeto foi muito bem recebido pela instituição, que preza pela educação e formação dos recuperandos, como são chamados os detentos que cumprem pena na Apac. “Contamos com um número mínimo de profissionais de segurança e os serviços de portaria, cozinha e manutenção são realizados pelos próprios recuperandos. Nossa filosofia de trabalho favorece a realização de projetos como este”, afirma Humberto Andrade de Castro, diretor da Apac.

Orientados por dois estagiários do Curso de Letras, responsáveis por conduzir as oficinas de leitura, os recuperandos leem obras de grandes autores como Guimarães Rosa, Eça de Queiroz, William Shakespeare, entre outros. A instituição conta com duas bibliotecas – uma para o regime fechado, outra para o semiaberto –, formadas a partir de livros doados. “Distribuímos livros que abordam o mesmo tema e as oficinas de leitura são direcionadas para este assunto. Por exemplo, se o tema for traição, podemos trabalhar com Primo Basílio, Dom Casmurro, Otello, entre outros”, explica a professora.

Segundo Daniella, os perfis dos detentos são variados, o que exige maior cautela para adaptar os debates a todos. “Na Apac há recuperandos de todas as classes sociais, de analfabetos a pós-graduados, portanto, buscamos sempre incentivar tanto quem já tem o hábito da leitura quanto aqueles que não têm esse costume”, diz. Segundo a docente, foram identificados 18 analfabetos dentre os 155 recuperandos da Apac de Santa Luzia, e a Universidade está elaborando uma nova iniciativa voltada para esses alunos em potencial.

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“Eu já gostava de alguns autores e sempre apreciei ler livros em inglês, mas aqui na Apac, parafraseando Drummond, posso dizer que venho desmatando o Amazonas da minha ignorância”

Bruno

Cumprindo pena há dois anos na Apac, Bruno, de 25 anos, cursa, na própria instituição, o segundo ano do ensino médio. Ele, que hoje se diz apaixonado pelas palavras, conta que se engajou na leitura depois que foi transferido para a Apac. “Eu já gostava de alguns autores e sempre apreciei ler livros em inglês, mas aqui na Apac, parafraseando Drummond, posso dizer que venho desmatando o Amazonas da minha ignorância”, conta ele, que já guardou mais de cem livros em seu dormitório – teve que arquivar uma parte na biblioteca para manter a organização da cela – e é fã de Dan Brown e de Paulo Coelho.

A.C.T, de 38 anos, também demonstrou animação com a proposta da Universidade. “O recuperando pode começar buscando a remição da pena, mas na medida em que vai evoluindo na leitura, percebe o amadurecimento e os benefícios que pode adquirir por meio do projeto”, afirma ele, que começou seu interesse pelos livros quando trabalhava em uma loja de xerox. “Já tive a oportunidade de incentivar um colega aqui, da Apac, que era extremamente ignorante e hoje já pegou o hábito da leitura”, conta.

De acordo com a Lei Federal nº12433/2011 e segundo a Recomendação nº 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça, que possibilitam a remição de pena a partir do estudo, o detento deve, ao terminar a leitura, redigir uma resenha que posteriormente é avaliada por professores e por juízes, que irão validar ou não o trabalho. “Há uma comissão de três professores da Universidade que avaliam as resenhas, produzidas sob a supervisão dos orientadores do projeto”, explica Daniella Lopes.

“Desenvolvemos aqui muitas atividades que capacitam os recuperandos, mas acredito que o Pelas Letras será uma oportunidade de ampliar o acesso à cultura. Cerca de 70% deles estão empenhados em participar”, anima-se o diretor Humberto Andrade.

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A professora Daniella Lopes, do Curso de Letras, é a coordenadora do projeto desenvolvido no campus Coração Eucarístico

Vencendo barreiras

Em Poços de Caldas, professores da Universidade também se empenham em um projeto de remição de pena a partir da leitura, realizado no presídio da cidade. Na ala feminina, que divide com mais 20 mulheres, Krislaine Ferreira de Paula tem um objetivo: aproveitar o tempo de detenção para adquirir conhecimento e expandir seus horizontes. Há oito meses cumprindo pena, é nos livros que ela encontra alento e coragem para enfrentar a rotina. “Se der vontade de ir embora, pego um livro para ler. Na hora de apartar as brigas das meninas, também aconselho a lerem um livro e conversarem sobre ele”, conta.

Krislaine está entre os beneficiados pelo Projeto Remição pela Leitura, iniciado no presídio em janeiro de 2015, sob a orientação do professor Davidson Sepini Gonçalves. Além de possibilitar a redução da pena por meio de resenhas, o projeto promove o gosto e o hábito pela leitura, possibilitando melhorias no ambiente do sistema prisional e na ressocialização dos encarcerados. “Considero um projeto humanista por excelência, uma vez que somos chamados a olhar o ser humano a partir do que ele é e não daquilo que ele fez para estar ali”.

O projeto atende um número de cem participantes leitores e cerca de 40 alunos dos cursos de Psicologia e de Direito, que passaram a compor equipes de visitas ao presídio para auxílio nas atividades. A aluna Isabel Henriques Vilas Boas, do 3º período do Curso de Psicologia, tinha em mente trabalhar com a psicologia jurídica antes de ingressar na PUC Minas. “Achei a atividade muito interessante por ter o cunho social que eu esperava encontrar na Universidade”, conta.

Nova perspectiva para detentos

Para o diretor geral do presídio, Adriano de Souza Silva, o projeto possibilitou aos detentos uma nova perspectiva do sistema carcerário, uma vez que o centro de detenção não possui salas de aula e oficinas de trabalho. “Na tentativa de criar estratégias para tirar os detentos da ociosidade, nos deparamos com esse projeto revolucionário. A disciplina dos internos e a comunicação com os agentes penitenciários melhorou muito. ‘Bom dia’, ‘Obrigado’, ‘Sim, senhor’ hoje fazem parte do linguajar deles. Boa parte dessa mudança visível eu atribuo à chegada do projeto de leitura”, avalia.

Aos 21 anos, Gabriel Rodrigues cumpre pena há dez meses e é um entusiasta do projeto. Robin Hood e a biografia de Albert Einstein já são obras conhecidas pelo participante, que conta ter lido cerca de 30 livros desde que se engajou na atividade. “O projeto me trouxe conhecimento para a vida, sabedoria para conseguir escrever poesias, frases bonitas. Sei que agora posso repassar isso aos meus filhos. Passei a ver o mundo de uma outra forma, por outros ângulos”, diz.

Texto
Cloe Massa e Lídia Lima
Fotos
Marcos Figueiredo
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