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Diálogos Sala de aula ativa

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Envolvimento do aluno e flexibilização do currículo são tendências em um mundo cada vez mais global e digital

“Durante muito tempo, os alunos foram acostumados a serem ouvintes e a deixar que o professor tomasse as decisões por ele, entregando-lhe um roteiro fechado para o estudo e para a execução de atividades e tarefas”

José Manuel Moran, professor fundador da Escola do Futuro, da USP, e autor do livro A Educação que Desejamos

Atualmente, as instituições de ensino superior utilizam recursos, metodologias e tecnologias digitais de forma cada vez mais significativa, criando projetos pedagógicos de cursos híbridos e a distância cada vez mais conectados com a necessidade de promoção do envolvimento do aluno e de flexibilização de seus currículos.

Trata-se de uma realidade desafiadora, sobretudo por requerer a combinação entre qualidade e quantidade, planejamento pedagógico estruturado e flexível, atender a muitos ao mesmo tempo e conseguir que cada um encontre sentido e relevância, personalizando ao máximo o seu processo de aprendizado.

Um dos caminhos possíveis para o enfrentamento deste desafio é a adoção de metodologias ativas no processo de aprendizagem. Afinal, o que são elas? Como o professor pode se apropriar delas para melhorar o processo de aprendizado? Neste cenário de constantes mudanças, como será o futuro da educação?

Estas foram algumas das questões que perpassaram o diálogo entre a professora Maria Augusta Vieira Nelson e o professor José Manuel Moran, reproduzido abaixo, quando ele visitou, recentemente, a PUC Minas Virtual e participou da comemoração dos dez anos da graduação a distância na Universidade. Formado em Psicologia, doutor em Comunicação e referência mundial na discussão acerca da necessidade de mudanças no modelo de ensino tradicional, novas tecnologias e mediação pedagógica, Moran é fundador da Escola do Futuro da USP e autor do livro A Educação que Desejamos: novos desafios e como chegar lá. Além disso, o professor é entusiasta da discussão ampla sobre a aprendizagem e sobre como as metodologias ativas podem transformar a sala de aula em um lugar ainda mais propício ao desenvolvimento da reflexão e do aprendizado.

 

A internet está cada vez mais presente na vida do aluno e desempenha um papel de relevância em sua busca por conhecimento específico que, em outros tempos, era obtido, majoritariamente, em sala de aula. Como você avalia esta nova realidade?

Moran – Esta é uma realidade que temos: nós não aprendemos apenas em espaços formais como a sala de aula. Os espaços informais e sociais também nos apresentam inúmeras possibilidades de aprendizado. Em outras palavras, o aluno pode aprender sem, necessariamente, estar com o professor. Entretanto, se ele aliar a aprendizagem por conta própria a uma aprendizagem tutorada, orientada por quem já trilhou um caminho maior na pesquisa, se abrindo também para o aprendizado adquirido nas trocas com colegas, o resultado é muito superior. A tecnologia está aí, implicada na vida das pessoas. Então, nada mais natural do que integrá-la ao que fazemos, usando-a para aprimorar a experiência e o aprendizado do aluno.

 

E qual deve ser a postura do professor, diante deste novo cenário, para que o processo de aprendizagem se torne mais significativo para o aluno?

Primeiramente, acredito que o professor tem o papel de curador, cuja função é escolher, entre tantas opções disponíveis, aquelas que são mais relevantes e apresentá-las aos alunos de forma sugestiva. O professor deve, também, empoderar o aluno criticamente, para que ele não se satisfaça com a primeira resposta encontrada no Google, pois assim o aluno passa a entender que existem outras opções mais interessantes e aprofundadas disponíveis na rede. Durante muito tempo, os alunos foram acostumados a serem ouvintes e a deixar que o professor tomasse as decisões por ele, entregando-lhe um roteiro fechado para o estudo e para a execução de atividades e tarefas. Nesta concepção emancipatória, o docente deixa de exercer o papel clássico do professor que explica tudo, pois a explicação para o básico já está disponível online. Então, ele tem de extrapolar, incentivar a pesquisa, a prática, contextualizar, entrar em detalhes daquilo que é mais avançado, que o aluno não consegue captar sozinho.

Tanto a instituição quanto o professor precisam mostrar ao aluno que, quanto mais ele se envolver ativamente nos processos de aprendizagem, mais ele aprenderá. O professor precisa, então, falar um pouco menos e orientar mais, ao passo que o aluno precisa se tornar um sujeito menos passivo e se envolver mais.

 

“O professor que quer trabalhar com metodologias ativas precisa estar disposto a sair da zona de conforto e entender que as pessoas hoje não aprendem mais da forma como aprendiam antes”

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E como podemos estimular este envolvimento?

Para estimular essa atitude, é importante que o professor traga para a sala de aula situações reais, ou simulações de situações reais que ele relacione sua disciplina com o cotidiano, com a comunidade, valendo-se de ferramentas interativas como os jogos, por exemplo. É fundamental que, neste percurso, o professor provoque o aluno, faça experiências, promova reflexões que o aluno seja capaz de fazer parte no seu tempo e no seu ritmo, e parte com o auxílio do professor. O equilíbrio entre os três pilares do aprendizado, o individual, o grupal e o tutorial, certamente proporcionará ao aluno outra experiência de aprendizado, muito mais efetiva.

 

Então, podemos dizer que este é o princípio básico das metodologias ativas?

Desde o século XIX, temos registros de grandes mentores que estudavam e aplicavam as metodologias ativas, como Dewey, por exemplo. No século XX, Freinet e Paulo Freire são alguns dos autores que nos apresentam olhares sobre o envolvimento do aluno, de aproximação do seu contexto, trabalhando a aprendizagem significativa. Esses autores acreditavam que, para a aprendizagem ter significado, o professor precisa partir de onde o aluno está, ou seja, estar perto dele, do seu contexto, envolvendo-o intelectual e afetivamente. Este envolvimento pode ser visto como parte do processo de tornar o aluno ativo em seu aprendizado. O ativo, neste contexto, significa o movimento pessoal que o aluno pode fazer após entrar em contato com a reflexão viabilizada pela conexão entre o fazer e o compreender, que parte ele faz sozinho, parte em grupo e parte orientado pelo professor. Reforço a importância das dimensões individual, grupal e tutorial andarem juntas e em equilíbrio, para que não se caia no pragmatismo puro, no ativismo.

 

Qual é a dica que você dá para o professor que quer trabalhar com metodologias ativas em sala de aula, mas que ainda não saiba como começar?

“Tanto a instituição quanto o professor precisam mostrar ao aluno que, quanto mais ele se envolver ativamente nos processos de aprendizagem, mais ele aprenderá”

A dica é: comece. No cotidiano aprendemos coisas meio que na marra. Quando você não sabe, vai lá e pergunta para alguém, até que chega o momento em que você tem de fazer a sua experiência ativa. O mesmo acontece com o professor que quer aprender a usar metodologias ativas. Ele começa fazendo pequenas experiências, com algo simples, testa isso com um grupo que é confiável e, a partir daí, replica para outras turmas, compartilhando com colegas as melhoras práticas, debatendo problemas e, também, aprendendo com seus pares. É fundamental que, ao longo desse processo, o professor realize autoavaliações periódicas para ver o que deu certo e o que não deu, com a finalidade de evoluir e caminhar rumo às experiências mais complexas. O professor que quer trabalhar com metodologias ativas precisa estar disposto a sair da zona de conforto e entender que as pessoas hoje não aprendem mais da forma como aprendiam antes. O mundo está passando por mudanças e a aprendizagem também. Quando o professor começa a trabalhar com metodologias ativas, ele também se transforma e sua relação com o aluno se reinventa, pois o próprio professor aprende mais ao considerar que o aluno também tem o que ensinar. É extremamente gratificante para o aspecto profissional, para a vida pessoal e como cidadão.

 

Neste cenário de mudanças na forma como as pessoas aprendem, qual processo avaliativo você julga ser o mais adequado e coerente?

A avaliação também tem de mudar. Ela não pode mais ser entendida como um processo de finalização que se resolve em uma prova. A avaliação é um projeto que se vai construindo, tal como um portfólio. O aluno vai construindo tudo o que é significativo para ele e vai disponibilizando em um portfólio que compartilha com o professor e com os colegas. A construção do portfólio evidencia as etapas do crescimento de cada aluno e pode ser composto por atividades resolvidas, análises, descobertas, entre outros. O portfólio pode ser entendido como o espaço de uma grande síntese. Outra forma interessante de avaliação é a por pares. Conhecer o olhar do colega é de fundamental importância para o aprendizado. A inserção da autoavaliação também é outro ponto que gostaria de destacar. Isso porque o aluno também é responsável pelo processo avaliativo, não só o professor. Então, como podemos ver, são várias as formas de avaliação que levam em conta os princípios das metodologias ativas. A explicação sobre um projeto desenvolvido pelo aluno, o compartilhamento e o debate com os colegas, por exemplo, podem conter elementos muito mais substanciais para a avaliação do que a prova. A prova não precisa mais ser o grande critério de avaliação, como nós sempre fizemos. Reconheço que é um paradigma um pouco diferente do que estamos acostumados, mas agrega mais valor ao aprendizado.

 

E como você vislumbra o futuro da educação? Quais serão as próximas tendências?

Pensar em longo prazo é muito desafiador, mas acredito que o caminho será esse: tornar o aluno menos executor e mais autônomo e empreendedor por meio de um ensino mais flexível, colaborativo, entusiasta do compartilhamento em tempo real e personalizado. Por isso, destaco o papel importantíssimo que a educação a distância desempenhará neste contexto. Quando falo em ensino personalizado, falo de uma educação adaptada às necessidades do aluno. Acredito que, neste mundo cada vez mais on-line, das coisas em tempo real, da educação com estruturas mais flexíveis, a tendência é o aluno poder fazer módulos em várias instituições, sem limites temporais e espaciais, e ter certificação parcial em várias instituições também, até compor um currículo. Certificações cada vez mais curtas, nanocertificações, na lógica do aprendizado contínuo, disponíveis para o aluno como em um cardápio, em que ele seleciona as opções que mais se atrelam às suas necessidades, também são tendência. Por isso, as universidades precisam começar a pensar em ofertas à la carte. Trata-se de uma mudança de mentalidade muito grande para instituições, coordenações, gestores, professores, para os alunos e para a sociedade. O movimento será cada vez mais o de trazer o mundo para dentro da escola e depois levar a escola para o mundo.

Entrevista
José Manuel Moran
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