revista puc minas

Artigo
Um movimento que marcou o mundo

AltinoBarbosa

Um olhar sobre Maio de 1968, 50 anos depois

Transforme o mundo, disse Marx. Mude a vida, disse Rimbaud. Esses dois slogans para nós são um, disse André Breton. Os questionamentos não surgiram de repente. Para Jacques Le Goff, os jovens estavam sufocados por um sentimento de tédio e de moralismo, estopins dessa revolução cultural que fez de 1968 o ano que mudou o mundo. A voz sufocada dos estudantes buscava uma saída, descontentes que estavam com as instituições, a política, os costumes, etc. Seus descontentamentos estavam associados à hipocrisia da sociedade, sua vinculação às relações de poder, contra a dominação e o controle da vida dos indivíduos, contra a alienação da elite em relação à miséria econômica dos oprimidos pelo sistema. Nós podemos mudar o mundo! Palavras são armas! Entre gritos de contestação, com o peito aberto, audácia e enfrentamento, essas palavras eram gritadas nas ruas das várias capitais do mundo pelos estudantes universitários, naquele mês e ano que, realmente, transformou o mundo, há exatamente 50 anos!

Os objetivos iniciais estavam associados à contestação do modelo de ensino, não apenas no seu conteúdo, mas na forma e na repetição de sua metodologia, considerada ultrapassada. Os estudantes criticavam o modelo acadêmico, o modo de ensino associado às ciências exatas e da natureza. O movimento, que teve início na Universidade de Paris, em Nanterre, na França, exigia reformas no setor educacional, mas com a adesão de outras universidades do planeta passou a reivindicar mudanças nos costumes da sociedade, na cultura e nos hábitos arraigados das gerações que os antecederam. O movimento foi fortalecido com o apoio e a participação dos trabalhadores que passaram a convocar greve geral contra os governos autoritários. O instinto pela vida, difundido na obra de Marcuse, estava associado às inquietações dos jovens ativistas e servia, na época, como parte de uma estratégia geral de luta contra o capitalismo.

Nos Estados Unidos, as manifestações de rua associavam-se à rejeição contra a Guerra do Vietnã. O cinema da Nouvelle Vague francesa, de Truffaut e Godard, fazia muito sucesso e mostrava, de forma original e provocadora, os dilemas e perplexidades do século XX. No Brasil, o Cinema Novo rompia com o moralismo e a estética dos costumes, liberando os jovens a pensar e ser como quisessem, sem seguir os padrões de comportamento e as atitudes da geração de seus pais. Nesse contexto e com o pensamento vivo de quem tinha 18 anos, jovem universitário em Belo Horizonte, esta transformação também se operava no meu corpo pela razão, pelo sentimento e pelas ações! Vindo de uma cidade do interior de Minas, sentia-me impulsionado e livre para vivenciar as experiências que o mundo me colocava à frente em todas as suas dimensões. Participava das manifestações, lia avidamente os poetas libertários, sentia-me parte do admirável mundo novo. Conectado aos movimentos dos outros estudantes de qualquer parte do mundo, buscava pela fé e pela luz que pudesse iluminar o caminho a trilhar.

Como a maioria dos jovens universitários brasileiros, participei da rebelião estudantil que tomou conta do mundo enfrentando a ditadura que havia se instalado no Brasil, do jeito que me era possível, mudando o jeito de ser e de fazer as coisas que havia aprendido, distribuindo panfletos exigindo uma democracia participativa, reclamando o direito pela liberdade individual e coletiva que estava ameaçada. Nas ruas das principais capitais brasileiras as manifestações se sucediam, assim como nos salões de arte, nas peças de teatro, nas letras das músicas, tornando o ambiente e a vida cotidiana tensa e explosiva. Em 1968, a ditadura avançava, fazendo crescer o impulso da rebeldia que se traduzia no inconformismo perante o arbítrio e a repressão do regime que dominava o país.

Vários acontecimentos contribuíram, no Brasil, para esse clima e essas manifestações. Um jovem estudante foi assassinado dois meses antes no Restaurante Universitário Calabouço, invadido pela Polícia Militar. Com os dizeres Yankees Go Home!, os estudantes reclamavam da presença americana no Brasil, que acobertava o regime autoritário do governo militar. As canções dos festivais da TV Record e o movimento Tropicalista ensaiavam uma ruptura nos arranjos e nos olhares sobre a nossa realidade, sem preconceitos ou recalques.

O assassinato do pastor Martin Luther King, em abril, nos Estados Unidos, foi o estopim para as manifestações contra a opressão. As letras e músicas de Bob Dylan, a guitarra penetrante de Jimmy Hendrix e a voz estridente de Janis Joplin refletiam o sentimento de uma nova cultura. As canções dos Beatles e dos Rolling Stones cobravam paz e o amor, ao invés da guerra.

Artistas criativos, autores e pensadores de vanguarda discutiam as novas estéticas através dos meios de comunicação, definindo a contracultura. Jovens se reuniam para discutir as revoluções socialistas, as estratégias do imperialismo, sexualidade e dominação, arquitetura e sociedade, teologia e política, questionando o positivismo vigente.

Os acontecimentos de maio de 1968 na França e seus desdobramentos na vida universitária e intelectual de hoje mostraram que é possível estabelecer princípios menos conservadores, para que os jovens possam ter espaço para discutir suas atitudes e compartilhar suas experiências. O mundo mostrou-se como um grande laboratório da liberdade individual e coletiva, sem esquecer a luta pela justiça. Maio de 68 foi marcado pela dimensão política e pelo conteúdo intelectual e social, progressivamente construído na relação entre os jovens e a sociedade instituída.

Embora ainda haja muitos caminhos a percorrer, os acontecimentos de maio de 1968 tiveram desdobramentos positivos na vida universitária e política, nos modos de viver e no comportamento das gerações que se seguiram. Nossos pais foram influenciados e compartilharam das experiências, a sociedade e os meios de comunicação estenderam as discussões para além das fronteiras, assuntos que eram tabus vieram à tona. As guerras, infelizmente, não terminaram e nem a humanidade aprendeu a ser mais tolerante em relação às diferenças. As relações do ser humano com a natureza ainda estão longe do ideal e nossas democracias ainda não conseguiram um ponto de equilíbrio satisfatório. Entretanto, continuamos resistindo e também as universidades, que reagem contra as intempéries desta época em que a democracia encontra-se em risco.

Texto
Altino Barbosa Caldeira
Em artigo, o professor Altino Barbosa Caldeira, do Curso de Arquitetura e Urbanismo e doutor pela Universidade de Sheffield (Inglaterra), relembra os 50 anos do movimento de Maio de 1968. O docente argumenta que “os acontecimentos de maio de 1968 na França e seus desdobramentos na vida universitária e intelectual de hoje mostraram que é possível estabelecer princípios menos conservadores, para que os jovens possam ter espaço para discutir suas atitudes e compartilhar suas experiências”.

A humanidade ainda necessita superar vários obstáculos, entre eles as guerras e a falta de tolerância em relação às diferenças, destaca o professor. “Entretanto, continuamos resistindo e também as universidades, que reagem contra as intempéries desta época em que a democracia encontra-se em risco.”
Ilustração
Carlos Fonseca
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