Saúde Vacina é direito e dever de todos
Com um Programa Nacional de Imunização respeitado, por que o Brasil não consegue a mesma eficiência na vacinação contra a Covid-19?
“A cada vacina, vejo os olhos da população brilharem de agradecimento e confiança. A população bem-informada
quer vacinar”
“Mais uma vacina anotada no meu cartão!”, comemora José Costa Leal, aos 86 anos. O padeiro aposentado é mais um imunizado contra o coronavírus, na maior crise de saúde pública da história brasileira, segundo dados do Observatório Covid-19, da Fundação Oswaldo Cruz. “Esperei ansioso o dia da vacinação. Sempre tomo as vacinas do SUS e sou muito agradecido”, afirma. O senhor José, com dificuldades de locomoção, recebeu o imunizante em casa. No entanto, a alegria de ser vacinado ainda está restrita a uma pequena parcela da população e isso tem dado lugar à ansiedade pela chegada do imunizante para muitos brasileiros. Reconhecido internacionalmente, o Programa Nacional de Imunização (PNI) tem uma trajetória respeitável na área, oferecendo os mais diversos tipos de vacinas à população brasileira na rede pública. Diante desse histórico, por que não conseguimos a mesma eficiência na vacinação contra a Covid-19?
Reconhecendo a importância e eficiência do PNI, o coordenador do Curso de Medicina, professor Henrique Leonardo Guerra, que é epidemiologista, diz que a experiência do Brasil com imunizações poderia ter evitado o crescimento alarmante da pandemia no país e poupado muitas vidas. “Somos um país com forte tradição em programas de vacinação. São várias campanhas bem-sucedidas, mas isso não foi capaz de conter o efeito negativo provocado pela má gestão de muitos políticos que, capitaneados pelo governo central, abraçaram o negacionismo como forma de enfrentar a pandemia”, afirma. O professor Henrique elogia a grande penetração e capilaridade do programa de vacinação. Atualmente, o Brasil tem mais de 42 mil unidades básicas de saúde. “Mais do que fortalecido, o PNI deveria ser respeitado. Trata-se de um patrimônio da saúde pública brasileira”, completa.
Na atual pandemia, o PNI não teve oportunidade de mostrar sua eficiência e a escassez de vacinas preocupa, concorda a professora Simone Campos Maia de Andrade, especialista em saúde coletiva. “Não tivemos a compra precoce das vacinas dos laboratórios produtores. Além disso, temos capacidade para a produção e distribuição de vacinas, mas faltaram investimento e vontade do governo federal no sentido de empenhar seus esforços. Assistimos a um descompasso entre as orientações da OMS e as ações do governo federal”, considera. O desencontro de informações pode ainda confundir a população. A professora lamenta a demora política na resposta ao vírus e diz que essa será uma marca negativa na história do maior sistema público de saúde do mundo, o SUS. “O governo é controverso e, desta maneira, ajuda o vírus a cumprir sua meta de infectar o maior número de pessoas. A vacinação já poderia estar bem mais avançada. Não estaríamos vendo um alto número de mortes e cidades tendo que paralisar as atividades. Perdemos a oportunidade de salvar vidas”, alerta.
Planejamento e responsabilidade
O calendário vacinal brasileiro é bastante abrangente e possui imunobiológicos de qualidade para crianças, jovens, adultos e idosos. São 28 vacinas e 13 soros gratuitos. O objetivo é alcançar altas coberturas vacinais de forma homogênea, em todos os municípios brasileiros, evitando doenças como Sarampo, Poliomielite, Tétano, Febre Amarela, Meningite, Hepatite B, entre outras. A professora Simone Campos Maia de Andrade reforça que estar em dia com a vacina é um dever social. “Vacina não é uma decisão individual. É um ato de humanidade e solidariedade”. Para ela, as vacinas estão entre as maiores conquistas da saúde na luta contra doenças capazes de acometer e matar a população, sendo a forma mais segura e eficaz de prevenção e proteção.
João Batista Pereira é um usuário constante do SUS. Morador do bairro Paraíso, região Leste de Belo Horizonte, sempre participa das campanhas de vacinação. “Para chegar aos 96 anos, um dos segredos é cuidar bem da saúde”, orgulha-se. A certeza compartilhada por João Pereira também move o trabalho da agente de saúde Rosângela Andrade. “A cada vacina, vejo os olhos da população brilharem de agradecimento e confiança. A população bem-informada quer vacinar”, constata. Rosângela busca aproximar as comunidades das equipes de saúde através da troca de informações. Ela realiza visitas domiciliares que obedecem a uma frequência e demanda das famílias e do serviço de saúde. “Muitas vezes preciso trabalhar na busca ativa do público das vacinas. Um dos meios para garantirmos essa adesão são as campanhas de conscientização e até a cobrança em emprego e viagens. Isso faz a população procurar a imunização”, conclui.
Marlete Pinheiro de Aguilar é outra profissional do SUS que trabalha no contexto da imunização. No centro de saúde Paraíso, é uma das técnicas de enfermagem que atuam na sala de vacinação. “Costumo chamar o espaço das vacinas de ‘sala saudável’. É lá que chegam os cidadãos em busca de prevenção. A prioridade da saúde pública sempre foi prevenir e é assim que tem que ser”. A profissional avalia que o apoio da população ajuda a fortalecer o SUS. Segundo ela, a adesão dos pais é alta porque está difundida a ideia do direito da criança à saúde e responsabilidade parental. Já o público adulto é mais trabalhoso e menos aderente aos calendários de vacina. “Com a pandemia e principalmente após o início da vacinação contra a Covid, sinto que a população se interessou mais pela imunização. Vejo com ânimo esta mudança de comportamento e espero um futuro com pessoas ainda mais comprometidas com a saúde e confiantes na imunização”, afirma.
Confiança na ciência
Como reflexo da atual pandemia da Covid-19 e da necessidade de salvar vidas, as vacinas contra o novo coronavírus foram desenvolvidas em tempo recorde. E essa é uma situação que deve ser vista com tranquilidade, segundo o professor Henrique Guerra. O epidemiologista ressalta a importância das agências reguladoras como a Anvisa e defende o acesso da população à informação correta. “Crises sanitárias são solo fértil para disseminação de teorias conspiratórias e negação da realidade. A missão fundamental da Anvisa e das agências similares em outros países é garantir a segurança e a eficácia das vacinas”, afirma. Ele observa que laboratórios e cientistas seguem regras rígidas de segurança e ética nos estudos clínicos. “O processo de desenvolvimento de uma vacina segue protocolos de segurança e é dividido em fases. Todas as fases foram cumpridas para os imunizantes que estão sendo utilizados hoje no Brasil”, completa.
E foi esclarecendo a população por meio da realização de grandes campanhas nacionais e apostando em imunizantes seguros que o Brasil conseguiu eliminar doenças perigosas e que marcaram gerações como a Poliomielite. “O PNI é hoje um programa indispensável, consolidado, com grande respaldo perante a comunidade científica brasileira e internacional, mas necessita ser fortalecido, pois precisamos a todo momento nos lembrar que as doenças não estão totalmente erradicadas e a vigilância não pode ser esquecida ou relegada a segundo plano. É necessário cuidarmos para que as coberturas vacinais se mantenham em patamares elevados”, afirma o epidemiologista.
No entanto, mesmo com resultados tão evidentes, os movimentos negacionistas ocasionam a desconstrução progressiva do conhecimento que é transmitido por profissionais da saúde, levando a população a um sentimento de medo, negação e descrédito de práticas efetivas de prevenção das doenças. “O desaparecimento das doenças é resultado de muitos anos com campanhas de vacinação e conscientização da sociedade. Será assim também com a Covid-19. Não sabemos quando a epidemia será controlada, mas sem o Sistema Único de Saúde nossa situação durante a pandemia seria ainda pior”, conclui Henrique Guerra.
Saiba mais
- O Programa Nacional de Imunização (PNI) foi criado em 1973;
- Atualmente, são disponibilizadas pela rede pública 28 vacinas;
- O Calendário Nacional de Vacinação contempla crianças, adolescentes, adultos, idosos, gestantes e indígenas;
- Entre as principais doenças: Sarampo, Poliomielite, Tetano, Febre Amarela, Meningite, Hepatite B, Rubéola e Gripe.