revista puc minas

Educação Interlocução e disciplina

PARA-ABRIR-(Érick,-Arthur-e-Lucas)

Escola pública na cidade de Divinópolis alia liderança, proximidade com comunidade escolar e atividades extras à sala de aula

Chegar à escola às 7h da manhã, ir direto para a fila e ter um momento de oração todos os dias e, em seguida, às sextas-feiras, cantar o Hino Nacional Brasileiro. E, se trouxe celular ou mesmo boné, mesmo que proibidos, o estudante deve passar na secretaria para deixá- los lá. Ir ao banheiro somente no intervalo do segundo e do quinto horários, mas, caso necessário, sem problema em horários diferentes desses. O que parece uma lista de regras que deixariam crianças e adolescentes aborrecidos e sem comprometimento é, na verdade, uma rotina de uma escola pública onde não se vê pichações nos muros, que são baixos e sem cerca, não se vê lixo pelo chão, nem carteiras quebradas e rabiscadas, nem cenas de violência. Não que não haja problemas, como toda e qualquer escola, mas naquele ambiente encontram-se facilmente crianças e adolescentes entusiasmados e felizes, professores comprometidos e dedicados e pais ativamente participantes do Conselho Escolar, composto também por professores e alunos, com presença assídua de todos os componentes. “A figura da diretora e o papel dela nessa escola são o diferencial nas interações, ela é amada e respeitada”, enfatiza Elisângela Paiva Pereira, que recentemente defendeu dissertação de mestrado no Programa de Pós-graduação em Educação da PUC Minas, estudo intitulado Conte-me sua história! Um palco e muitos atores em favor de uma escola pública possível: um estudo sobre interação de adolescentes em uma escola pública de periferia na cidade de Divinópolis – MG – Brasil. A orientação foi da professora Sandra Pereira Tosta.

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“A escola é preservada quase como um santuário, espaço que se respeita, mesmo estando em área de risco social”

Elisângela Paiva

Interações que são permeadas, por exemplo, com aula de leitura no passeio em frente e, ao final, um abraço dos alunos à árvore que está ali há 25 anos, mesma idade da escola. Ou o projeto Unidos pelo Barranco Bonito, sugerido por uma das professoras porque os alunos achavam-no feio e, a partir disso, houve plantio de feijão e girassol por eles próprios. Ou visitas frequentes a museus e feiras. Ou a declamação pelos estudantes, com vivacidade e interesse, de vários poemas de autores clássicos, como Trem de Ferro, de Manuel Bandeira, e Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. Atividades como essas acontecem na Escola Municipal Professor Odilon Santiago, localizada no bairro Casa Nova, área de risco social naquela cidade de médio porte do Centro-Oeste mineiro, a 120 km de Belo Horizonte. Escola que desfruta de boas notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb/MEC, acima de outras públicas do próprio município e do Estado, e cuja maioria dos alunos é de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, do governo federal, como conta a pesquisadora.

As práticas pedagógicas não foram objeto do estudo de Elisângela e sim as interações entre os adolescentes mediadas pelos adultos nas atividades extras às salas de aula. “A gente faz muita aula de leitura fora da sala de aula, lemos muitos poemas”, conta Artur Gonçalves de Souza, de 12 anos, estudante do 7º ano, que já foi aluno de escola particular. “Prefiro aqui, lá não tinha brincadeiras e leituras fora da sala de aula”, diz ele que, no ano passado, ganhou medalha de bronze na 11ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep). “Nas outras escolas não tem isso”, compara o colega Erick Jonshon Santos, de 11 anos, do 7º ano, sobre as atividades fora de sala. Para ele, a acolhida da escola é ótima, já com a funcionária Alda abrindo o portão logo cedo. “Ela fala um bom dia, e aí a gente já entra com mais ânimo para estudar”, anima-se Erick. Já Lucas Martins Moreira, 12 anos, também do 7º ano, conta que a professora de português faz brincadeiras com eles no pátio, vendando os olhos, para mostrar que cada um tem defeitos e qualidades. “Todos os professores respeitam os alunos e vice-versa. Eles são carismáticos, são bem próximos aos alunos”, conta Erick. “A escola fica mais divertida em agosto, quando a gente começa a decorar mais poemas, tem mais teatro, mais música”, diz Lucas sobre o projeto Minha Cidade Lê.

Muita força, muita força

A Muita força / Muita força /Muita força, descrita numa das estrofes do poema Trem de Ferro, sonoridade que remete ao barulho de uma locomotiva, pode ser creditada à diretora, a pedagoga Mara Regina Soares Santos, há 20 anos professora na escola, metade desse tempo como diretora. E à própria gestão colegiada, como ela mesma define, decisões que envolvem professores, alunos e pais. “A fila para fazer a oração é questão de limite, organização. Ali eu já vejo qual aluno está sem uniforme ou mascando chiclete”, descreve a professora, que dirige 439 alunos nos 1º ao 9º anos dos ensinos fundamental e básico, sendo um deles sua própria filha, tendo ali também se formado outra.

“As regras são importantes para que a disciplina aconteça”, define a diretora. Liderança que se manifesta também ao chamar os estudantes para a execução do Hino Nacional, quando todos os alunos se dirigem às filas, acompanhados pelos professores, e ela, de cima do palco, dá recados e canta junto com aqueles que assim desejam. Ela conta que a grande maioria dos alunos respeita as regras, mas alguns tentam burlá-las. “É preciso ter transparência, não posso ser omissa, permissiva. Tenho que olhar com clareza para o objetivo e a proposta de trabalho”, diz.

Para Elisângela, o que chama a atenção é o tipo de relação que é estabelecida na escola, não tendo presenciado, no trabalho de campo ali desenvolvido, quaisquer brigas entre os estudantes ou problemas com bullying. “Espaços sadios, onde o limite é o respeito ao espaço dos outros”, observa. Durante o trabalho de campo, ao longo de dez meses, ela diz não ter visto aluno ser suspenso ou qualquer professor reclamando da escola. “Esta é uma escola que dá certo por causa do sentimento de pertencimento. As notas no Ideb são importantes, mas a escola tem conseguido ir além ao promover boas relações entre os alunos e a comunidade escolar, o que de fato favorece a formação integral para a vida”.

Atualmente no quarto mandato, três consecutivos, a diretora Mara conta que, no período no qual não exerceu o cargo, o nível de disciplina na escola caiu, “não foi dada continuidade em muitas coisas”. Um dos reflexos, de acordo com ela, foi justamente a piora na nota do Ideb nesse período. A escola tem fila de espera para o 2º, 5º, 7º e 8º anos, o que não é comum no município, de acordo com a própria diretora.

Nadando contra a maré

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“É preciso ter transparência, não posso ser omissa, permissiva. Tenho que olhar com clareza para o objetivo e a proposta de trabalho”

Diretora Mara Santos

Supervisora pedagógica há dez anos em um colégio particular na cidade, a pesquisadora Elisângela chama a atenção para o que ela considera este exemplo de uma “escola pública possível”: “Não está em nossas mãos a construção de prédios ou o aumento de salários, por exemplo. Mas, como educadores, o que está ao nosso alcance é o que ninguém nos tira, ou seja, o inconformismo com o fracasso e fazer dar certo, o que independe da estrutura física”, reflete ela, que credita as boas notas da escola no Ideb também às práticas pedagógicas diferenciadas.

Professora de inglês, Vânia Gomes dos Santos sente que ali é uma escola diferente. Ao chegar há dez anos para lecionar, disse que ficou impressionada com os muros baixos e lembra uma frase sempre repetida pela diretora Mara: “Qual é a escola dos nossos sonhos?”. Estamos tentando colocar isso em prática, com todas as limitações, conta Vânia. “No ano passado, na hora do café, alunas fizeram surpresa para os professores, declamando poemas para nós. Foi a primeira vez que vi isso acontecer”, diz ela, que é aposentada pelo Estado. Ela conta ainda que pais integrantes do Conselho Escolar agradeceram aos professores o trabalho desenvolvido.

A interação com a vizinhança também está no cotidiano da escola. Por exemplo, dono de fazenda que fica aos fundos ajuda a capinar o mato da entrada da instituição e nas festas juninas colabora financeiramente. Outra atividade voltada para a comunidade escolar, que inclui também os moradores vizinhos, é o Amor Exigente, grupo de autoajuda que se reúne quinzenalmente. “A escola é preservada quase como um santuário, espaço que se respeita, mesmo estando em área de risco social”, comenta a pesquisadora.

A orientadora do estudo, professora Sandra Tosta, diz que ouvir alunos, professores, pais e funcionários é importante para que a direção da escola tenha um termômetro mais ampliado do que é o dia a dia da instituição. E que a gestão participativa, tal como é feita pela diretora Mara, é viável em qualquer instância, seja municipal, estadual ou federal. “Este é um exemplo de escola pública de periferia que deu certo. Geralmente, as pesquisas mostram que essas escolas não conseguem cumprir seu papel social que é o de socializar e ensinar, numa perspectiva de desenvolvimento integral do aluno”, diz a orientadora. O exemplo de gestão da diretora Mara acaba por afirmar, por um lado, a possibilidade e importância da escola e, por outro, que o fracasso da escola é, também, o fracasso da comunidade escolar como um todo, pontua Sandra Tosta.

Mas a diretora Mara conta que já houve invasão na escola, embora garanta que não por ex-alunos. Quando problemas mais sérios envolvem estudantes ou mesmo a comunidade escolar, a diretora convoca o Conselho Escolar, decisão colegiada que encaminha o caso ao Conselho Tutelar. Também na ocasião em que um bebedouro havia sido furtado, a diretora se reuniu com os alunos, que garantiram: “Quem fez isso não é da nossa escola”. Prática do diálogo que parece ser frequente da diretora para com a comunidade escolar. O que resulta em um ambiente feliz e de educação de qualidade, um direito de todos.

A escola que dá certo

Uma boa gestão deve:

  • se abrir para a contemporaneidade, ser mais plural. Precisa compreender melhor os alunos e traduzir isso nos princípios do projeto político-pedagógico
  • fazer dialogar o conhecimento que se produz na escola com os demais saberes que se aprendem fora dela
  • possuir direção aberta e compartilhada com a comunidade escolar
  • pensar a instituição coletivamente, com seus inúmeros e diversos sujeitos. É preciso aprender e considerar as opiniões e manifestações de todos, defender sempre a qualidade do ensino e ter como parceiros alunos, pais, professores, funcionários e instituições. A defesa dos interesses da escola deve ser sempre uma meta compartilhada, incluindo a discussão sobre tudo que possa favorecer o bom clima social no ambiente escolar
  • manter um grupo de professores que comunguem desses ideais e atue de modo educativo, a fim de compreender e interagir com a comunidade escolar daquela área.
  • Fonte: Profª. Sandra Pereira Tosta, do Programa de Pós-graduação em Educação da PUC Minas

Texto
Leandro Felicíssimo
Fotos
Marcos Figueiredo
Os estudantes Erick, Artur e Lucas: “A gente faz muita aula de leitura fora da sala de aula, lemos muitos poemas”
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