Psicologia Morando nas redes

A construção da identidade de adolescentes no ambiente virtual

“O relacionamento nas redes não é homem-máquina e sim de pessoa para pessoa, ele está buscando as pessoas”

Evandro Mineiro, autor de dissertação

Quem é pai, mãe ou outro familiar de um adolescente já deve ter tido a impressão (ou certeza) de que o filho, o sobrinho ou o neto não conversa direito com quase ninguém mais em casa, permanecendo no celular ou outro dispositivo móvel por horas e horas a fio ou frequentemente checando as redes sociais virtuais. Mas já pensou que, nessas redes, ele está sim conversando com muitas pessoas e ao mesmo tempo?

Dois estudos recentes, uma tese de doutorado e uma dissertação de mestrado, defendidos no Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUC Minas, refletem sobre os sentidos subjetivos das redes sociais virtuais para os adolescentes. Ou seja, como eles estão constituindo a própria subjetividade a partir das redes sociais, subjetividade esta que pode ser também entendida como construção da identidade, revelando de que forma a relação social virtual impacta nesses sujeitos e nos outros com os quais se relacionam nesse meio, explica a psicóloga Vanina Costa Dias, autora da tese intitulada Morando na Rede – Novos Modos de Constituição de Subjetividades de Adolescentes nas Redes Sociais –, que teve orientação da professora Maria Ignez Costa Moreira, do Programa de Pós-graduação, e co-orientação da professora Cristina Ponte, da Universidade Nova de Lisboa, Portugal. O que a internet traz para essas relações é a mudança na forma como os pais e educadores podem acompanhar o uso e a própria publicização da imagem dos adolescentes por eles mesmos, como isso impacta na vida deles no dia a dia, além de como os adolescentes lidam com a manutenção da segurança pessoal nas redes, descreve a autora.

“O que mudou não é a forma de nos constituirmos socialmente, e sim o território no qual a compartilhamos. Hoje há um espaço social desterritorializado, e isso amplia o espaço e o campo social”, analisa Vanina na tese.

Evandro Ornelas Mineiro, autor da dissertação intitulada O Sentido Subjetivo das Redes Sociais para os Adolescentes, aponta o paradoxo que deixa os familiares muitas vezes de cabelo em pé: “Têm-se a impressão que os jovens não conversam mais, mas eles estão conversando e muito. A forma é que é diferente. Embora pareçam solitários diante de suas telas digitais, eles estão conversando com muitas pessoas e vivenciando intensamente experiências no meio virtual”, explica o pesquisador. “O relacionamento nas redes não é homem-máquina e sim de pessoa para pessoa, em uma relação cuja percepção da mediação tecnológica cada vez mais se dilui”, frisa Evandro Mineiro, que tem formação em Produção Multimídia. A dissertação teve a orientação da professora Márcia Stengel, também do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade. Ele entrevistou dez adolescentes, de 14 a 16 anos, de um colégio particular na Região Oeste de Belo Horizonte.

Maria Carolina Vieira Lima, 17 anos, atualmente no 2º ano do ensino médio no colégio particular na Região Oeste da capital, diz que sua mãe utiliza as redes sociais até mais que ela, e Maria Carolina até briga com ela para que saia do celular. A adolescente também concorda que os jovens não conversam mais como antigamente: “Hoje você não os vê mais brincando na rua, não conversam mais pessoalmente, perdeu-se o contato físico. Mas a troca de ideias aumentou”, pondera a estudante. Mesmo assim, ela admite que há momentos em que se sente sozinha: “Queria estar com alguém conversando [presencialmente]”.

De qualquer forma, “o que veio para ficar é o hábito da sociabilidade pelo meio virtual, que se estabeleceu como um espaço social também da vida cotidiana, assim como a escola, a igreja”, considera o pesquisador Evandro. Ele lembra ainda a facilidade de migração dos adolescentes de uma rede social digital para outra, como WhatsApp, Facebook, Instagram, Snapchat, e a intensidade de horas de uso diário.

Extensão das relações

“O que mudou não é a forma de nos constituirmos socialmente, e sim o território. Hoje há um espaço desterritorializado, e isso amplia o espaço e o campo social”

Pesquisadora Vanina Dias

Outro alento para os pais é uma das conclusões a que chegou Vanina Dias na tese de doutorado: apesar de a internet ocupar um lugar “fundamental” nas relações entre os adolescentes, eles utilizam as redes sociais virtuais como complemento e extensão e não substituição das relações que estabelecem fora dessas redes. “Eles não deixam de ter o contato presencial para ficar só no virtual”, garante a pesquisadora, realidade que, de acordo com ela, se repete nos Estados Unidos e Europa.

Vanina entrevistou, para o estudo, 25 adolescentes de 13 a 18 anos do ensino médio de um colégio particular e de uma escola pública da cidade de Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Na redes sociais virtuais, diz Evandro, vivem-se os mesmos sentimentos da vida real, como alegria, raiva, tristeza, e desentendimentos que muitas vezes começam nas redes e terminam no contato físico mesmo. Maria Carolina diz que postagens indiretas no WhatsApp de uma colega para outra geraram, no dia seguinte, discussão cara a cara. “Não há muito filtro de informação que vai chegar, são várias vias, então sentimentos podem variar muito a partir do que se está exposto”, pontua Evandro.

E os sentimentos de ter que se afastar das redes muitas vezes são o de tristeza, solidão, depressão. Por exemplo, cita o autor, se um pai ou mãe retira o celular do adolescente, por considerar que está tempo demais nessas redes, muitos deles dizem que não têm o que fazer. Apesar de dizer que não posta muita foto nas redes sociais e de não se importar muito com curtidas dos outros, Daniel Silas, 14 anos, do 1º ano do ensino médio no mesmo colégio no qual Maria Carolina estuda, admite que “às vezes dá uma certa tristeza de não ter certas curtidas com uma postagem específica minha”, diz o estudante, que utiliza as redes sociais desde os 11 anos.

Publicização dos momentos

Eduardo, com Leonardo e Leoni: “Provavelmente se pudéssemos utilizar celular na escola não iríamos jogar totó ou pingue-pongue”

Um dos pontos que fazem com que os adolescentes gostem tanto das redes virtuais é a publicização dos momentos sociais deles, como se, ao postar fotos, se sentissem como se estivessem aproveitando melhor a vida, aponta Vanina. “Quanto mais seguidores, maior a sensação de poder”, analisa.

As características marcantes dos adolescentes no dia a dia, como, por exemplo, o mais sociável, ou o mais popular, também se reproduzem nas redes sociais virtuais, comenta Vanina. É o que confirma Leonardo Antônio Gomes da Silva, 12 anos, estudante do 7º ano do ensino fundamental no colégio particular de Pedro Leopoldo. Para ele, uma pessoa que é mais alegre na escola consegue mais amigos também nas redes sociais virtuais. Já uma pessoa mais tímida em geral não gosta de ficar postando, comenta o colega Eduardo Magno Souza Costa, de 18 anos, do 3º ano do ensino médio no colégio.

E atitudes que nas relações sociais se caracterizam como vícios também se reproduzem nas redes sociais virtuais. Mas, de acordo com Vanina, a maioria dos adolescentes entrevistados disse que não seria vício o uso que faz dessas redes. “Eles não percebem isso como patologia, mas como repetição de algo que faz falta para eles”. Eles percebem como vício o estar muito tempo conectado e deixar de fazer outros tipos de atividades de que gostam, como encontrar amigos ou jogar bola, por exemplo. “Mas, para nós especialistas, o tempo e o tipo de uso podem ser considerados vício sim”, ressalta a pesquisadora.

Leonardo e Eduardo admitem se sentir viciados no uso da internet, já que a todo momento têm necessidade de olhar as redes sociais. Os dois e Leoni César Alves Moreira, de 16 anos, do 3º ano do ensino médio do mesmo colégio, dizem não se imaginar sem internet. “Provavelmente se pudéssemos utilizar celular na escola não iríamos jogar totó ou pingue-pongue, por exemplo”, admite Eduardo.

Pouca preocupação com o conteúdo

Na pesquisa de Vanina, os adolescentes dizem que a maioria dos pais se preocupa com o tempo que permanecem conectados às redes e não com o conteúdo em si que ali consomem ou expõem. Pais e educadores precisam estar mais atentos ao conteúdo e não somente ao tempo de uso, aconselha a pesquisadora.

O estudante Leonardo diz que tem a família inteira no Facebook e que seu pai sempre verifica o que ele está ali fazendo, mas isso não o incomoda, conta o aluno. Leoni diz que os pais não o controlam no uso das redes, desde que viram que tinha maior maturidade. Os conselhos que os pais dão a Eduardo são, por exemplo, os de tomar cuidado ao sair para se divertir e não postar aonde vai, conta o estudante.

É justamente esse um dos lados negativos no uso das redes sociais virtuais: a ampliação de um mundo social com estranhos, o que pode dar a eles uma condição de vulnerabilidade, sem sair de casa, lembra Vanina: “Isso pode se efetivar já que os adolescentes são mais aventureiros”. Eduardo diz que, ao jogar na internet, acaba conversando com o outro jogador, que nunca viu. Já Leonardo bloqueou um desconhecido que tentava contatá-lo pelo WhatsApp.

Mas os adolescentes também ressaltaram o lado positivo das redes sociais virtuais: o aprofundamento dos laços de amizade (por exemplo, mudar de escola já não é tão problemático quanto no passado); e o acesso à informação de maneira muito mais ampla.

Uma das autoras que Vanina dialoga na tese é a americana Danah Boyd (2014), que sustenta: “Os adolescentes precisam de liberdade para explorar e se expressar, mas todos nós nos beneficiamos vivendo em um ambiente em que há uma rede de segurança social, onde as pessoas se reúnem para certificar-se de que todo mundo está no mundo”.

Vanina considera importante uma mediação mais próxima dos pais com os filhos. “Se entendemos o que os adolescentes fazem na internet, podemos dar conselhos mais proveitosos, inclusive para o uso da tecnologia e nos beneficiaremos disso”. E aconselha, seguindo outra pesquisadora portuguesa, Cristina Ponte, que haja a chamada mediação instrutiva, que se caracteriza por conversar, explicar que sentidos e significações a rede pode construir para o adolescente.

Mas um encontro face a face com familiares e amigos parece que nunca perderá sua importância: “Se eu estiver conversando ao lado de uma pessoa e ela não larga o celular, isso me incomoda muito”, admite Maria Carolina. Talvez seja exatamente essa atenção que todos querem, sejam idosos, adultos, adolescentes ou crianças.