Política Mulheres ainda longe da política
Pesquisa desenvolvida no Campus Contagem analisa a participação feminina no Legislativo em Minas Gerais
A participação das mulheres na vida política brasileira começou há 83 anos, quando em maio de 1933, na eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, pela primeira vez a mulher brasileira pôde votar e ser votada em âmbito nacional. Sete décadas depois, elas passaram a ser maioria no universo de eleitores do país. Dados do Tribunal Superior Eleitoral apontam que, desde 2000, o número de mulheres eleitoras ultrapassa o de homens. Mas, nas eleições municipais de 2016, pela primeira vez, o eleitorado feminino é maior que o masculino em todos os estados da federação, que possui, atualmente, mais de 144 milhões de votantes, sendo 75.226.056 mulheres cadastradas na Justiça Eleitoral, 6,4 milhões a mais que homens.
Os números sobre o eleitorado feminino, a cada eleição maiores, mostram uma evolução na participação das mulheres como cidadãs. Entretanto, a ocupação de cargos públicos por mulheres envolvidas na política, embora esteja em ascensão, ainda é baixa, pelo menos no Estado de Minas Gerais (dados referem-se à situação anterior às eleições municipais de 2016): dos 853 municípios mineiros, apenas 71 são liderados por prefeitas. No Legislativo, as mulheres ocupam apenas cinco das 77 cadeiras disponíveis na Assembleia Legislativa, e uma das 41 cadeiras da Câmara Municipal de Belo Horizonte. É o que retrata a pesquisa Parlamento e Gênero em Minas Gerais: diagnóstico da participação das mulheres no Poder Legislativo, desenvolvida, por meio do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIP), pelas professoras Glays Guerra e Júlia Calvo, juntamente com os estudantes Jéssica Martins e Lucas Garro, alunos do 6º período do Curso de Direito do Campus Contagem.
Para construir um diagnóstico da participação feminina no Poder Legislativo mineiro, o grupo limitou seu universo de pesquisa e escolheu, de forma aleatória, seis das 12 mesorregiões que compõem o Estado de Minas Gerais, sendo elas: Central Mineira, Jequitinhonha, Norte de Minas, Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, Vale do Mucuri, e Zona da Mata. Ao todo, a pesquisa envolveu um total de 424 municípios e 422 vereadoras. Depois dessa seleção, o trabalho foi dividido em duas partes. Primeiramente, os pesquisadores catalogaram e identificaram as informações básicas sobre todas as mulheres eleitas, como nome, idade e estado civil. As informações foram retiradas da base de dados do site Eleições 2012, uma página que organizou e sistematizou as informações disponíveis pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de maneira mais simples que os sites destes tribunais. Logo após, foram buscadas informações sobre a atuação político-legislativa dessas mulheres, em sites das Câmaras Municipais, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e das casas do Congresso Nacional, além de sites pessoais e redes sociais das vereadoras pesquisadas. Nesta segunda parte, foram reunidas informações sobre suas atuações, como vinculação partidária, profissão, histórico de sua atuação política, grau de instrução e projetos propostos durante o mandato.
Entre as percepções mais relevantes da pesquisa destaca-se o fato de a participação da mulher na política mineira ainda ser bastante restrita. De acordo com os dados analisados pelo grupo, em 2012, concorreu ao cargo de vereação em todo o Estado um total de 21.760 mulheres, enquanto o total de homens concorrendo foi de 45 mil. Desta forma, o número de homens concorrendo foi um pouco mais do que o dobro do número de mulheres. Ao se analisar o número de mulheres eleitas, essa diferença passa de pouco mais do dobro para quase oito vezes, ou seja, dos 45 mil candidatos, 7.498 foram eleitos. Por outro lado, das 21.760 candidatas, apenas 940 foram eleitas. “Isso significa que elas ocupam apenas 11% do total das vagas de vereadores no Estado”, conclui Glays Guerra. Para ela, a participação da mulher na política ainda é baixa por questões, sobretudo, de natureza cultural. “A participação da mulher na política é algo que vem sendo paulatinamente construído, pois pesa sobre a mulher o papel que lhe foi colocado pela própria história”, explica.
Representatividade e cidadania
Única mulher em meio aos 41 vereadores que compõem a Câmara Municipal de Belo Horizonte, Elaine Matozinhos concorda que a representatividade feminina ainda é baixa, mas acredita que esse cenário está em transformação. Em seu quinto mandato eletivo – um de deputada estadual e quatro de vereadora – a fundadora das Delegacias Especializadas de Crimes contra a Mulher de Belo Horizonte e Delegacia de Proteção ao Idoso disputou o seu primeiro mandato ao perceber que a falta de representação política da mulher nas esferas de poder muitas vezes inviabilizava ações importantes destinadas a garantir cidadania.
Para ela, diversos motivos podem justificar a baixa participação feminina na política, como a falta de estratégias que conduzam à igualdade de oportunidade, por parte dos partidos políticos; a falta de prestígio às candidaturas das mulheres, que resultam em pouco espaço e poder de decisão em suas agremiações políticas; e o fato de, muitas vezes, as mulheres enfrentarem jornada dupla entre trabalho remunerado e o trabalho doméstico e cuidado com os filhos. “Acredito que o fato de estarmos sobrecarregadas com muitas demandas e atribuições da vida cotidiana acaba nos deixando muito pouco tempo para que possamos nos dedicar efetivamente à vida pública, mas também acredito que estamos avançando nessa questão, pois, apesar de todas as dificuldades, é inegável o aumento da participação feminina nas instâncias de poder, mesmo que de forma gradativa”, opina, citando que a Lei nº 12.034/2009, ao determinar o preenchimento de 30% das vagas em suas chapas proporcionais para candidaturas de mulheres, tem contribuído para que os partidos políticos busquem amparar e apoiar as mulheres na vida pública e política.
Júlia Calvo ressalta, porém, que a obrigatoriedade que os partidos têm de lançarem as candidatas não necessariamente converte em apoio às suas campanhas. “O partido é obrigado a lançar as mulheres porque existe uma cota, mas o fato de eles precisarem lançar candidatura feminina não quer dizer que eles tenham que eleger as candidatas. Como o nosso voto é proporcional, isso significa que temos um quociente eleitoral calculado entre o número de eleitores e o número de cadeiras. Cada vez que o partido alcança essa cadeira, ele tem uma vaga. Então, não interessa se essa vaga é para uma mulher ou para um homem. A gente não tem um sistema de revezamento, ora entra uma mulher, ora entra um homem, como acontece em alguns países. No nosso caso, é do candidato mais votado para o menos votado”, pondera. Para a professora, essa é a razão de o financiamento de campanhas das mulheres ser baixo.
Herança familiar
Outra característica apontada na pesquisa é o fato de, em Minas Gerais, a política ser encarada, em algumas regiões, como tradição familiar, herdada, sobretudo, do pai, irmão ou marido. É o caso de Isabella Filaretti. Formada em Ciências Contábeis pela PUC Minas Contagem, ela ingressou na carreira política não por influência direta do pai, mas por ter contato, desde criança, com esse universo. “Meu pai foi vereador pela primeira vez quando eu tinha apenas dois anos. Ele sempre fez questão da nossa participação e engajamento político. Contudo, nunca houve incentivo direto dos meus pais para que ninguém de nossa família também exercesse cargo público”, conta Isabella.
Para ela, que ingressou na carreira política muito jovem, aos 22 anos, a participação de mulheres e de jovens na política ainda é incipiente, mas, gradativamente, ganha espaço e torna-se mais democrática e acessível. “Acho que o jovem brasileiro está cada vez mais engajado e participativo em todas as questões políticas. Basta ver as redes sociais: um dos assuntos mais comentados é política”, argumenta. Única mulher em meio aos 21 vereadores que compõem a Câmara Municipal de Contagem, ela relata que, por vezes, foi complicado representar sozinha a maioria da população do município. “O empoderamento feminino está, sim, em ascensão, mas todo processo de conscientização é lento”, opina.