Cidade Na trilha da urbanização
Curso de Arquitetura e Urbanismo trabalha há cinco anos com moradores de áreas de ocupação, vilas e favelas
Mesmo sem saber do que se tratava, o casal Edna Gonçalves de Souza, 52, e Luiz Lacerda de Souza, 44, líderes comunitários da Ocupação Esperança, região da Izidora, Norte de Belo Horizonte, decidiu apostar, com o apoio da PUC Minas, em uma técnica de urbanização sustentável, simples e barata para dar uma destinação adequada à água da pia, chuveiro, tanque e outros. Antes da implantação do Círculo de Bananeira, as águas iam para as ruas, causando erosão, lama e sujeira. “A gente ficou surpreso, achamos que não ia dar certo. Fomos os primeiros a fazer, e depois que a gente fez e deu certo expandimos para toda a comunidade com a ajuda dos professores. Foi um bem muito grande”, lembra Edna. “A comunidade tem que ter foco, e a PUC quando entrou aqui pôs o foco na comunidade, que começou a trilhar caminhos diferentes”, afirma Luiz.
O Circulo de Bananeira é uma das técnicas que o Curso de Arquitetura e Urbanismo, por meio do Escritório de Integração (EI) e atualmente o projeto de extensão Prosa (Escola de Formação de Autoprodutores em Processos Socioambientais), vem, há cinco anos, trabalhando com moradores de áreas de ocupação, vilas e favelas da capital e Região Metropolitana. “A assessoria técnica consiste na elaboração de instrumentos para os moradores conseguirem continuar na luta pelos direitos à cidade”, explica a professora Viviane Zerlotini, coordenadora do EI e do Prosa. De acordo com ela, o trabalho também tem auxiliado o poder público em um melhor entendimento sobre esse tipo de ocupação urbana.
O Escritório de Integração é um centro de extensão vinculado à pesquisa e ao ensino, previsto no projeto político-pedagógico do Curso de Arquitetura e Urbanismo.
Entre os instrumentos utilizados, estão mapas, cartilhas, laudos e plantas técnicas, planos urbanísticos, além do apoio para a implantação de sistemas de captação de água da chuva, fossa ecológica e vala de infiltração com o uso de resíduos sólidos da construção civil. O último deles, inclusive, recebeu em julho deste ano o selo de certificação de tecnologia social, pela Fundação Banco do Brasil. “A vala de infiltração compreende a busca por alternativas de urbanização sustentável, que tentam reverter uma série de problemas ambientais, urbanísticos, que os padrões de urbanização da cidade formal apresentam e de maneira acessível para a comunidade”, afirma o professor Eduardo Bittencourt, coordenador de Extensão do curso, integrante do EI e colaborador do Prosa.
Outro destaque é o mapa de capacidade e suporte do sítio, elaborado com o auxílio de softwares de geoprocessamento e voos de drone. “O mapa é uma representação cartográfica que considera os vários aspectos físicos, geológicos e antrópicos na definição das necessidades ambientais e das ações para reabilitação ambiental e urbana de um território”, esclarece o professor Sílvio Motta, que desenvolve projeto de pesquisa sobre metodologias de planejamento e apoio na tomada de decisão para ocupação territorial. “O principal benefício é ampliar a participação consciente da comunidade”, diz.
Segundo a professora Viviane, a assessoria técnica vai ofertar ainda, a partir da demanda dos próprios moradores, mutirões, oficinas, aulas, sempre fazendo a adaptação das técnicas, dispositivos e instrumentos para a realidade local, visando à requalificação ambiental do território. O trabalho conta com parcerias internas e externas e envolve alunos e professores, da graduação e pós-graduação, além de funcionários. Quando em áreas de ocupação, a atuação se dá em um espaço de conflito com o envolvimento de vários atores: o Estado, os proprietários dos terrenos, moradores, movimentos sociais e universidades que apoiam a luta por moradia.
A defensora pública Cleide Aparecida Nepomuceno conta que, no caso do conflito possessório das ocupações urbanas, as plantas ajudaram na interlocução do poder público com os requerentes das ações de reintegração de posse. “O trabalho é importante para a sociedade porque de forma neutra e imparcial ajuda na construção do conhecimento e de informação que são ferramentas essenciais para a autonomia dos indivíduos em situação de vulnerabilidade social e econômica na busca de seus direitos”, diz.
Outras possibilidades
Funcionária do laboratório Canteiro em Obras, a arquiteta e urbanista Caroline Cristiane Rocha esteve em diversas ocasiões em áreas de ocupação, vilas e favelas. Ela conta que, quando estudante, foi extensionista de vários projetos e essa experiência a ajudou a enxergar outras possibilidades de atuação. “Foi uma grande oportunidade que apareceu para mim na minha área de atuação profissional, porque achei que ia fazer trabalho só em escritório, mas vi que poderia fazer uma transformação na sociedade”, conta. “Não fosse a extensão, não iria conhecer de jeito algum esse campo da assessoria técnica. Foi muito importante mesmo”, completa.
Círculo de Bananeira
O Círculo de Bananeira é uma técnica de urbanização sustentável, na qual as chamadas águas cinzas – provenientes de pias, tanque e chuveiro, por exemplo – são conduzidas por canos para um buraco na terra, preenchido com pedra, galhos grossos e finos, resíduos de poda, entre outros materiais. Bananeiras são plantadas no entorno, com o objetivo de absorver os efluentes e manter o sistema úmido para que as bactérias processem a matéria orgânica lançada no local.