Direitos Humanos Cartas do cárcere
Alunos passam a conhecer a realidade do sistema prisional por meio de projeto de extensão
“Recebemos cartas com pedidos variados: alguns querem encontrar um parente, outros precisam de materiais de higiene pessoal, mas a grande maioria é solicitando a revisão da pena”
Professor Amarildo Fernando de AlmeidaVicente estava preso há mais de cinco anos em um presídio em São Joaquim de Bicas (Bicas II), na Região Metropolitana de Belo Horizonte, acusado de cometer dois furtos simples. Ele foi absolvido em uma acusação e condenado na outra a uma pena restritiva de direito de um ano, a qual não gera reclusão. Não frequentar lugares públicos em determinados horários ou se apresentar ao fórum uma vez por mês são exemplos de penas restritivas de direito. Vicente reconquistou a liberdade, por determinação da justiça, graças à leitura, análise e devido encaminhamento de uma carta sua endereçada à Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Belo Horizonte. “A partir da leitura e análise da correspondência, foram descobertas várias ilegalidades”, explica Massimiliano Russo, advogado e voluntário na Pastoral Carcerária.
Trata-se do projeto de extensão Cartas e Necessidades Encarceradas, cujo objetivo central é o atendimento das demandas de presidiários a partir da leitura e análise de suas correspondências. O contato com cartas como a de Vicente e de tantas outras pessoas privadas de liberdade proporciona a estudantes dos cursos de Direito, Psicologia, Medicina, Filosofia e Teologia da PUC Minas, que participam do projeto de extensão, um contato inicial com a realidade do sistema prisional. “Queremos que nossos alunos conheçam a realidade do sistema prisional brasileiro”, explica o professor Amarildo Fernando de Almeida, coordenador do projeto.
A Pastoral Carcerária recebe, em média, 300 cartas por mês, “um volume muito alto”, como informa Maria De Lourdes Oliveira Silva, coordenadora estadual da Pastoral Carcerária da Regional Leste 2, aluna de Direito da PUC Minas e extensionista no projeto. Os integrantes da iniciativa já analisaram e responderam, em média, 200 cartas desde a criação do projeto, em 2015.
Segundo o professor Amarildo, as demandas são diversas. “Recebemos cartas com pedidos variados: alguns querem encontrar um parente, outros precisam de materiais de higiene pessoal, mas a grande maioria é solicitando a revisão da pena”, explica.
Além de encontros para a leitura e encaminhamento das cartas das pessoas privadas de liberdade, os alunos extensionistas participam de reuniões de formação, planejamento, estudos e pesquisas sobre o sistema prisional brasileiro, e de visitas técnicas a diferentes unidades prisionais a fim de conhecerem realidades distintas.
Por ouvir de outros colegas sobre o projeto e por ter interesse em trabalhar com pessoas em situação vulnerável, João Pedro da Silva Souto, aluno do Curso de Direito, decidiu participar do projeto Cartas e Necessidades Encarceradas, no início do ano. A partir de uma formação inicial, ele aprendeu sobre o caráter punitivo do sistema prisional. “A pena existe para mostrar ao preso o seu erro, mas o objetivo é que ele volte para a sociedade”, observa. Ele lembra que, de acordo com o Direito Penal, as pessoas retiradas do convívio por cometerem um delito devem ser ressocializadas. “Mas, na prática, não é isso o que acontece. Muitas vezes, o que vemos é a desumanização das pessoas. E a pena não é cumprida apenas pelo condenado, mas por todos os familiares que precisam passar, por exemplo, por vistorias constrangedoras”, avalia.
Além do desrespeito aos direitos humanos, manter pessoas reclusas erroneamente gera outros problemas de ordem econômico-sociais. “As pessoas não têm noção do quanto isso custa caro para a sociedade, seja pelo valor financeiro que o Estado gasta para manter um preso, seja pelo impacto social na segurança pública. Afinal, a partir das teorias de que o sistema prisional não ressocializa ninguém, um sujeito que, em tese, é inocente, pode se tornar um criminoso na cadeia”, pontua o advogado Massimiliano Russo.
O projeto Cartas e Necessidades Encarceradas, fomentado pela Pró-reitoria de Extensão, apresenta resultados de curto e médio prazos. A partir da iniciativa, os alunos passam a conhecer a realidade do sistema prisional para além das teorias estudadas em sala de aula e passam a ter uma visão mais crítica da lei e do sistema. “Participar do projeto é muito bom, pois trabalhamos com a questão dos direitos humanos dentro do Direito Penal. Aprendemos sobre as leis, mas também abordamos a questão humana do preso. O projeto abre nossos olhos, desperta nosso lado crítico e nos faz ver a situação na qual o preso se encontra”, explica João Pedro.
Resultados positivos
A formação dos alunos também é vista como um resultado de médio prazo. “Como futuros operadores do Direito, eles poderão exercer sua função com um outro olhar”, afirma Maria de Lourdes, que está na Pastoral Carcerária desde 1999. João Pedro acredita que participar do projeto de extensão tem sido uma forma exitosa de conhecer a realidade do sistema prisional, que muitas vezes vai além da teoria que é estudada. “Não só para conhecer a realidade, mas para despertar em mim a vontade de mudá-la. A partir das realidades conhecidas, podemos buscar alternativas para transformá-las”, explica.
O projeto de extensão também é uma forma de divulgação do trabalho realizado pela Pastoral Carcerária e atrai voluntários que passam a fazer parte da equipe. “A iniciativa também é uma forma de despertar nos alunos o interesse por pesquisarem temas referentes ao sistema prisional”, explica o professor Amarildo. Tais pesquisas e projetos podem, na avaliação de Maria de Lourdes, auxiliar a Pastoral Carcerária: “Assim, podemos dar uma assistência mais eficaz aos presos e suas famílias. Passa a ser um norte para propormos projetos dentro das unidades prisionais”.