A sustentabilidade é um assunto cada vez mais presente em todas as vertentes de consumo. E no que se refere à alimentação, não seria diferente. Pesquisadores do Curso de Nutrição da PUC Minas Barreiro vêm estudando um destino alternativo para as cascas, caroços e amêndoas de frutas. Ao longo dos doze anos de pesquisa, já são quase 20 farinhas produzidas com coprodutos, que são os resíduos das frutas, como cascas e caroços de abacate, laranja, banana, limão, abacaxi, semente de melão e de mamão e entrecasca de melancia.
A professora Michely Capobiango, uma das orientadoras da pesquisa, conta que o primeiro resíduo a ser investigado foi o caroço de abacate. “Hoje estudamos mais as frutas, mas no início, em 2010, pesquisávamos também as verduras. Após conseguirmos preparações com o emprego da farinha de caroço de abacate, passamos a desenvolver outras”, explica. A escolha das frutas que seriam usadas durante a pesquisa foi feita com base na facilidade de acesso pela população, já que um dos objetivos é levar o produto para a mesa das famílias. “Pensamos em utilizar a romã, por exemplo, por causa do alto poder antioxidante, mas por ser difícil encontrar nos hortifrútis decidimos dar preferência para frutas mais acessíveis, como o mamão”, diz a professora Sabrina Alves Ramos, coordenadora do Curso de Nutrição e orientadora da pesquisa.
Ao estudar uma logística de acesso da comunidade à preparação das farinhas, a equipe vem desenvolvendo um e-book para ensinar a população a produzi-las e usá-las nas receitas. “São pesquisas de resultados muito positivos e boa aplicabilidade. Os resíduos são produzidos a todo momento e podem ser melhor aproveitados, não só pelo viés sustentável, mas também pela riqueza de nutrientes”, pondera a professora Michely. As pesquisadoras têm ciência do longo caminho a percorrer na política de reutilização das cascas de frutas em larga escala, mas sabem que a pesquisa contribui inicialmente para a economia doméstica.
Alto valor nutricional
Ao longo do processo de pesquisa a avaliação dos resíduos passou por algumas fases, variando de acordo com os objetivos do estudo de cada etapa. Foi feita a avaliação da composição centesimal das farinhas por meio da análise do teor de fibras, lipídeos, carboidratos e proteínas. Outra avaliação é a qualidade microbiológica, que demonstrou que as farinhas são estáveis até 90 dias após a produção. “O uso de coprodutos das frutas conclui que os resíduos podem ter um valor nutricional até maior do que o fruto, assim como a atividade antioxidante, em razão da retirada de água no processo de desidratação do resíduo”, aponta a professora Sabrina.
Outro ponto destacado pelas pesquisas é de como os compostos nutricionais presentes nos resíduos são agentes valiosos na prevenção de doenças crônicas não tranmissíveis, como por exemplo doenças cardiovasculares. Anna Caroline Gatti de Almeida, aluna do 7º período, é uma das pesquisadoras pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) e vê os estudos das farinhas de coprodutos como grandes aliados da saúde no dia a dia. “Ao me envolver na pesquisa pude ter outro olhar para a Nutrição, o da análise química. Me encantei pelo que os estudos em laboratório revelam: compostos preciosos para a saúde funcional, como os antioxidantes, que auxiliam nosso corpo contra os radicais livres” diz.
Uso das farinhas de coprodutos no dia a dia
O estudo do reaproveitamento dos resíduos das frutas não tem enfoque na sua comercialização, mas sim na redução do impacto ambiental. Por isso, a intenção é facilitar o acesso da população, orientando que o consumidor possa produzir as farinhas de coprodutos em casa e utilizá-las nas receitas do cotidiano. “Ao invés de jogar fora as sementes e as cascas, você tem a capacidade de produzir na sua casa essa farinha e incorporar nas receitas, além de reduzir o custo da preparação, já que vai substituir parte da farinha de trigo por um produto que seria jogado fora”, afirma a professora Sabrina.
A aplicabilidade das farinhas de resíduos de frutas é estudada de acordo com os ingredientes que são usados em receitas tradicionais. O resultado do coproduto não é totalmente adicionado às receitas, mas sim parcialmente incorporado de acordo com a porcentagem aceita pela combinação de ingredientes. Uma das pesquisas publicadas em outubro de 2020 pelos alunos do Curso de Nutrição da PUC Minas Barreiro sugere a substituição de até 15% de farinha de trigo por farinha de casca de banana durante a produção de cookies. O percentual de substituição influencia diretamente na textura, sabor e apresentação do produto final. No geral, a análise sensorial das preparações elaboradas com as farinhas, feita pela equipe de pesquisa com a comunidade, é reconhecida de maneira positiva. Elas foram aceitas da mesma forma que as preparações tradicionais e algumas tiveram uma aceitação até melhor.
Entusiasmada com os resultados dos estudos, Anna Caroline encara a pesquisa das farinhas de coprodutos como uma grande oportunidade na jornada acadêmica. A estudante é formada em Gastronomia e percebeu na área de Nutrição uma possibilidade de ampliar o leque de atuação. A experimentação de receitas aliada ao estudo do valor nutricional dos coprodutos despertou ainda mais o olhar da estudante para a pesquisa e docência. “Para além da questão sustentável, como pesquisadora, é muito significativo ver o alto valor nutricional dos produtos que seriam simplesmente descartados”, diz a aluna.
Além dela, aproximadamente 40 estudantes passaram pela pesquisa ao longo dos 12 anos de estudo. Para as professoras à frente da pesquisa, essa é uma oportunidade de ampliar o olhar do aluno durante a graduação. “Muitos dos estudantes envolvidos nas pesquisas de farinha de coprodutos foram para o campo da pesquisa. Alguns fizeram mestrado, e já temos também doutores. Outros foram para o mercado de trabalho, se dedicar à consultoria ou à área de alimentação e nutrição”, afirma Michely.