O termo sem-religião vem se tornando cada vez mais habitual e reconhecido pelo grande público. Nas rodas de conversa entre amigos e familiares, o termo parece estar se popularizando gradativamente. No meio acadêmico, entretanto, encontramos trabalhos nas Ciências Sociais e na Ciência da Religião desde os anos noventa.
A expressão sem-religião aparece no Brasil, inicialmente, como uma categoria censitária, e vem sendo utilizado para identificar as pessoas que não se reconhecem vinculadas a uma determinada denominação religiosa. A considerar os meandros desse fenômeno, podemos encontrar um histórico de variações desde o início dos processos de recenseamento havidos desde o final do século XIX em nosso país. Porém, mais recentemente, considerando o crescimento desse grupo, alinhado à busca por maior precisão quanto ao significado do fenômeno, a abordagem sobre o tema dos sem-religião é já parte significativa das pesquisas nas disciplinas que se dedicam ao estudo das religiões, tradições de sabedoria, espiritualidades ou regimes de conhecimento.
Ainda do ponto de vista censitário, falar em pessoas sem religião implica tratar de um espectro com uma rica diversificação interna. Pessoas ateias, agnósticas, mas também sem religião com crença estão alocadas nessa mesma categoria.
Tomando o espectro da autodeclaração como sem-religião, observa-se, nas últimas décadas, seja no Brasil ou no exterior, um significativo crescimento quanto ao número das pessoas que assim se identificam. Sem-religião reúne os não-afiliados, ateus, agnósticos, desigrejados. Segundo algumas perspectivas, são estas expressões que marcam a declaração de um percentual em torno de 10% da população brasileira. Pensemos em aproximadamente 20 milhões de pessoas nessa posição face à pergunta sobre o seu vínculo com alguma religião. Igualmente chama a atenção que estamos nos referindo ao terceiro maior agrupamento no caso nacional, sendo católicos e evangélicos de diferentes denominações identificados como declaração majoritária. Em âmbito internacional, trata-se da quarta principal força – a de pessoas não afiliadas.
O aumento de pessoas que se autodeclaram sem religião vem chamando a atenção de pesquisadoras e de pesquisadores das diferentes disciplinas que estudam religião nas três últimas décadas. No Brasil, já temos teses, dissertações, dossiês temáticos em revistas acadêmicas e, mais recentemente, também em artigos da mídia de grande circulação. A PUC Minas, por exemplo, sob o aporte da Ciência da Religião, vem somando na atualidade o maior número de pesquisas sobre pessoas sem-religião, além de pesquisas sobre temas correlatos, como a espiritualidade sem religião. Esse trabalho encontra motivação nas primeiras análises sobre o assunto, feitas por Alberto Antoniazzi, no célebre estudo identificado como Porque o Panorama Religioso no Brasil Mudou Tanto?, refletindo o fenômeno a partir dos dados do Censo Demográfico de 2000.
Em particular, como o percentual de pessoas ateias e agnósticas é bem pequeno, a maior atenção ao fenômeno tem sido dada às pessoas que se afirmam sem-religião com crença. Do ponto de vista dos relatos mais comuns levantados por pesquisadoras e por pesquisadores, as afirmações relativas à manutenção da crença e da fé têm se revelado muito comuns.
Considerando que a adesão religiosa é uma característica observável por toda gente, o que pode representar o crescimento desse fenômeno nas últimas décadas? Representam os sem-religião alguma ameaça ao predomínio da consciência religiosa? O fenômeno, embora recente, traz consigo algumas sinalizações a respeito de como a vida religiosa vem se transformando.
Reconhecemos o valor, mas também os limites da informação censitária sobre a questão da religião, inúmeros trabalhos evocam possibilidades e limites, tanto no modelo brasileiro quanto em outros países, com suas pesquisas públicas ou independentes sobre a questão religiosa. Não obstante, tanto pesquisas que se debruçam sobre os dados quantitativos quanto as pesquisas que abordam qualitativamente os dados sobre o fenômeno dos sem-religião têm sido frequente o encontro com algumas posições predominantes.
Referimo-nos a estudos desenvolvidos na Europa, na América do Norte, na América Latina e também no Brasil. Ainda que sejam considerados os aspectos particulares de cada contexto, os estudos se concentram na análise do termo desinstitucionalização religiosa. A crença não afiliada que marca a maior parte dos indivíduos que se autodeclaram sem religião revela-se um tipo de experiência que as pessoas não vinculam a pertença a uma instituição, comunidade, sistema de culto específico. O fenômeno evoca um aspecto da secularização que, para além da negação objetiva da religião, revela-se como um processo de transformação nas formas de vinculação subjetiva da experiência religiosa. A transformação por que passam as sociedades ocidentais contemporâneas afeta as práticas religiosas. Um aspecto que vem sendo evidenciado é a individualização da crença junto do reconhecido fator da privatização da religião. Sob muitos aspectos, o ponto de partida é uma desafeição religiosa, expressão que colhemos do sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira. Porém, além disso, o expressivo crescimento desse fenômeno é também resultado da dinâmica da vida nos grandes centros urbanos, como atestam estudos consistentes sobre religião no espaço público. Ademais, o pluralismo e a diversidade religiosa, o perfil de pessoa buscadora no vasto mercado de bens religiosos, há muito vêm demonstrando que indivíduos se veem habilitados a organizar o seu próprio leque de crenças. Portanto, sob o amplo espectro dos impactos da secularização subjetiva, a desafeição, a urbanização e a maior consciência da autonomia para a conformação dos modos de crer vão surgindo como possíveis chave de leitura para um fenômeno complexo e multifacetado.
Mais informações: http://www.pucminas.br/ppgcr