A rapidez com que a filha de 8 anos concluía as atividades da escola chamou a atenção da bancária Juliana Ruthes de Mattos, moradora da cidade de Major Vieira, no interior de Santa Catarina. De acordo com ela, a instituição de ensino, que é pública, fornecia um pacote de atividades para serem feitas gradativamente ao longo do mês e para serem devolvidas no final desse período. “Eu pegava as atividades num dia de manhã, ia trabalhar, e no mesmo dia ela fazia todas as tarefas do mês”, conta a mãe que, no princípio, não tinha parâmetros de comparação com outras crianças e acabou considerando o volume insuficiente. Por conta própria, foi atrás de outras atividades na internet, a fim de suprir as necessidades da filha. Ao mesmo tempo, começou a perceber questões comportamentais e emocionais na criança, o que também chamou sua atenção.
Diagnosticada com altas habilidades, condição em que uma pessoa tem uma ou mais competências acima da média em determinada área do conhecimento ou em todas as áreas, Teodora Ruthes de Mattos é uma das dezenas de crianças atendidas pelo projeto de extensão Enriquecimento da Aprendizagem para Desenvolvimento de Habilidades, conhecido como Head. Nos últimos anos, a iniciativa cresceu e alcançou projeção nacional e internacional, inclusive com filhos de brasileiros residentes no exterior sendo atendidos pelo projeto. De acordo com a coordenadora, Profª Drª Karina Fideles Filgueiras, essa projeção já vinha ocorrendo antes mesmo da pandemia, mas acabou sendo intensificada por ela, já que os atendimentos migraram totalmente para o ambiente digital. Além disso, a inclusão do projeto em listas de referência sobre o assunto também contribuiu para o aumento na procura. Atualmente, a iniciativa beneficia crianças de diversos estados, como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Goiás, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul.
“O Head foi um dos primeiros projetos de extensão da Universidade cuja metodologia foi transposta para o formato on-line. E quando nós transformamos a metodologia, nós abrimos inscrição para o país inteiro. Mas fui muito surpreendida, porque achei que não ia ter esse alcance todo. Como a gente já tinha entrado no censo do Ministério da Educação (MEC) de programas e projetos que trabalham com altas habilidades, quando abrimos o atendimento remoto tivemos pessoas do Brasil inteiro e até mesmo do exterior”, explica a Profª Karina Fideles Filgueiras, coordenadora do projeto, que está vinculado ao Curso de Psicologia do Campus Coração Eucarístico. De acordo com ela, o diagnóstico deve ser feito por uma equipe multidisciplinar, considerando o comportamento no ambiente escolar.
O projeto de extensão tem como objetivo propiciar o desenvolvimento de competências das crianças participantes com perfil de altas habilidades/superdotação, ao mesmo tempo em que busca promover uma convivência saudável e acolhedora entre os participantes, por meio de ambiente dialógico, troca de experiência e orientação para pais e responsáveis das crianças participantes. Com isso, agrega conhecimento da área de altas habilidades à formação de estudantes e professores.
No Brasil, de acordo com o Censo Escolar de 2020, há 24.424 estudantes com perfil de altas habilidades/superdotação matriculados na educação especial, mas o número real pode ser ainda maior. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 5% da população têm algum tipo de alta habilidade ou superdotação. Segundo o MEC, se forem considerados os mais de 47 milhões de alunos da Educação Básica (Censo Escolar, Inep 2020), cerca de 2,3 milhões de estudantes devem compor esse grupo.
Uma das dificuldades, segundo a docente, é falta de capacitação dos professores das escolas para a identificação das crianças com esse perfil. Problema esse que, de acordo com ela, passa pela falta de informação. “Não adianta um diagnóstico de só um profissional de fora da escola. A gente já tem dispositivos, protocolos, que possibilitam o professor em sua sala de aula fazer essa identificação dos alunos com essas características, inclusive as áreas de conhecimento, se é uma área mais acadêmica, mais artística, o que a gente não tem é corpo educativo treinado para fazer a identificação”, explica.
A Profª Karina considera que a missão de levar informação sobre as altas habilidades à sociedade vêm sendo cumprida pelo projeto, que inclusive já foi convidado pelo apresentador Luciano Huck para auxiliar na seleção de participantes para o quadro de altas habilidades na televisão. Além disso, beneficiários do projeto também já participaram do programa. “O que acho mais interessante não é a projeção no quadro, mas a possiblidade de fazer o conhecimento e a informação circularem”, afirma.
Atualmente, o projeto trabalha com atendimentos presenciais e on-line, em um total de quatro turmas, com a participação de monitores de diversos cursos de graduação da Universidade. Por conta da complexidade do tema, parcerias foram estabelecidas com os cursos de Ciências Biológicas, Biomedicina, Engenharia Química, além da Liga de Neonatologia, Pediatria e Herbiatria do Curso de Medicina.
Apoio fundamental
Mariana Cristina Flores Emiliano, do 10º período do Curso de Medicina, Campus Betim, foi uma das participantes da liga que desenvolveu atividades junto ao projeto. De acordo com ela, o objetivo da parceria foi otimizar as potencialidades das crianças, abordando temas ligados à saúde, prevenção de doenças, anatomia, entre outros. “Era impressionante a capacidade de decorar que elas tinham”, afirma.
Extensionista no primeiro semestre de 2021, Gabriel Mendes Aguiar, hoje no 6º período do Curso de Psicologia, Campus Coração Eucarístico, conta que participou do funcionamento e manutenção do projeto, do processo seletivo de crianças e monitores, além da comunicação entre o projeto e a Universidade, parceiros, além da produção de artigos científicos. Participou ainda da comissão de pais, organizando quinzenalmente oficinas e debates em grupo. “Quando conheci o Head, assim que comecei o curso, ainda não conhecia o público de altas habilidades. Porém, tinha muito interesse no público infantil e, por isso, passei a acompanhar as redes sociais da iniciativa e pesquisar mais sobre o perfil. Hoje me sinto completamente familiarizado com esse público e pretendo seguir trabalhando com eles como futuro profissional também”, afirma.
Conforme mencionado por Gabriel, uma das linhas de atuação é a orientação aos pais dos beneficiários. O grupo já se organizou para produzir até podcasts, com o nome de HeadCast, que estão disponíveis na plataforma de streaming Spotify. Para fazer os programas, as famílias trocam informações e buscam conhecimento sobre as altas habilidades. Para a bancária Juliana Ruthes de Mattos, esse apoio é “fundamental”. “O projeto sendo muito importante para minha filha, pra mim e para o meu marido porque aqui no interior a gente não tem acesso, não tem muitas opções. Ela não tem nenhuma outra atividade de altas habilidades aqui no município no contraturno, até porque ela é a primeira criança com laudo [no município]”, diz.
Características das altas habilidades
- Senso de humor aguçado, maduro e sofisticado;
- Tédio em relação às atividades curriculares regulares;
- Interesse por problemas filosóficos, morais, políticos e sociais;
- Apreensão e inquietação em diversas áreas, como ecologia, relações sociais e habilidades intra e interpessoais;
- Tendência a questionar regras;
- Grande empatia em relação ao outro.
Fonte: Instagram do projeto Head.