Em situações críticas que afetam a saúde, a indústria farmacêutica busca o registro rápido de novos medicamentos, a fim de disponibilizá-los para aliviar o sofrimento dos pacientes e atender expectativas da sociedade. No entanto, a prática do registro acelerado desses produtos pode comprometer investigações e observações bem-estruturadas. É o que aponta o artigo Assessing the impact of fast-track drug registration by Anvisa in Brazil: A descriptive study of new drug registrations from 2017 to 2022, de coautoria da Profa. Dra. Silvana Márcia Bruschi Kelles e do professor Geraldo José Coelho Ribeiro, docentes do Curso de Medicina da PUC Minas Betim. Também assinam o estudo profissionais e docentes da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais e do Grupo de Avaliação de Tecnologias em Saúde da Unimed-BH.
“O registro acelerado (fast-track) de novos medicamentos pode ser uma ferramenta poderosa para agilizar o tratamento de doenças e salvar vidas. Porém, é fundamental que essa prática seja implementada com cautela e responsabilidade, garantindo que a saúde e a segurança dos pacientes sejam sempre a prioridade”, ressalta a professora Silvana.
Publicado no periódico Global Health Economics & Sustainability, especializado em Economia da Saúde e Sustentabilidade, o estudo revela que os registros de medicamentos feitos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aumentaram de um, em 2018, para 40, em 2022.
Os dados foram obtidos no Portal de Transparência e no Portal de Consulta de Medicamentos da Anvisa, com foco nos medicamentos registrados pelo fast-track. A pesquisadora ressalta que esse processo foi implantado em 2017 para acelerar a disponibilidade, no mercado, de medicamentos para tratamento de doenças raras, que são aquelas que incidem em 65 entre 100 mil pessoas. Esse processo acabou beneficiando quase todos os medicamentos para tratamento do câncer.
Para a professora Silvana, ao abreviar o processo de aprovação, corre-se o risco de comprometer a investigação completa dos efeitos do medicamento, tanto positivos quanto negativos. “Muitos registros acelerados tinham apenas estudos Fase II disponíveis para apoiar sua liberação. Nesta fase, os estudos são realizados em uma população limitada, muitas vezes com análise inadequada de eficácia e segurança dos novos medicamentos”, reforça.
Segundo o artigo, o registro acelerado de medicamentos para doenças raras, no país, acompanha o ambiente regulatório mundial de diversas localidades, como Estados Unidos, União Europeia, Canadá, entre outros.
Estudos aprofundados, com acompanhamento rigoroso, são essenciais para garantir a segurança e a eficácia do tratamento, principalmente no que tange às doenças raras e ao câncer. Só no Brasil, estima-se que, até 2025, ocorrerão aproximadamente 704 mil novos casos de câncer, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer.
“Embora a rapidez seja crucial em momentos críticos, é vital que as autoridades regulatórias em todo o mundo encontrem um meio termo que equilibre a necessidade de acesso com a responsabilidade de garantir a segurança dos pacientes. Ao buscar esse equilíbrio entre a urgência do presente e a necessidade de pesquisas rigorosas, podemos garantir que a medicina avance de forma segura e eficaz, beneficiando toda a sociedade”, finaliza a professora Silvana.
Regulamentação de medicamentos
De modo geral, a regulamentação de registros de medicamentos no Brasil é regida principalmente pela Lei nº 6.360/76, que dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, insumos farmacêuticos ativos e correlatos. A lei estabelece os requisitos e procedimentos para registro, fabricação, controle de qualidade, comercialização e fiscalização de medicamentos no país, incluindo a necessidade de comprovação de segurança e eficácia por meio de estudos clínicos, análises laboratoriais e documentação específica.
A coordenadora do Curso de Farmácia da PUC Minas, Profa. Dra. Gisele Santos Gonçalves, explica que, no Brasil, a Anvisa possui um programa chamado Registro de Medicamentos Prioritários, que visa acelerar o registro de medicamentos considerados prioritários para atender necessidades de saúde pública urgentes. “Existem situações em que a Anvisa permite o registro acelerado de medicamentos, que incluem doenças graves e sem alternativas terapêuticas; doenças emergentes ou reemergentes; epidemias ou endemias; pedidos de registro de importação para medicamentos em falta no mercado brasileiro; medicamentos órfãos”, aponta.
Segundo a professora Gisele, o processo de registro acelerado de medicamentos para doenças raras pode variar de acordo com o país e a agência reguladora específica, porém algumas etapas são comuns, como designação de medicamento órfão; submissão de dossiê, revisão regulatória, diálogo contínuo e requisitos pós-comercialização.
“As principais diferenças entre o registro comum e o acelerado de medicamentos envolvem questões como o tempo de análise e aprovação do produto, critérios de elegibilidade, requisitos de dados e monitoramento pós-comercialização”, conclui.