As novas ‘superdrogas’: promessas e perigos do uso off-label

FOTO 1

Nos últimos anos, a Medicina testemunhou o surgimento de novos e potentes medicamentos, muitas vezes chamados de “superdrogas”. Esses fármacos prometem tratamentos mais eficazes para uma variedade de condições de saúde, especialmente doenças crônicas. Porém, com promessas surgem preocupações significativas, especialmente em relação ao uso off-label desses medicamentos, termo que se refere ao uso de drogas para indicações não aprovadas pelas autoridades regulatórias. Embora este uso possa ser baseado em evidências científicas ou na experiência clínica de médicos, ele pode apresentar riscos adicionais, como efeitos colaterais inesperados ou falta de eficácia.

Superdrogas: o que são e como funcionam

Recentemente, uma publicação no The New England Journal of Medicine destacou os efeitos da semaglutida em pacientes com diabetes tipo 2 e doenças crônicas renais, apontando para a segurança e eficácia do seu uso a longo prazo. Inicialmente desenvolvida para o controle glicêmico, a droga mostrou-se eficaz também na perda de peso, ganhando rápida popularidade.

A semaglutida ajuda a controlar os níveis de açúcar no sangue, imitando a ação do hormônio GLP-1, que faz o corpo liberar insulina quando comemos, o que ajuda a reduzir o açúcar no sangue. Além disso, a semaglutida faz com que o estômago se esvazie mais devagar e diminui a quantidade de outro hormônio que aumenta o açúcar no sangue. Inicialmente, a medicação foi aprovada para tratar diabetes tipo 2, mas também mostrou ser eficaz na perda de peso. Pesquisas revelaram que usuários da semaglutida perderam uma quantidade significativa de peso, o que levou à sua aprovação também como tratamento para a obesidade. Os efeitos colaterais mais comuns são náuseas, vômitos, diarreia e prisão de ventre. Algumas pessoas podem apresentar níveis de açúcar no sangue muito baixos (hipoglicemia), especialmente se estiverem usando outros medicamentos para diabetes ao mesmo tempo.

Além do Ozempic (nome comercial da formulação), outros medicamentos emergiram como potenciais superdrogas. A tirzepatida, por exemplo, age como agonista dual dos receptores de GLP-1 e do peptídeo inibidor gástrico (GIP) e é ainda mais potente que a semaglutida. Ao combinar a ativação desses dois receptores, a tirzepatida potencializa a secreção de insulina e melhora a sensibilidade a esse hormônio, além de reduzir a ingestão de alimentos e promover a perda de peso. É indicada para o tratamento do diabetes tipo 2. Estudos clínicos mostraram que ela é mais eficaz do que os agonistas GLP-1 isolados na redução dos níveis de HbA1c e na perda de peso. Os efeitos adversos mais comuns incluem distúrbios gastrointestinais como náuseas, vômitos e diarreia. Além disso, pode ocorrer hipoglicemia, especialmente quando combinada com outros medicamentos antidiabéticos.

Por sua vez, o bimagrumab, outra substância promissora que atua em um mecanismo diferente, promove a perda de peso e aumenta a massa muscular, oferecendo um benefício duplo. Esta característica única pode permitir sua associação com outros medicamentos, como a semaglutida ou a tirzepatida, ampliando suas aplicações terapêuticas. O fármaco foi inicialmente desenvolvido para tratar condições que causam perda de massa muscular, como a atrofia muscular espinhal. Pesquisas recentes indicam seu potencial no tratamento da obesidade e na promoção do crescimento muscular em indivíduos saudáveis. Os efeitos colaterais mais comuns incluem reações no local da injeção, dores musculares e articulares, e sintomas semelhantes aos da gripe. A segurança a longo prazo do bimagrumab ainda está sendo avaliada em estudos clínicos.

Essas superdrogas representam avanços significativos no tratamento do diabetes tipo 2 e da obesidade, trazendo benefícios substanciais para os pacientes. No entanto, o uso off-label e indiscriminado delas pode apresentar sérios riscos à saúde, incluindo efeitos colaterais inesperados e potenciais complicações a longo prazo.

A educação contínua dos profissionais de saúde e do público em geral sobre os benefícios e riscos desses medicamentos é essencial. A prática ética na prescrição e o uso responsável desses tratamentos podem ajudar a maximizar seus benefícios enquanto minimizam os riscos associados. A comunidade médica e os reguladores devem trabalhar juntos para garantir que essas superdrogas sejam usadas de maneira segura e eficaz, beneficiando os pacientes e a sociedade como um todo.

Uso off-label: definição e riscos

O uso off-label, embora seja uma prática legalizada, pode ser arriscada, pois os efeitos do medicamento fora de suas indicações originais podem levar a efeitos adversos inesperados. Por exemplo, o uso indiscriminado de semaglutida e tirzepatida para perda de peso, sem supervisão médica adequada, pode resultar em desidratação, problemas renais, e outros efeitos colaterais graves. A população pode se tornar dependente dessas drogas para alcançar e manter o peso desejado, ao invés de adotar hábitos de vida saudáveis, como dieta equilibrada e exercício físico. Os profissionais de saúde enfrentam dilemas éticos ao prescrever medicamentos off-label. É essencial, portanto, que considerem os benefícios e riscos para cada paciente, além de fornecer informações claras sobre a prática.

O papel da indústria farmacêutica e a quebra de patentes

A indústria farmacêutica desempenha um papel crucial na inovação e desenvolvimento de novos medicamentos. No entanto, a iminente quebra da patente do Ozempic, prevista para 2026, levanta questões sobre o futuro desses medicamentos.

Com a quebra da patente, a semaglutida se tornará mais acessível, permitindo que mais pacientes se beneficiem do tratamento. Contudo, o aumento do uso off-label, pode exacerbar os riscos associados. Ainda que a entrada de medicamentos genéricos e biossimilares no mercado possa oferecer alternativas mais econômicas, é crucial garantir que esses produtos sejam tão seguros e eficazes quanto os medicamentos originais.

As novas superdrogas certamente oferecem esperança para o tratamento de doenças crônicas e obesidade. No entanto, o seu uso off-label apresenta riscos significativos que não podem ser ignorados. É vital que pacientes e profissionais de saúde estejam informados sobre esses riscos e que práticas éticas na prescrição sejam rigorosamente seguidas. A educação do público leigo sobre os perigos do uso indiscriminado de medicamentos é, portanto, essencial.

Profa. Dra. Gisele Santos Gonçalves
Prof. Dr. Lucas Ferreira Alves

Os professores doutores do Curso de Farmácia Gisele Gonçalves e Lucas Alves relatam os riscos do uso off-label, ou fora de indicação, das novas superdrogas. A indústria farmacêutica tem produzido novos medicamentos eficazes, principalmente para doenças crônicas. Mas essas medicações têm sido usadas de forma indiscriminada para outras finalidades e podem apresentar sérios riscos à saúde, incluindo efeitos colaterais inesperados e potenciais complicações a longo prazo.

A Revista PUC Minas não se responsabiliza pelas opiniões expressas pelos autores nos artigos assinados.

Temas Relacionados

Fale Conosco