Ciência da vida

Curso de Ciências Biológicas completa 50 anos de ineditismo em iniciativas acadêmicas e contribuição com o crescimento da Universidade
Luciana Barreto Nascimento: de aluna a chefe do Departamento de Ciências Biológicas e coordenadora do Colegiado do Curso | Foto: Raphael Calixto

Em A Origem das Espécies (1859), o biólogo britânico Charles Darwin usou a “árvore da vida” para descrever o processo evolutivo por meio da ilustração de um símbolo representativo de imortalidade, fecundidade e criação. “A grande árvore da vida preenche as camadas da crosta terrestre com seus ramos mortos e quebrados enquanto que as suas magníficas ramificações, sempre vivas e renovadas incessantemente, cobrem a superfície”, descreveu. Não é exagero dizer que essa metáfora ilustra também a trajetória do Curso de Ciências Biológicas da PUC Minas. São 50 anos de história marcados por adaptações, recomeços e por legados deixados à Universidade, sempre com a intenção de desenvolver raízes profundas na educação.

A construção dessa história tem início em 1972, na então Universidade Católica de Minas Gerais (UCMG), com a criação da licenciatura em Ciências Biológicas e em Matemática. A existência de cursos de licenciatura em Matemática em outras instituições de ensino de Belo Horizonte fez com que a habilitação mista ofertada pela UCMG tivesse pouca adesão. Veio aí a primeira grande adaptação do Curso: a habilitação em Matemática foi ofertada em apenas duas turmas, e logo foi desvinculada da licenciatura em Ciências Biológicas.

Não foram poucas as dificuldades enfrentadas nesse período inicial. A própria fase de implantação impunha uma série de limitações relacionadas à infraestrutura e ao currículo, ainda inadequados. Além disso, como a profissão de biólogo ainda não era regulamentada, permanecia indefinido o espaço que esse profissional preencheria no mercado de trabalho, além do magistério. Cinquenta anos depois, o mercado de trabalho já não é uma preocupação. Além da área de educação, o biólogo pode atuar em diversas funções das áreas de biotecnologia, meio ambiente e saúde, como informa a atual coordenadora do Curso e chefe do Departamento de Ciências Biológicas. “O projeto do Curso é organizado para que o aluno seja capaz de atuar em todas as áreas”, afirma a professora Luciana Barreto Nascimento, que contabiliza uma média de seis mil biólogos formados na PUC Minas e cerca de 400 alunos matriculados atualmente.

O currículo, inclusive, também foi o motivo de outro episódio de adaptação e de recomeço. Foi quando o então reitor da Universidade, Dom Serafim Fernandes de Araújo, decidiu suspender o vestibular para o curso, em 1977. Ele convocou os professores Antônio Mourthé Filho, então coordenador do Primeiro Ciclo da Área de Ciências Biológicas e da Saúde, e Simão Pedro Pinto Marinho, vice-coordenador, para conjugar esforços no sentido de avaliar e identificar alternativas que viabilizassem a oferta do curso novamente. “Na época, ele solicitou mudanças radicais como uma condição para uma oferta de vestibular. Elaboramos uma nova proposta curricular que, ao seu final, mostrou-se bastante arrojada e inovadora, diferindo-se daquela que usualmente marcava os cursos de Ciências Biológicas”, recorda o professor Simão Pedro, que atualmente coordena o Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade.

Entre as mudanças, além da estruturação curricular, houve transferência do curso do turno da manhã para o turno da tarde, ampliação do espaço físico e dos recursos materiais, com a criação de laboratórios e a aquisição de equipamentos, entre outras intervenções. Juntamente com a reformulação, veio a regulamentação da profissão, em 1979, o que contribuiu para a sua consolidação. “No primeiro vestibular para, digamos, o novo curso chegamos a algo em torno de onze candidatos por vaga. Foi um sucesso, sem dúvida. Os candidatos apostavam no curso porque apostavam na Universidade”, lembra.

Do projeto que garantiu o retorno da oferta até a atual configuração, o Curso passou por outras modificações importantes. Em 1998, foi implantado o Bacharelado Acadêmico, na perspectiva de garantir formação instrumental para ensino e pesquisa; em 2004, foi incorporado o Bacharelado em Educação Ambiental, juntamente com a Licenciatura; e, em 2009, uma nova reformulação do projeto pedagógico tornou o Bacharelado e a Licenciatura ênfases distintas. Em 2013, os novos projetos pedagógicos da Licenciatura e do Bacharelado em Biodiversidade e Meio Ambiente foram implantados, e são as atuais ofertas, com ênfases independentes, embora complementares. “A cada mudança curricular, independentemente de ser por necessidades de profissão ou por resoluções, temos que nos renovar. Vamos enfrentar essa questão este ano também porque temos novas resoluções da Licenciatura e da extensão universitária para atender e, consequentemente, isso influi também no Bacharelado. Nossa ideia é sempre manter Bacharelado e Licenciatura juntos e complementares, permitindo que o aluno termine uma ênfase e possa fazer a outra”, explica.

O diretor do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde, professor Martinho Campolina Rebello Horta, destaca que a criação do Curso de Ciências Biológicas precede a própria implantação do ICBS, tendo sido fundamental para a estruturação do Instituto. “Ao longo de seus 50 anos de história, o Curso de Ciências Biológicas da PUC Minas também contribuiu para a oferta de atividades de ensino, pesquisa e extensão voltadas à fundamentação biológica para a formação de profissionais da saúde, com destaque para disciplinas essenciais a todos os cursos vinculados ao ICBS. Também merece destaque o fato de que, a partir do Curso de Ciências Biológicas, historicamente emanam ações de educação, sensibilização e cooperação com vistas à construção de uma Universidade sustentável”, afirma Martinho. “O Curso já pensava em sustentabilidade e em extensão em uma época que a Universidade ainda não tinha essas abordagens”, exemplifica Luciana Nascimento. Outro exemplo de pioneirismo foi a implantação do PET, o Programa de Educação Tutorial, iniciativa mantida pela Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação, de estímulo a atividades extracurriculares de pesquisa, ensino e extensão universitárias, no nível de graduação. “O primeiro PET de Ciências Biológicas instituído no Brasil, naquela época vinculado à Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (Capes) foi em 1983 e foi na PUC Minas”, destaca a professora, que fez parte dessa primeira turma.

Vários legados

Não há como falar do protagonismo do Curso de Ciências Biológicas e não associá-lo ao Museu de Ciências Naturais. Um dos responsáveis por esse capítulo da história é o professor Cástor Cartelle, que idealizou o espaço. “Na época era mais um depósito que um museu”, brinca o professor, que começou a iniciativa com sua própria coleção de escavações paleontológicas, em 1982. “Me chamavam de maluco, mas hoje está aí, um dos melhores museus do país”, orgulha-se.

Ele pontua que o museu recebe pesquisadores do mundo todo para estudar seu acervo, dividido em coleções científicas de paleontologia, botânica, malacologia, entomologia, ictiologia, herpetologia, ornitologia e mastozoologia, e também visitar as exposições permanentes das réplicas de dinossauros e das primeiras escavações do pesquisador dinamarquês Peter Lund. Cartelle, inclusive, também é o idealizador da Rota Lund, roteiro que percorre o caminho feito pelo pesquisador paleontólogo dinamarquês que fez grandes descobertas em Minas Gerais, no século XIX. A Rota Lund integra vários pontos turísticos, como as grutas da Lapinha e de Maquiné, e seu marco zero é, justamente, o Museu de Ciências Naturais da PUC Minas.

Outra atuação importante do Museu é a função de depositário das pesquisas arqueológicas realizadas no Estado. “Para todo grande empreendimento o licenciamento exige uma pesquisa arqueológica. O material encontrado é depositado aqui no Museu. Isso tem a supervisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a responsabilidade da PUC. Essa coleção é aberta à visitação de pesquisadores. E, eventualmente, fazemos algumas exposições temporárias com peças significativas dessa coleção”, explica o professor Bonifácio José Teixeira, atual coordenador do museu.

E por falar em recomeços, o museu também teve o seu. Bonifácio destaca o incêndio sofrido em 2013 como o período mais desafiador da sua gestão, que começou em 2009. “Nós ficamos fechados praticamente por um ano. Ao mesmo tempo, foi um aprendizado porque, com a reforma, o museu foi modernizado na parte de infraestrutura”, recorda, ao elencar a pandemia como um segundo grande desafio. “Nós sentimos profundamente porque fechar praticamente por dois anos um museu que acolhe mais de cem mil pessoas por ano é muito pesado. Mas, estamos voltando ao ritmo normal”, anuncia, sobre a reabertura gradual do espaço com o retorno das atividades culturais e de novas exposições temporárias prontas para estrear.

Outra conquista do Curso foi a criação do Programa de Pós-graduação em Biologia de Vertebrados, com a abertura do Mestrado, em 1998, e do Doutorado, em 2021. Atualmente, o Programa tem em média 12,4 alunos ingressantes em cada ano e, dentro desse contexto de formação continuada, tem realizado pesquisas sobre diversidade biológica que abordam desde o levantamento de conhecimentos básicos, como morfologia, evolução, comportamento, história natural e taxonomia, até a avaliação de genomas e DNA ambiental.

Em busca de sustentabilidade

São 50 anos de história. O que esperar, então, para os próximos? “O desafio que temos pela frente é deixar mais um legado do Curso de Ciências Biológicas para a Universidade. A expectativa é que o Centro de Integração para Sustentabilidade Ambiental (Cisal) seja cada vez mais utilizável não só no processo de formação, mas de integração entre saberes”, afirma a professora Luciana Nascimento.

O Cisal é o espaço onde funciona o projeto de extensão Universidade Sustentável. Desenvolvido desde 2015, ele começou com a proposta de construir uma agenda ambiental para o Departamento de Ciências Biológicas, como piloto para a Universidade. Já existia uma experiência prévia no Campus Betim, mas essa iniciativa de olhar para o meio ambiente na comunidade acadêmica foi ganhando desdobramentos e envolvendo cursos e setores, até atingir a configuração atual.
Mas, afinal, o que é essa Universidade Sustentável? “É aquela que trabalha no sentido de minimizar os seus impactos ambientais, sociais, econômicos e salutares, em todas as suas atividades: no ensino, na pesquisa, na extensão e na gestão”, explica a coordenadora do projeto, professora Virgínia Simão Abuhid, que destaca uma curiosidade significativa: o projeto surgiu no mesmo ano em que foram divulgados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que são 17 ações propostas pela Organização das Nações Unidas para atingir a Agenda 2030. Esta também é a data da publicação da Encíclica Laudato Si’, proposta pelo Papa Francisco, que visa a Ecologia Integral, ações que convergem com o propósito da iniciativa. “O Universidade Sustentável representa um exercício de cumprimento do compromisso social da Universidade alinhado à própria Missão da PUC Minas”, afirma Virgínia, que esclarece que o projeto, mais que uma atividade extensionista, é um agregador de ações voltadas à temática da sustentabilidade, contemplando também atividades de estágio, pesquisa e parcerias, internas e externas, para o desenvolvimento de ações diversas.

“A PUC Minas tem no seu Plano de Desenvolvimento Institucional e no Planejamento e Gestão Estratégica a sustentabilidade como um objetivo estratégico”, diz Virgínia, lembrando que o projeto, de certa forma, também cumpre uma demanda institucional. “Uma parte importante do nosso trabalho é viabilizar uma diversidade de ações e apoiá-las. A grande força da Universidade é que estamos formando os profissionais do futuro. Então, se nós fazemos o dever de casa, nós viramos referência e ensinamos pelo exemplo, e os alunos vão replicar isso lá fora”, afirma.

Os professores Cástor Cartelle e Bonifácio Teixeira: o primeiro e o atual diretor do Museu de Ciências Naturais | Foto: Raphael Calixto