Diálogo entre a fé e a razão

Reitor da PUC Minas reflete sobre os desafios da Educação Superior e aponta as prioridades na gestão de uma universidade confessional arrojada
O Reitor destaca a importância do diálogo constante e responsável no ambiente universitário
O Reitor destaca a importância do diálogo constante e responsável no ambiente universitário

Promover o diálogo entre fé e razão e fazer reverberar a cultura da promoção do bem comum, assim como constantemente é reforçado pelo Papa Francisco, é parte da natureza confessional da PUC Minas. É com esse compromisso que o Prof. Dr. Pe. Luís Henrique Eloy e Silva assumiu a Reitoria da Universidade no dia 4 de outubro deste ano. Oitavo reitor a dirigir a PUC Minas, o Prof. Pe. Luís Henrique percorreu uma longa e densa formação eclesiástica, no Brasil e em outros países, com experiências pastorais na Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha e Chile. No Brasil, atuou como professor da PUC Minas e da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, como perito no Sínodo de 2008 por nomeação do Papa Bento XVI, coordenou a equipe de revisão da tradução da Bíblia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e, desde 2013, é o representante do Brasil na Pontifícia Comissão Bíblica, por nomeação do Papa Francisco. Com essa sólida trajetória, assume o grande desafio de dirigir a maior universidade católica do mundo, que ultrapassa os 90 mil alunos e cinco mil colaboradores.

Nesta entrevista, o Reitor da Universidade reafirma o importante papel social, na ciência e na pesquisa desempenhado pela PUC Minas, que completará 65 anos em 2023. Destaca, ainda, os desafios do cenário da Educação Superior cada vez mais dinâmico e complexo, que exige a reinvenção de modelos educacionais historicamente estabelecidos. E defende o diálogo constante e responsável, fortalecido no compromisso com a excelência da educação e com os valores do Evangelho de Jesus Cristo, determinante para a identidade da Universidade.

O senhor já há vários anos se liga à Universidade pelo seu trabalho de pesquisa e docência. Quais suas expectativas em relação a este novo contexto de atuação, o da gestão?

Os desafios para uma grande universidade como a PUC Minas são diários e demandam dedicação atenta. Em nossa história de mais de seis décadas, muito se construiu. É preciso, ao contemplarmos essa sólida trajetória, agradecer a Deus e a todos que para ela contribuíram, com a consciência de que esse passado nos coloca sobre os ombros uma grande responsabilidade: somos uma instituição de ensino superior particular e, mais especificamente ainda, comunitária e confessional, com uma identidade católica a ser preservada e testemunhada, mantendo a excelência acadêmica e técnica à luz do Evangelho de Jesus Cristo, sem o qual não é possível uma sociedade solidária e fraterna, humana e, contemporaneamente, humanizadora. Estar à frente da gestão da maior universidade católica do mundo, que hoje já ultrapassa a casa dos 90 mil alunos, e quase cinco mil colaboradores, entre professores e funcionários, requer do reitor, além da capacidade de discernir e tomar decisões com prudência, mas também com ousadia quando se fizer necessário, a disposição em perceber as singularidades e particularidades de uma grande instituição como a PUC Minas. E se isso vale para o reitor, também vale para cada um de nós que fazemos esse belíssimo trabalho que cotidianamente brota e frutifica nas salas de aula, nos laboratórios, nos espaços de convivência, na biblioteca, enfim, em todos os lugares em que haja pessoas envolvidas com a produção e a partilha do conhecimento, nessa missão de educar, que é tão nobre e importante para a sociedade.

Como o senhor pode se auto apresentar em termos de seu perfil acadêmico e como clérigo?

Sou padre há 25 anos e, desde o tempo da formação no seminário, interessei-me por línguas antigas, por autobiografias de grandes expoentes do cristianismo, particularmente dos santos, e por música. Aos 16 anos de idade, entrei no seminário menor da Diocese da Campanha, que naquele ano havia se transferido para a cidade de Três Corações. Nessa cidade, fiz o segundo grau científico e fiz a escola preparatória de piano. Após esse período, parti para Campanha, onde realizei os estudos de Filosofia no Seminário Nossa Senhora das Dores e continuei estudando piano na Escola Maestro Marcelo Pompeu. Terminado o Curso de Filosofia, nós estudantes nos transferimos para Taubaté, onde, à época, os seminaristas da província eclesiástica estudavam Teologia. Ali no Vale do Paraíba, além de realizar os estudos teológicos, concluí o curso de piano. Fui ordenado presbítero na festa de São João da Cruz, em 1996, em minha cidade natal. Após a ordenação, trabalhei como vigário paroquial na paróquia Nossa Senhora d’Ajuda, em Três Pontas, e como copároco na paróquia Nossa Senhora dos Remédios, em Caxambu. De Caxambu fui enviado a Roma, onde por oito anos realizei os cursos de propedêutico de grego e hebraico, mestrado em Ciência Bíblica e doutorado em Ciência Bíblica no Pontifício Instituto Bíblico. Durante o período em que realizei os estudos de pós-graduação em Roma, tive a oportunidade de fazer experiências pastorais de imersão na vida paroquial na Itália, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Alemanha e no Chile. Nesse país, fui também professor visitante no Seminário dos Santos Anjos da Guarda. Ao retornar ao Brasil, os superiores eclesiásticos decidiram que eu deveria vir para Belo Horizonte, a fim de lecionar na PUC Minas e na Faje [Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia] e, contemporaneamente, coordenar a equipe de revisão da tradução da Bíblia da CNBB, trabalho esse que foi concluído em 2018. Desde que aqui cheguei, tive a oportunidade, em termos acadêmicos, de atuar como perito na Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da CNBB, como perito no Sínodo de 2008 sobre a Palavra na Vida e na Missão da Igreja, por nomeação do Papa Bento XVI e, desde 2013, tenho o privilégio de representar o Brasil na Pontifícia Comissão Bíblica, por nomeação do Papa Francisco. Além do trabalho que exerço na PUC Minas, sou pároco da paróquia São Bento.

Em seu entendimento, quais são os grandes desafios para gerir uma Universidade como a PUC Minas, tomando-se aqui o complexo cenário da educação superior?

A educação, no Brasil e no mundo, talvez seja o setor social que mais venha conhecendo mudanças estruturais. São perceptíveis tais alterações, e diria que hoje já experimentamos, na Educação Superior, pelo menos no que tange ao quantitativo de alunos ingressantes, um cenário de prevalência do ensino a distância. Aqui mesmo na PUC Minas, já temos uma realidade de mais alunos na graduação e no lato sensu na educação a distância do que no presencial, somadas as modalidades síncrona e assíncrona. Isso nos leva, no presente imediato, a refletir sobre os cenários da educação a curto e médio prazo e a trabalhar, no âmbito acadêmico da graduação, para que os Institutos e Faculdades tenham a clareza dos caminhos que devemos seguir, observadas as especificidades e distinções de cada área de conhecimento. Estamos, no presente, tecendo o futuro da Instituição, buscando garantir sua perenidade. E a complexidade do atual momento nos aponta que, se por um lado, não podemos nos equivocar em função de precipitações, por outro, é imperativo que tenhamos a consciência de que vivemos um contexto de exigências de agilidade e de muita assertividade no redesenho da Universidade. A PUC Minas, em toda sua história, tem sabido entender o seu tempo e a relevância do papel social que deve cumprir. Mais ainda: tem sido arrojada e certeira em suas decisões. É esse passado que nos credencia, tenho certeza, para que, no presente, também, estejamos atentos e abertos a novas possibilidades e caminhos. Com serenidade, mas com coragem, a PUC Minas avalia o desafiador contexto atual da educação superior também como promissor, buscando perscrutar esses novos rumos, que se anunciam como processos de reinvenção de modelos educacionais historicamente estabelecidos. E entre nossos desafios está o de garantirmos para esses novos caminhos a qualidade do ensino que a Universidade ofereceu desde sua implantação e pela qual é reconhecida nacional e internacionalmente.

São mais de seis décadas de uma belíssima história da PUC Minas. De imediato, o que priorizar?

Importante considerar que a Universidade possui hoje processos acadêmico-administrativos que funcionam com agilidade e plenitude. Com mais de cem ofertas de cursos de graduação em nove campi e unidades, em que estão matriculados mais de 42 mil alunos, centenas de cursos de especialização lato sensu e 18 programas de mestrado e doutorado, a PUC Minas é ciosa de sua operacionalidade. Os gestores acadêmicos da Universidade têm clareza de seu exigente papel de olhar para dentro dos cursos, cuidar para que proporcionem a melhor formação possível e conectá-los com as orientações e demandas institucionais. Além disso, devem exercer esse permanente olhar externo para o setor de educação nos âmbitos público e privado. Com a sociedade global, vivemos todos em rede – impactando e sendo impactados pelo modo como o setor de educação se movimenta e se reinventa. Na PUC Minas, nossas prioridades imediatas são também as de sempre: otimização de recursos; incentivo à formação docente e qualificação do corpo técnico-administrativo; permanente política de acolhimento aos alunos; gestão responsável do orçamento; rigor no controle de todos os processos e busca de reconhecimento e valorização de nossa imagem e reputação.

Como o senhor percebe a PUC Minas em termos de seu papel social e como ator político e cultural?

Mais do que uma incisiva defensora da ciência e da pesquisa, a PUC Minas tem oferecido, por meio da graduação e, especialmente, de seus programas e projetos de investigação científica, relevante contribuição em praticamente todas as áreas de conhecimento. No que diz respeito à pesquisa, temos, em nosso quadro de pesquisadores, docentes extremamente reconhecidos, desenvolvendo projetos de ponta e sintonizados com os grandes problemas da sociedade. A Universidade também tem devidamente se colocado como ator social. Nesse sentido, deve buscar posicionar-se de modo responsável e adequado, nos momentos em que sua manifestação se fizer necessária e verdadeiramente trouxer alguma contribuição. A PUC Minas orienta-se pelos valores do Evangelho e, nesse sentido, é signatária das iniciativas de defesa da vida e da dignidade humana. Sabemos que temos bastante a oferecer para a construção de uma sociedade mais justa e de paz, mas conscientes de que devemos fazê-lo por meio de nossa expertise maior, que é de produzir e disseminar o conhecimento, formando profissionais competentes, éticos e críticos. A Universidade se abre ao permanente diálogo com a sociedade, mas deve fazê-lo com bom senso e respeito à diversidade de opiniões e perspectivas de mundo de todo o conjunto de nossa comunidade acadêmica.

As universidades católicas nascem sob o desafio, também sua Missão, de fazer com que fé e razão se alimentem e se fortaleçam. Qual sua visão a respeito dessa natureza das universidades católicas, em especial as pontifícias?

Certamente deve-se reconhecer o incontestável papel das universidades católicas em todo o mundo, e destaco aqui as universidades pontifícias, que sempre buscaram harmonizar a pesquisa científica levando em conta a dimensão da fé. Sabemos que esse é um tema muito caro ao Papa Francisco, que reiteradamente convoca nossas universidades católicas para que, de modo constante e profissional, persigam soluções que levem ao progresso cultural e civil das pessoas e da sociedade. No contexto mundial em que o desenvolvimento das ciências e das tecnologias não possibilita sempre a promoção humana, mas, pelo contrário, proporciona a agudização de políticas excludentes e de riscos para a vida social e o bem comum, o papel das universidades católicas é decisivo. Em sua natureza confessional, abrindo-se ao Mistério e ao inarredável compromisso de valorização da vida, as instituições católicas de ensino superior possuem este carisma, que é de sua própria fundação: promover o diálogo entre fé e razão, fazer reverberar a cultura da promoção do bem comum, transmitir valores como a solidariedade, a igualdade e o amor entre todos, como constantemente nos recorda o Sumo Pontífice.

Nesse sentido, como lidar com as contradições e eventuais conflitos próprios da vida universitária?

Primeiramente, devo dizer que no ambiente de uma Universidade só cabe uma postura: a do diálogo constante e responsável. Sim, a Universidade é o lugar por excelência onde se estabelece a cultura do diálogo por meio da qual entende-se que o ethos colaborativo deve prevalecer. Conflitos e contradições fazem parte do mundo; todos, eventualmente, com eles nos deparamos e diante deles somos chamados a encontrar o equilíbrio entre posições divergentes e os distintos modos de percebê-los e resolvê-los. É preciso também dizer que devem prevalecer os nossos objetivos comuns, sendo que o principal deles é a oferta pela Universidade de uma educação de qualidade, responsável e coerente com os valores que a instituíram. Sob essa perspectiva, creio que o ponto de partida deva ser o diálogo fraterno e respeitoso, e por isso mesmo necessariamente produtivo. A vida universitária deve considerar as pluralidades de visões de mundo e as distintas perspectivas ideológicas e políticas, mas não pode se esquecer de que o relativismo extremo é estéril. Os grandes educadores da história do Brasil, e não são poucos, alertam-nos para o fato de que a grande bandeira da educação deve ser a promoção da pessoa e da sociedade em que se encontra inserida. Contradições e conflitos devem ser considerados e, com sabedoria, nutrirem nossos diagnósticos, nossas diretrizes e políticas que resultarão em uma Universidade que seja de todos e que cumpra seu papel precípuo, construindo consensos, por meio do efetivo respeito a ser testemunhado pelos gestores, professores, alunos e todo o corpo técnico-administrativo.

Gostaríamos, por fim, que se dirigisse à comunidade universitária.

Em minha primeira mensagem à comunidade universitária como Reitor empossado, reiterei meu convite a cada um de seus membros para que nos empenhemos no processo de mútuo apoio, conscientes do nobre papel que somos chamados a cumprir. Aqui, aproveito para dar uma palavra de reconhecimento ao valor do trabalho de todos para a grandeza de nossa Universidade. No Ensino, na Pesquisa e na Extensão, docentes e discentes fazem da PUC Minas uma Universidade única, a qual tem como principal força motriz o afeto que sabidamente todos que aqui trabalham por ela nutrem. Importante também mencionar todo o corpo técnico-administrativo que, com enorme competência, dedica-se à articulação de atividades e processos muitas vezes tão complexos e, sempre, tenho clareza disso, marcados pela urgência.

Enfim, o que espero é que sigamos comprometidos e motivados a fazer da PUC Minas uma universidade cada vez mais fortalecida em seu compromisso com a excelência da educação e com os valores do Evangelho de Jesus Cristo, página-fundamental sem a qual a identidade da PUC Minas não se compreende, recordando-nos do que nos ensina o Papa Francisco em uma de suas alocuções semanais: “a paz se constrói mediante a educação”, educação que é formação não somente para o exercício competente de uma profissão, mas particularmente para o amor da sabedoria, sabedoria sem a qual não se alcança o sentido mais profundo da existência.

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