O apito final

Tema de estudo, o momento certo para a transição de carreira de um jogador profissional requer planejamento
Aos 33 anos, o jogador brasileiro, naturalizado espanhol, Diego Costa prepara sua aposentadoria | Foto: Agência i7Mineirão
Aos 33 anos, o jogador brasileiro, naturalizado espanhol, Diego Costa prepara sua aposentadoria | Foto: Agência i7Mineirão

Um atleta profissional que atua no futebol contemporâneo convive em um universo de competição, vitórias, fama e dinheiro. No entanto, como se dá o processo de aposentadoria desses jogadores? Qual é a hora certa de parar de jogar? Para o ex-goleiro Artur Guilherme Moraes Gusmão, a aposentadoria foi aos 37 anos. Em vinte anos como jogador profissional, passou por 11 clubes diferentes, entre eles Benfica, Cruzeiro e Chapecoense, em mais de 300 jogos oficiais. Depois de uma lesão no ombro, o jogador percebeu que o ritmo de jogo já não era mais o mesmo do auge da carreira. “Comecei a entrar naquele conflito interno se valeria a pena prolongar a carreira simplesmente pelo fato de continuar jogando. Concluí que continuar a jogar não me acrescentaria mais nada profissionalmente”, relembra. Atualmente, Artur atua como gestor e intermediário na área de compra e venda de clubes de futebol.

O ex-goleiro foi ouvido pelo professor Ricardo Alves, que atua no Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais – Iceg Escola de Negócios PUC Minas e realiza um estudo comparativo entre as políticas implementadas pelos clubes europeus e brasileiros para auxiliar os atletas profissionais de futebol no processo de gestão e de transição da carreira quando eles se aposentam de sua atividade principal. O estudo é parte do pós-doutorado do professor pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa. Artur Moraes relembra que seu processo de transição do campo de futebol para a gestão esportiva foi naturalmente acontecendo. “Durante os meus últimos anos como jogador, já ouvia que tinha perfil para atuar na gestão de futebol. Recebi alguns convites para atuar representando jogadores brasileiros na Europa, além de participar da compra de um clube europeu. As coisas foram fluindo. Não tive muito tempo para pensar. Tive coragem e acreditei que muito do que eu faria na rotina como gestor seria colocar em prática o que eu presenciei na minha vida como jogador profissional”, completa o jogador.

O professor Ricardo Alves explica que a transição de carreira para os jogadores profissionais nem sempre é natural ou acontece de maneira tranquila e planejada. “Na maioria das vezes, ao abandonar o papel de atleta, com o término da carreira, é como se o jogador perdesse uma parte importante de si mesmo. A perda do status físico e social (que acompanhava os resultados obtidos nas vitórias e no reconhecimento do clube e torcedores) faz com que, agora longe dos campos, se sintam esquecidos e frustrados. É uma crise de identidade”, explica Alves, que também esteve à frente do Curso de Gestão Esportiva do IEC PUC Minas e é coordenador do Curso de Gestão de Futebol da CBF Academy.

Outro entrevistado para a pesquisa foi o jogador brasileiro naturalizado espanhol Diego Costa. Ele tem passagem pelo Chelsea, Atlético de Madrid e Atlético Mineiro. Aos 33 anos, Diego Costa ainda atua pelo clube inglês Wolverhampton e prepara sua aposentadoria “Uma coisa certa é que ainda jogo mais uns dois anos. Mas quero ficar aqui na Europa e já estou preparado para tudo. Não conversei com ninguém direito sobre isso, mas tenho consciência de que preciso parar. A parte financeira não é problema. Posso dar uma boa vida para minhas filhas e isso é o que importa para mim. Mas não é só isso. Quero a tranquilidade de poder aproveitar a minha vida. Mas tem muito jogador que não está preparado. Porque na hora que deixarem de ser reconhecidos na rua ou chamados para entrevistas, vão pirar. Eu não estou preocupado, mas a maioria não sabe viver sem isso”, revela.

O planejamento desse momento e a escolha da hora certa de parar pelos jogadores é fundamental para a carreira. Para tirar suas conclusões, o professor entrevistou outros 11 jogadores e ex-jogadores, representantes de oito clubes de futebol brasileiros, portugueses e espanhóis; cinco intermediários de futebol, sete dirigentes de clubes, além de representantes de organizações sociais, empresariais e federações. No estudo, a grande maioria dos entrevistados foram ouvidos sob a condição de anonimato e os clubes mencionados no trabalho também não serão identificados na pesquisa. “De maneira geral, não há como afirmar que temos um procedimento padrão para tratar a transição da carreira dos atletas profissionais de futebol nos clubes investigados. Existem algumas ações isoladas em alguns clubes portugueses e espanhóis, mas que não foram percebidas com clareza nos clubes brasileiros”, afirma o pesquisador.

Dessa forma, na maioria das vezes, as iniciativas que se referem à aposentadoria são sempre do jogador ou de alguém que compõe sua equipe pessoal. O pensamento dos clubes não é sistêmico e muitos não conseguem perceber as relações direta ou indireta de investimento na carreira e na pós-carreira do atleta com a melhoria do desempenho enquanto o jogador ainda está no clube. “As instituições ainda estão no processo de amadurecimento acerca do quão importante é para o desempenho do atleta ter maior proteção e segurança com relação à sua despedida das atividades profissionais. Existe uma diferença significativa na forma como os clubes brasileiros e os europeus percebem a relação da transição do atleta profissional e o papel do próprio clube neste processo. Por questões de acordo de confidencialidade, não posso citar nomes dos clubes, mas tive contato com um clube espanhol que inseriu, dentre várias ações, cursos de curta duração para seus atletas com mais de 30 anos para ajudá-los no entendimento sobre finanças, empreendedorismo, inovação e carreira profissional não ligada ao futebol, por exemplo. Por outro lado, no Brasil, nos vários clubes investigados identificamos apenas ações que não têm a continuidade necessária”, conclui.

Portanto, as ações isoladas dos clubes e, por consequência, dos jogadores de futebol foram atestadas pela pesquisa. Os jogadores ouvidos em anonimato confirmam a falta de planejamento do momento da aposentadoria dos gramados. Um dos entrevistados, que preferiu não se identificar e teve passagens pelos campos de futebol no Brasil e na Europa, relembra: “Eu não parei do jeito que queria. Acho que eu poderia ter parado antes um pouco e fui estendendo e acabei atendendo a convites de amigos que acabaram me prejudicando em termos de imagem. Parar tem que ser no auge, mas aí não conseguimos. É muita coisa em jogo e a cabeça não pensa direito. E não tem quase ninguém para lhe ajudar de verdade. Tem pessoas boas, mas que querem fazer você jogar e não parar. Aí, quando não tem jeito mais você acaba parando. E fica aquele vazio porque na nossa cabeça ainda dava para contribuir com alguma coisa no futebol, mas você nem sempre está preparado”.

Professor Ricardo Alves, que atua no Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais – Iceg Escola de Negócios PUC Minas | Foto: Raphael Calixto

A formação no esporte de alto desempenho

O professor Daniel Marangon Duffles Teixeira, chefe do Departamento e coordenador dos cursos de graduação em Educação Física da PUC Minas, explica o caminho de formação do jogador de futebol, que envolve mais do que genética e treinamento, ou seja, não basta apenas gostar do esporte para se tornar um jogador profissional. Segundo o professor, entre aqueles que se envolvem na prática esportiva escolar, têm acesso a projetos sociais ou escolinhas de futebol, é possível dizer que somente um para cada 3.500 ou 4.000 praticantes tem a chance de se tornar atleta de alto rendimento. “O processo de formação de atletas de alto rendimento é muito complexo e vai da dimensão política às questões educacionais, passando pelo acesso ao saneamento básico, alimentação, transporte público. Muitas vezes, pensamos apenas no treinamento, mas é uma questão que envolve também políticas públicas”.

Além disso, a grande maioria dos atletas de futebol que chegam ao alto rendimento passaram pelas categorias de base (entre os 13 e os 18 a 20 anos) quando começam a ter oportunidades nas equipes adultas. O professor Daniel, no entanto, chama atenção para os jogadores que ainda conseguem se estabelecer fora do padrão comum de treinamentos iniciais e de formação. “No futebol, ainda temos aqueles atletas que tiveram uma prática não sistematizada na adolescência e juventude, aprenderam a modalidade informalmente, e que se destacam em competições amadoras e são chamados a integrar as equipes dos clubes já nos últimos anos antes de se tornarem profissionais. É raro, mas ainda ocorre. São meninos e meninas que estiveram à margem dos processos formais, sem acesso aos clubes ou centros de treinamento e que acabam tendo tempo livre e espaço disponível para jogar bola diariamente e desenvolvem informalmente as capacidades e posteriormente são identificados. É um raro processo próprio do Brasil”, conclui.

O ex-goleiro Victor Leandro Bagy, que atuou em clubes como Grêmio, Atlético Mineiro e pela Seleção Brasileira, a formação sempre foi um tema de destaque e os planejamentos para a carreira estiveram com ele desde o início. “Eu me considero um cara privilegiado neste meio. Desde cedo tive uma preocupação de buscar conhecer um pouco mais do que estava fazendo e sabia das dificuldades de se tornar um jogador e poder viver disso. No meu primeiro clube, o Paulista de Jundiaí, já estava certo de que iria estudar. Até porque meus pais, apesar de não terem estudado, sempre diziam que o projeto de vida deles era formar os filhos na faculdade. Assim, eu como o mais novo, tive que pegar isso comigo e entrei na faculdade de educação física logo aos 17 anos. O clube que trabalhei ajudava muito e incentivava demais. Assim, me formei aos 21 anos justamente quando me tornava um jogador profissional. E minha formação ajudou em tudo”, considera.

O atleta, que atualmente é gerente de futebol do Atlético Mineiro, relembra os seus investimentos em cursos ao longo da carreira. “Estudar me ajudou a compreender o que se passava fora dos vestiários, porque sabia que um dia iria parar de jogar. Foi em 2021, em um domingo, e, na quarta-feira seguinte, já estava em um cargo de gestão do clube”, conta. Victor considera que a formação superior e todos os cursos que fez ao longo da carreira deram força para o seu caminho como gestor de futebol, mas o sucesso passa também pelo foco e em saber se preparar para o futuro. “Muitos jogadores não têm essa oportunidade que tive, mas também reconheço que a maioria não quer saber de estudos. Eu vejo os jovens e converso com eles. Só querem curtir o momento que estão vivendo. Não conseguem entender que o futuro deve ser construído agora. Quando assustarem, a oportunidade pode ter passado”, avalia.

“O processo de formação de atletas de alto rendimento é muito complexo e vai da dimensão política às questões educacionais, passando pelo acesso ao saneamento básico, alimentação, transporte público”, diz o professor Daniel Marangon | Foto: Raphael Calixto
SAIBA MAIS

A PUC Minas mantém um grupo de estudos multidisciplinar para investigação e aplicação de abordagens, métodos e técnicas de análise de dados para tomada de decisão na área esportiva. O Sport Analytics (Span) é uma parceria entre o Instituto de Ciências Exatas e Informática, Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais e Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade. O grupo Span conta com os professores doutores Daniel Marangon Duffles Teixeira, da área de Gestão do Esporte e da Performance Esportiva, Ricardo Cesar Alves, da área de Gestão Estratégica em Organizações Esportivas, e Wladmir Cardoso Brandão, que atua na área de Computação e Inteligência Artificial, além de alunos dos Institutos participantes. O grupo aceita contribuições de interessados, que podem procurar pelos cursos vinculados aos institutos e que dialogam com o tema.

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