O vínculo entre as suas emoções e a sua cidade

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No momento em que escrevo este artigo, o filme Divertida Mente 2, sequência de animação da Disney-Pixar que aborda as emoções de forma lúdica e divertida, se consagrou como a maior bilheteria do século, arrecadando mais de R$ 400 milhões até o momento. E, não, este texto não é uma crítica de cinema. Mas observar o sucesso de um filme cujo tema são as emoções, e vê-las apresentadas de forma tão compreensível para todas as idades, me lembrou de um assunto sobre o qual eu adoro falar: a intrínseca relação entre as nossas emoções e a cidade em que vivemos.

Você já prestou atenção em como se sente quando visita uma cidade diferente da sua? Quais são os lugares da sua cidade onde você gosta de ir quando quer relaxar, descansar a cabeça? Quais são os lugares que você mostra com todo orgulho quando alguém de fora vem te visitar? Eu, sempre que viajo, tiro um tempo para pensar no porquê de estar feliz em algum lugar, ou de querer tirar fotos, na vontade que sinto de ir ali mais de uma vez – ou de nunca mais voltar. Já na minha cidade, Poços de Caldas, no sul de Minas Gerais, gosto dos jardins, especialmente do Parque Jose Affonso Junqueira, que emociona de várias formas.

Primeiro, porque o envolvimento de profissionais qualificados e o incentivo da iniciativa pública e privada na construção dos espaços coletivos – que fizeram com que o conjunto que congrega a Praça Pedro Sanches e o Parque Affonso Junqueira se tornasse parte de integração e convívio social, palco dos principais acontecimentos sociais, políticos, econômicos, além de ser um dos pontos turísticos mais visitados da cidade – vêm sendo meus objetos de estudos desde 2017.

Além disso, conforme descreve magistralmente a arquiteta Esther Cervini em seus textos: “é muito raro, nos dias atuais, encontrar lugares que resistiram às mudanças dos tempos, e que guardam ou testemunham a memória de seus habitantes. As crianças ainda andam de charrete, as noivas ainda fotografam seus álbuns no jardim, a banda ainda toca no coreto todo final de semana e, em sua roda, casais idosos vão dançar, a fonte luminosa ainda brilha ao som de músicas clássicas, ainda se marcam encontros na praça, ainda se passeia com cachorros e se brinca no parquinho, a Chalana dos Artistas ainda anima o carnaval na praça”. E isso me encanta e tem um poder de me conectar com o passado, mesmo estando tão presente no agora.

Os ambientes naturais – como parques, praças, florestas, praias, enfim, espaços onde o corpo se conecta com a natureza –, são percebidos como locais de relaxamento, contemplação e restauração mental. Essa conexão entre natureza e emoções positivas tem sido objeto de pesquisas que buscam compreender os benefícios psicológicos e fisiológicos da exposição aos ambientes naturais. Afinal, como confirmam hoje diversos estudos da neurociência, é inegável que o ambiente exerce uma influência significativa na construção de nossas emoções. Através da estimulação dos nossos sentidos, o meio em que vivemos é capaz de moldar nossa experiência emocional, razão pela qual a relação entre ambiente e emoções vem sendo estudada em diversas áreas do conhecimento, como a Psicologia, a Medicina, a Geografia, a Arquitetura, o Design e o Urbanismo. Sendo essas três últimas, as lentes pelas quais observo como a forma de nos apropriarmos do espaço/lugar está estreitamente ligada às emoções e aos sentimentos que esse espaço/lugar nos evoca. E como essas emoções e sentimentos tanto influenciam nos mapas mentais e nas memórias dos seus habitantes e usuários.

Nas áreas de conhecimento em Arquitetura, Design e Urbanismo, teorias que envolvem a análise de como as construções dos espaços influenciam na saúde do indivíduo frequentemente apontam para o meio natural como um refúgio para a mente humana. Como a Arquitetura do Bem-estar, por exemplo, que enfatiza a importância de se criarem espaços que promovam conexões sociais, atividades físicas e acesso à natureza. Isso porque espaços verdes e ambientes naturais, que compõem a paisagem das cidades, são percebidos pelos seus usuários como mais bonitos, prazerosos e restauradores, contribuindo para a redução do estresse, da ansiedade e da fadiga mental.

Essa percepção emocional pode ser atribuída a diversos fatores. A presença de elementos naturais, como árvores, flores e água, estimula positivamente os sentidos, porque promove uma sensação de calma e conexão com a natureza e desempenha um papel crucial no bem-estar emocional e mental das pessoas. Além disso, os elementos construídos também podem estimular essa conexão, como defende Donald Norman em seu conceito Design Emocional, que compreende que, ao entrarmos em contato com qualquer objeto, agregamos sentidos a ele e às suas características de forma inconsciente.

As cidades são sistemas pulsantes, que estão em consonância com o ritmo da vida humana que as sustentam. Mesmo as vibrantes e por vezes aceleradas, ou as calmas, bucólicas e pacatas, cada uma a seu jeito traz um convite para se entrar em um mundo onde formas, cores, texturas, cheiros e sons se entrelaçam em uma sinfonia única. Essa experiência sensorial desperta emoções, sentimentos e afetos, que são gerados a partir de sensações e percepções múltiplas, e ao mesmo tempo muito particulares para cada pessoa. Por essa razão estão tão conectadas a todo tipo de emoções – como aquelas do filme Divertida Mente 2, que tanto me encantaram.

Quais emoções, sentimentos e memórias, atam, ou desatam, seus vínculos com a sua cidade? Pergunte à sua mente. E todas as vezes que visitar um novo local ou pensar nos espaços do ambiente onde você habita, tenha em mente: a cidade é um sistema complexo que é influenciado e influencia as pessoas que a habitam, e é fundamental que sejam projetadas e gerenciadas de forma a promover a qualidade de vida e bem-estar dos seus habitantes. Que vivenciar essas sensações de forma prazerosa seja possível por muitas e muitas vezes, das mais encantadoras e diferentes maneiras, seja em nossa cidade, seja em qualquer outra que possamos visitar. Pois a magia de cada uma tem o poder de nos encantar, nos extasiar e nos marcar, como emoções que contam histórias e que ficam registradas para sempre em nossas mentes.

Prof. Gustavo Reis Machado

O vínculo entre as suas emoções e a sua cidade é o tema do artigo do professor do Curso de Arquitetura Gustavo Reis Machado. O docente descreve seu vínculo com a sua cidade natal, Poços de Caldas. Para ele, o ambiente exerce uma influência significativa na construção de nossas emoções. O autor defende que através da estimulação dos nossos sentidos, o meio em que vivemos é capaz de moldar nossa experiência emocional, razão pela qual a relação entre ambiente e emoções vem sendo estudada em diversas áreas do conhecimento.

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