Abelhas são engenhosas no fazer de suas colmeias. A regularidade das formas geométricas que adotam e a funcionalidade dos espaços que constroem têm a força de derrubar o queixo do mais ousado arquiteto. O ser humano, por sua vez, nem sempre é perspicaz na forma como ocupa as cidades. Com frequência, a expansão das áreas urbanas se dá em desalinho com o meio ambiente, resultando em desequilíbrio.
A degradação da mata nativa, decorrente do avanço da urbanização, explica um fenômeno observado no centro de Poços de Caldas. Dezenas de colmeias de abelhas sem ferrão (ASF) são encontradas hoje na região central, especialmente na praça Pedro Sanches, um dos principais cartões postais da cidade. Elas costumam instalar seus ninhos nos espaços ocos de árvores antigas e frestas de muros, mas podem ser encontradas nos lugares mais inusitados. Até mesmo o escapamento de um carro abandonado pode se tornar um bom lar.
A situação preocupa, mas não porque represente qualquer perigo a quem passa pelas abelhas, uma vez que as ASF são inofensivas aos humanos. A principal ameaça diz respeito aos próprios animais, pois correm risco de extinção. Na zona urbana, ficam vulneráveis a ações nocivas para a espécie, como a poda das árvores em que estão as colmeias, a contaminação por pesticidas e a exploração não regulamentada dos ninhos para fins comerciais.
Atento a este problema ambiental, o professor Ezio Frezza Filho, do Curso de Direito da PUC Minas Poços de Caldas, elaborou o projeto de extensão Cidade das Abelhas – Legislação Ambiental, em desenvolvimento desde o início de 2022. O objetivo é atuar, ao longo de todo o ano, na catalogação das espécies de ASF presentes no centro do município e na proposição de uma legislação que oriente a interação com os animais, de modo a garantir sua preservação.
Uma paixão que nasceu em casa
O interesse do professor Ezio pelas ASF surgiu na pandemia. A criação deste tipo de inseto foi um hábito adotado por muitas pessoas durante o isolamento social, como o docente e sua esposa. O casal tem hoje várias caixas em que são abrigadas abelhas, inclusive algumas do modelo didático, que permitem observar os animais para fins educacionais. Essas caixas atraíram até mesmo a mirim-preguiça, uma das menores espécies do mundo.
Pouco a pouco, Ezio foi se encantando por este tipo de manejo, pela engenhosidade dos ninhos e pela inteligência das abelhas – que, conforme relata o professor, são capazes de voar em um raio de até um quilômetro e voltar em segurança para a caixa. Com o avanço do combate à pandemia e a retomada do acesso aos espaços públicos, ele notou a presença de diversas espécies de ASF na região central de Poços de Caldas. Elaborou, então, o projeto de extensão, com base em iniciativas similares registradas em outros municípios, como Curitiba (PR), São Paulo (SP) e Uberlândia (MG).
“Não se trata de tirar as abelhas do ambiente urbano, mas de entender esse processo de ocupação e apontar caminhos para uma interação sustentável. Identificar as árvores em que as abelhas estão presentes, regularizar sua poda, evitar a aspersão de herbicidas e fungicidas e controlar a captura são algumas das ações que propomos”, explica o docente.
Em sinergia com o poder público
No momento, o Cidade das Abelhas conta com dois alunos bolsistas do Curso de Direito: Isabella Casagrande Duarte, do oitavo período, e Evaldo Zappia, do sétimo período. Ambos estão no projeto desde o início de 2022 e veem sua participação como uma oportunidade de aprofundar o conhecimento adquirido em aula. O principal ganho, para eles, está em atuar na elaboração de um projeto de lei, um diferencial em suas formações.
Isabella sempre se interessou pelo Direito Ambiental, área em que pretende atuar profissionalmente. Suas principais atividades no Cidade das Abelhas se concentraram, até o momento, na busca e análise de legislações que pudessem contribuir para a produção do grupo. “Tem um peso muito grande participar da criação de uma lei e contribuir para preservar espécies nativas. É importante porque me aproxima não só do Direito, mas da cultura como um todo”, avalia.
Evaldo, por sua vez, dedicou-se principalmente a elaborar artigos do projeto de lei. O aluno explica que, enquanto outras legislações focam em aspectos comerciais, o material desenvolvido no projeto de extensão dedica atenção especial à preservação ambiental. “São vários conhecimentos interligados, da parte ambiental, biológica, jurídica e administrativa, por exemplo”, contextualiza.
A equipe já realizou importantes avanços. No final de agosto, o professor Ezio e os alunos Evaldo e Isabella se reuniram com a presidência da Câmara Municipal de Poços de Caldas para apresentar o projeto de uma legislação que poderá ser adotada pela cidade. As autoridades presentes na ocasião se comprometeram a analisar e dar encaminhamento à proposta com afinco. Até o fim do ano, o docente e os bolsistas acompanharão a questão junto ao poder público, buscando a melhor forma de abrigar, na pólis, as pequenas coletoras de pólen.