Reconstruindo sorrisos

Clínica de Próteses Bucomaxilofaciais devolve qualidade de vida a pacientes oncológicos e com fissuras labiopalatinas
A Clínica de Próteses Bucomaxilofaciais é um serviço de extensão do Curso de Odontologia que atende gratuitamente pacientes oncológicos e com outras malformações | Foto: Guilherme Simões
A Clínica de Próteses Bucomaxilofaciais é um serviço de extensão do Curso de Odontologia que atende gratuitamente pacientes oncológicos e com outras malformações | Foto: Guilherme Simões

Mastigar, engolir, falar, sorrir. Essas ações fazem parte do cotidiano de qualquer pessoa, mas se tornam um desafio para as pessoas que enfrentaram ou estão enfrentando um câncer de cabeça e pescoço, denominação genérica para tumores que se localizam em regiões como boca, língua, palato mole e duro, gengivas, amígdalas, seios paranasais, fossas nasais e glândulas salivares. Segundo dados da Biblioteca Virtual do Ministério da Saúde, cerca de 700 mil novos casos desses são diagnosticados anualmente no mundo. E, assim como a maioria das neoplasias, um dos principais problemas para o tratamento é o diagnóstico tardio, que ocorre em 60% dos casos, com impacto negativo na sobrevida do paciente. É um desfecho triste, porém comum, que esses pacientes sofram algum tipo de mutilação no processo de retirada do tumor.

Sônia Maria Rosa da Silva, de 60 anos, é parte dessa estatística. Diagnosticada com um Carcinoma Adenoide Cístico em 2011, ela perdeu a arcada dentária e o maxilar direito durante a cirurgia que fez parte do tratamento contra a doença, o que fez com que ela se tornasse dependente de uma prótese para se alimentar ou se comunicar. “Eu só consigo falar se eu estiver com prótese porque sem ela o som não sai direito”, explica. Após 12 anos utilizando o aparato, ela viu a necessidade de substituí-lo, pois a sua prótese já não se ajustava à boca adequadamente, o que lhe causava ferimentos e dores. Ela esbarrou, entretanto, na dificuldade de encontrar um local que produzisse próteses conforme a especificidade do seu caso. “Chegaram a me falar para ir a São Paulo fazer o tratamento lá. Foi quando um dentista me indicou a Clínica da PUC Minas”, conta.

A Clínica de Próteses Bucomaxilofaciais é um serviço de extensão do Curso de Odontologia que atende gratuitamente pacientes oncológicos e com outras malformações que necessitam reconstruir órgãos da cabeça e da face, como olhos, nariz, orelha e palato (ou céu da boca). A cada semestre, cerca de dez pacientes que, entre outras enfermidades, passaram por ressecção cirúrgica de tumores nas regiões da face e cabeça são atendidos quinzenalmente por alunos extensionistas, sob a orientação dos Professores Doutores Paulo Seraidarian e Emmerson Reis, que coordenam a Clínica desde sua fundação em 2021. Eles atuam no acolhimento, na anamnese, na produção da ficha clínica e na produção das próteses, que são confeccionadas em resina acrílica e silicone. “Atendemos uma paciente que só comia gelatina há seis meses porque não conseguia engolir. Ela não tinha céu da boca por causa de um câncer”, conta o Prof. Paulo Seraidarian, idealizador da Clínica.

O tratamento é gratuito e os pacientes são encaminhados pelos principais hospitais de Belo Horizonte, bem como de cidades do interior do Estado. Além de pacientes oncológicos, há também pacientes com fissura labiopalatina, comumente conhecida como lábio leporino. “O Hospital da Baleia é um centro de referência nacional em tratamento de fissurados palatinos, mas nem sempre a cirurgia consegue cooptar e fechar todo o palato. Vários pacientes acabam sendo direcionados para cá, para fazer a complementação por meio de próteses obturadoras”, explica o Prof. Dr. Paulo Seraidarian.

O prof. Emmerson Reis destaca que essa é uma especialidade da Odontologia que carece de profissionais. Ele lembra de uma paciente que viajava 12 horas de ônibus para se tratar na PUC Minas, justamente por não haver esse tipo de atendimento em sua região. “A Universidade está abrindo uma possibilidade para poder oferecer um tratamento gratuito. Isso tem um alcance social muito grande, principalmente para a população que não tem recursos”, afirma.

Professores Paulo Seraidarian e Emmerson Reis coordenam a clínica desde a criação em 2021 | Foto: Guilherme Simões

Fazendo as pazes com o espelho

Além de devolver a funcionalidade aos órgãos da face, as próteses têm, também, um importante papel estético. “A prótese me traz de volta a possibilidade de sorrir. Ela é fundamental para eu falar e me alimentar, mas também para a minha autoestima”, conta Sônia. Paulo Seraidarian se recorda de uma paciente que perdeu o olho devido a um câncer de pálpebra, e o trabalho da Clínica fez toda a diferença na sua vida. “Confeccionamos o olho em acrílico e silicone. Ela não sai na rua sem a prótese, com a prótese ela sai”.

Em alguns casos, a prótese de silicone passa por um processo de maquiagem para que o material fique com o mesmo tom da pele do paciente, sendo usando como referência a cor da palma da mão para fazer a caracterização. “Já conseguimos devolver a um senhor, por meio de uma prótese, o contato com o neto que tinha medo da deformidade no rosto dele, provocada pela retirada de um câncer”, relata.

Não é apenas uma questão estética. Ao devolver funcionalidade e influenciar na autoestima, as próteses proporcionam algo fundamental para se viver bem: qualidade de vida. “São pacientes que vêm com debilidades físicas e psicológicas também. Então, quando você devolve função, você reinsere o paciente na sociedade. E eu creio que isso tem um papel muito importante no tratamento do paciente e na cura dele”, afirma.

Atendimento humanizado

Atualmente, 16 estudantes do Curso de Odontologia da PUC Minas atuam na Clínica de Próteses Bucomaxilofaciais. A atividade extensionista não faz parte do currículo obrigatório, mas é uma oportunidade de exercitar o que apenas a sala de aula não ensina: o exercício do acolhimento e do cuidado. Bruno Henrique Andrade Vieira e Marco Antônio Fonseca Morais, estudantes do 11º período do curso noturno, são os responsáveis pelo atendimento e acompanhamento de Sônia Maria Rosa da Silva neste semestre. “A cada 15 dias, nós fazemos os ajustes para a melhor adaptação dela. Hoje ela chegou reclamando de dor, nós fizemos a adaptação e ela falou que a prótese não está machucando mais”, explica Marco Antônio.

Para Bruno, a experiência de extensão permite que os estudantes enxerguem além da Odontologia. “Nós aprendemos a lidar com o paciente e a ver suas necessidades. É compreensível a pessoa ter insegurança para sair de casa e de ser malvista por não ter os dentes, por exemplo, ainda mais em uma sociedade que valoriza demasiadamente a estética. Então, a prótese realmente devolve a autoestima à pessoa. É maravilhoso o trabalho reabilitador”, reflete.

Paulo Seraidarian encara como uma missão pessoal e profissional formar estudantes que, assim como Bruno e Marco Antônio, se interessem por essa vertente da Odontologia. “Eu luto para formar alunos que possam atender esses pacientes porque a necessidade deles é muito grande. Normalmente, nós não os vemos porque eles não saem de casa por vergonha, por isso que nós não vemos pessoas mutiladas. Eu e o professor Emmerson temos uma meta que é formar profissionais que atuem nessa área e que vão reintegrar o paciente à sociedade. Nossa função aqui é reintegrar o paciente mutilado para conviver”, idealiza.

Bruno Henrique Vieira e Marco Antônio Morais, estudantes do 11º período, acompanham o tratamento de Sônia Maria da Silva | Foto: Guilherme Simões

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