Vínculo que reabilita

Por meio da cinoterapia, cães auxiliam na reabilitação de crianças na PUC Minas Betim
Desde que iniciou o tratamento, Bernardo Andrade, que nasceu com mielomeningocele e hidrocefalia associada, está mais alegre e bem disposto, segundo a família | Fotos: Raphael Calixto
Desde que iniciou o tratamento, Bernardo Andrade, que nasceu com mielomeningocele e hidrocefalia associada, está mais alegre e bem disposto, segundo a família | Fotos: Raphael Calixto

Que o cachorro é o melhor amigo do homem, todos já sabemos. Não é novidade que os bichinhos de quatro patas desempenham um papel muito importante no dia a dia daqueles que têm a oportunidade de usufruir dessa companhia, que costuma deixar o cotidiano mais alegre. Além de serem excelentes companheiros, os cães possuem habilidades que permitem a eles executarem diversas tarefas e uma delas tem ganhado grande destaque nos últimos anos: a de auxiliarem na reabilitação de pessoas por meio da cinoterapia.

A cinoterapia é uma técnica de intervenção terapêutica considerada como uma subdivisão da Terapia Assistida por Animais (TAA) e é exatamente por meio dela que Pluto e Jessie, da raça Golden Retriever, estão sendo alguns dos protagonistas na melhora da qualidade de vida de crianças atendidas no Ambulatório de Saúde da Criança, que pertence à Clínica de Fisioterapia da PUC Minas Betim.

Os atendimentos acontecem por meio do projeto de extensão Cinoterapia Multidisciplinar: um vínculo que reabilita, proposto pelo Curso de Fisioterapia da PUC Minas Betim, com o apoio dos cursos de Medicina Veterinária e Medicina, Campus Betim, em crianças da rede do Serviço Único de Saúde (SUS Betim).

De acordo com a coordenadora do projeto, professora Patrícia Lemos Bueno Fontes, neste tipo de terapia lúdica e diferente, os animais contribuem como facilitadores do aprendizado do movimento. “Muitas vezes, as crianças sentem dificuldade em realizar os movimentos que precisam, mas quando elas veem os cães por perto, se sentem motivadas a realizá-lo voluntariamente, seja para andar até ele, fazer carinho ou colocar algum enfeite nos pelos”, destaca.

Com início em março deste ano, o projeto já beneficiou 19 famílias. Uma delas, é a de Samuel, um garoto de três anos que nasceu prematuro, com paralisia cerebral e microcefalia. Segundo a mãe, Priscila Maria Angelica Bragança, desde que os atendimentos começaram, Samuel se movimenta mais.

“No início, meu filho era muito rígido para as atividades. Até para vestir roupa, pelas suas condições, era difícil. Hoje ele se movimenta mais, estende as pernas, os braços, levanta o tronco. Ele se sente estimulado com os atendimentos. Essa experiência com os animais tem sido muito bacana para todos nós”, ressalta.

Para Priscila, que descobriu a Clínica de Fisioterapia por meio de um grupo de mães, no Whats App, ter esse tipo de terapia disponível é um alívio. “Existem muitas crianças que precisam do atendimento, mas infelizmente poucos lugares oferecem ou têm a estrutura necessária. Se fôssemos pagar o tratamento, seria muito caro”, diz.

Além do estímulo físico, a professora Patrícia Lemos explica que a cinoterapia possui vários outros benefícios, como o maior desenvolvimento de sentimentos positivos, da interação social e emotiva, da troca de afeto, do prazer em estar na companhia do animal, rindo e brincando com ele, além da sensação de conforto e bem-estar.

Bernardo Rafael da Silva Andrade, de cinco anos, nasceu com mielomeningocele e hidrocefalia associada, um diagnóstico que gera atraso em seu desenvolvimento global (neuropsicomotor). Desde que iniciou o tratamento, a família tem observado o quanto está mais alegre e disposto. Em todas as consultas que realiza na companhia dos amigos de quatro patas, a primeira pergunta que faz é: “Será que meus amiguinhos vão caçar tesouro comigo?”.

Para a sua mãe, Camila Márcia da Silva Andrade, as mudanças no comportamento do filho foram notórias desde as primeiras consultas. “Os cães são uma alternativa de distração, importantes estimuladores e grandes motivadores, aliviando o desgaste do diagnóstico. Ele ama (fala dele mesmo) fazer o atendimento acompanhado por um deles. Esse vínculo entre ele, Pluto e Jessie é muito importante para se sentir cada vez mais seguro”, salienta.

Cão terapeuta é devidamente adestrado

Desde filhotes, Pluto e Jessie são treinados para serem pacíficos, educados e sociáveis com outros animais e pessoas. Para que possam contribuir no processo de reabilitação, o indicado é que os cães sejam adestrados e tenham um temperamento dócil, amistoso e sociável, como explica o professor do Curso de Medicina Veterinária da PUC Minas Betim, Marcos Paulo Antunes de Lima, integrante do projeto.

“O cão não pode ser medroso, assustado ou ter um histórico de agressividade. Ele deve ter um comportamento tranquilo e relaxado, sem requerer atenção e foco extremo, como acontece com um cão guia. Ele deve permitir, principalmente, ser tocado e conduzido por diferentes pessoas” explica.

A cada sessão realizada, os “cães terapeutas” da PUC Betim são avaliados cuidadosamente antes, durante e após os procedimentos, por alunos do Curso de Medicina Veterinária, além de integrantes da clínica, para que todos tenham real consciência e cuidado com eles.

O professor Marcos Paulo explica que nesses momentos são avaliados, principalmente, quesitos referentes ao estresse, para que seja garantido o bem-estar dos animais. “Como qualquer indivíduo, eles também estão passíveis de passar por situações de estresse ou cansaço físico e emocional. Para se reduzir isso, deve-se respeitar o tempo e espaço do cão, quando ele quer descansar ou simplesmente brincar fora de seu local de serviço”, ressalta.

Ele reforça, ainda, que ter uma rotina adequada de alimentação, higiene e exercícios também é importante para que os cães estejam preparados para a jornada de interação.

Aprendizado que transforma

Ana Luísa Terra Lasmar, do 8º período do Curso de Medicina, com a cachorra Jessie, diz que participar dos atendimentos de cinoterapia tem sido algo singular para a sua formação profissional

O projeto Cinoterapia Multidisciplinar conta com a participação de três professores e 16 alunos do Campus. Além de contribuir para a maior qualidade de vida das famílias, ele também colabora na formação acadêmica dos alunos, proporcionando a eles uma nova experiência.

“Uma vivência importantíssima para a formação do médico é a reabilitação. E o que eu percebi durante o meu acompanhamento do projeto foi encantamento dos alunos pelas crianças, pelos cães, pelo descortinamento de um mundo novo de possibilidades de cuidar, muito além dos diagnósticos e das medicações”, defende a professora Patrícia Regina Guimarães, do Curso de Medicina da PUC Minas Betim.

Estender a Universidade para além dos muros, interagir com a comunidade, trocar saberes e muitas vezes mudar a vida das pessoas são alguns objetivos de todo projeto de extensão. Entusiasmada com a oportunidade de desenvolver novas habilidades, Ana Luísa Terra Lasmar, do 8º período do Curso de Medicina no Campus Betim, diz que participar dos atendimentos de cinoterapia tem sido algo singular não só para a sua formação profissional.

“Participar desse projeto exige dedicação, comprometimento e relações interpessoais. Isso desenvolve várias habilidades, como uma maior autonomia, comunicação, autoconfiança e interação social. Além da sensação positiva que é observar o desenvolvimento dos pacientes em âmbito social, cognitivo, funcional e afetivo”, ressalta a aluna.

De acordo com a coordenadora do projeto, professora Patrícia Lemos Bueno Fontes, neste tipo de terapia lúdica, os animais contribuem como facilitadores do aprendizado do movimento

Projeto regulamenta a prática

No Brasil, a cinoterapia vem sendo utilizada de forma experimental há décadas e, mais recentemente, vem se difundindo e tornando cada vez mais profissional. Por isso, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou, no último ano, o Projeto de Lei 682/21, que regulamenta a cinoterapia.

Segundo o texto aprovado, para que o paciente tenha acesso ao tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), será necessária uma prescrição médica que esteja de acordo com os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas publicadas pelo Ministério da Saúde.

O projeto tramita em caráter conclusivo e ainda será analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família, além de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Hoje a técnica já é adotada em vários estados do país.

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