Espécies de peixes comuns na mesa dos brasileiros como surubim, dourado e traíra podem representar um risco à saúde dos consumidores. Dados inéditos de projeto de pesquisa desenvolvido pelo Curso de Medicina Veterinária mostram que várias espécies de peixes do Rio Paraopeba, mesmo após mais de quatro anos do rompimento de barragem em Brumadinho, continuam apresentando altos níveis de metais nocivos nos tecidos. O consumo de peixes contaminados por humanos pode levar ao acúmulo de metais nas células do organismo, causando a complicações renais e danos cerebrais e até mesmo causar câncer a longo prazo. O projeto é financiado pelo CNPq, Fapemig e pelo Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIP) PUC Minas.
O Prof. Dr. Nilo Bazzoli, coordenador do projeto e professor do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde e do Programa de Pós-graduação em Biologia de Vertebrados, explica que “os resultados mostraram que os peixes do Paraopeba estão impróprios para o consumo humano. No filé foram encontradas substâncias como cádmio, cromo, cobre e chumbo que ultrapassam os limites seguros ao consumo estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”. O estudo mostrou elevados níveis de metais pesados na musculatura dos peixes, no fígado, brânquias e gônadas, registrando valores acima do limite legal para vários metais, o que gera diversas alterações nesses órgãos. De acordo com o professor, esse fato é muito preocupante do ponto de vista ecológico e econômico da região do Paraopeba, uma vez que a água do rio e os peixes são fontes de subsistência para várias famílias ribeirinhas.
O estudo avaliou exemplares de peixes de interesse comercial como o surubim, o dourado, a traíra, o curimbatá e o jundiá, que foram coletados em um ponto específico do Rio Paraopeba, em uma das regiões mais afetadas pela tragédia de Brumadinho. Após o rompimento da barragem, foi possível perceber que o perfil dos metais predominantes no rio foi alterado, porém várias espécies continuam a apresentar altos níveis de metais nocivos em seus tecidos. A pesquisa, que coletou dados sobre os níveis de metais na água e nos peixes antes e depois do rompimento da barragem, possibilita um cenário comparativo muito interessante do ponto de vista ambiental.
“Nos peixes estudados por nós, as quantidades de metais encontradas variaram muito entre os tipos de peixe. Espécies carnívoras e espécies que vivem junto aos sedimentos do rio tendem a acumular mais metais que outras espécies, como por exemplo, espécies de grande importância econômica como surubim, dourado, traíra e curimbatá”, explica o professor Nilo Bazzoli.
Em 2019, um artigo publicado pelo professor do Programa de Pós-Graduação em Biologia de Vertebrados, Dr. Alessandro Loureiro Paschoalini, na revista Ecotoxicology and Environmental Safety, já apontava que no Paraopeba e a espécie curimbatá apresentava altos níveis de alguns metais altamente nocivos como cádmio e chumbo.
“Os resultados produzidos por nós devem servir como alerta para sociedade como um todo, pois a contaminação por metais pesados não está restrita apenas ao Rio Paraopeba”, afirma Alessandro. O professor explica que, no projeto atual e em publicações anteriores, foi demonstrado que a contaminação por metais pesados pode afetar todos os níveis da cadeia alimentar, inclusive seres humanos, acumulando-se nos organismos ao longo da vida e gerando vários problemas moleculares, celulares e sistêmicos. “No meio acadêmico, os dados obtidos por nós anteriormente ao rompimento, juntamente com os dados atuais, poderão gerar comparações inéditas para a ciência do ponto de vista toxicológico e ecológico”, finaliza.
A médica veterinária Camila Leandro Gomes Soares participou como aluna de graduação do projeto e o utilizou como objeto de estudo de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Ela explica a relevância do estudo para a Saúde Única – termo descrito pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) – que abrange tanto a saúde animal, quanto humana e ambiental. “Esses peixes contaminados são consumidos por outros animais e também pela população que habita a região, especialmente a população ribeirinha, comunidade caracterizada por sua condição de alta vulnerabilidade”, explica Camila. “Somos profissionais da saúde e trabalhar com essa pesquisa que abrange a Saúde Única, faz com que tenhamos uma maior compreensão do nosso papel enquanto médicos veterinários na sociedade”, afirma.
Regulamentação
Existem vários órgãos de controle no mundo com diferentes regulamentações sobre as quantidades de metais permitidas para consumo. No Brasil, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece os limites de metais pesados na água. Por esta regulamentação, as quantidades máximas permitidas de chumbo na água devem ser de 0.01 mg/ml. Já no Canadá, o órgão regulador estabelece que o limite de chumbo deve ser dez vezes menor (0,001 mg/ml). Já a regulamentação e estabelecimento de limites de metais em órgãos e tecidos ainda não possuem limites estabelecidos pela Anvisa, responsável pela normatização no Brasil. Metais como alumínio, cobre, cromo, ferro e manganês, não possuem limites seguros, mesmo que estudos comprovem que podem ser danosos à vida em determinados graus de contaminação.