A tecnologia é um importante fio condutor das mudanças do mundo em seus aspectos social, político, econômico e produtivo ao longo da evolução histórica do sistema capitalista e propiciou avanços nos diversos campos do conhecimento e da vida cotidiana, gerando conforto e facilidades.
Mas o avanço da tecnologia também serviu de suporte para a elevação dos níveis de distorção e desigualdade sociais podendo-se falar, em termos de proteção do trabalho, que ele gerou involução ao longo do desenvolvimento do sistema produtivo no capitalismo: taylorismo, fordismo, toyotismo e uberismo.
O mercado produtivo vivencia uma comodificação cada vez mais abstrata, na medida em que hoje a mercadoria geradora de lucro deixa de ser majoritariamente a propriedade e passa a ser, em grande parte, os dados coletados pela inteligência artificial.
Zygmunt Bauman caracterizou a modernidade sólida pelo trabalho fabril assalariado e pela indústria pesada. Na sequência, a solidez deu lugar à flexibilidade e ao incentivo à participação ativa do trabalhador, com o falso mito da meritocracia e do empreendedorismo, resultando na modernidade líquida. Agora o capitalismo é organizado nas redes com o uso da tecnologia da informação, caracterizado pelo tempo real e pela reprodução do real no virtual. O líquido se gaseifica, potencializando a sublimação de profissões e de atividades econômicas tradicionais, como nos mercados de táxis e da hotelaria, para na sequência, novamente, solidificar-se, agora virtualmente, em forma de dados.
Note-se que os capitalistas detentores da tecnologia da informação, através do controle das dinâmicas logísticas que caracterizam os processos de desterritorialização e reterritorialização que atravessam as redes algorítmicas, exploram simultaneamente os dados, mas também a indústria e o trabalho subalterno, ou seja, um trabalho não mais protegido pela relação formal de emprego.
Se debruçarmos nosso olhar para algumas das maiores empresas globais na atualidade, tais como Amazon, Walmart e Uber, todas elas têm em comum o fato de venderem seus produtos e serviços muito baratos, mas, em contrapeso, com uma assombrosa exploração de seus trabalhadores e fornecedores. E, se observarmos em perspectiva o desenvolvimento dos sistemas produtivos, o fio condutor dessa evolução foi a tecnologia, mas sempre ao lado do trabalhador e de sua envergadura jurídica, o que não transcorreu de maneira linear, ora evoluindo, ora involuindo.
Este parece ser o caso claramente vivenciado na era Uber, que vem propiciando a vulnerabilidade dos trabalhadores plataformizados à luz do Direito do Trabalho, em um franco movimento de precarização do trabalho humano. A aceleração algorítmica do capitalismo propiciada pela tecnologia da informação, no contexto do trabalho humano, lamentavelmente, acirra o processo de destruição dos empregos e da rede de proteção social. São novas tecnologias, mas que mantêm a velha fórmula de exploração do trabalho humano.
A Era Uber dá nome e ares de novidade a um antigo e já conhecido modo de exploração do trabalho, agora viabilizado pelo algoritmo. O aplicativo recruta o trabalhador para se tornar entregador de pessoas, de bens e de comidas e, pelo simples fato de o trabalhador “poder” (ainda que efetivamente não possa, haja vista que, para receber um valor razoável, precisa se ativar na plataforma em média durante 12 horas por dia) se desconectar da plataforma, surge a discussão sobre a sua autonomia.
O detalhe de se desconectar quando quiser ou de fazer sua própria jornada, tecnicamente, não são fundamentos jurídicos válidos para conferir autonomia ao trabalhador e afastar a relação de emprego. Mas o fato de ser suspenso ou até mesmo banido do sistema ao recusar viagens ou ser mal-avaliado pelos clientes são fundamentos robustos e suficientes para mostrar que esses trabalhadores não estão situados na esfera da liberdade, mas sim na da necessidade.
Na verdade, a plataforma funciona como verdadeiro instrumento do poder diretivo, definindo como, quando, por quanto tempo e a que preço o trabalho do motorista/entregador deve ser prestado, se valendo de mecanismos de punição e banimento quando a prestação do serviço fugir das regras prévia e unilateralmente definidas pela Uber.
A realidade mostra que há milhões de homens e mulheres desempregados, que antes faziam parte de uma economia formal, muitos deles com educação superior completa, e que viram na Uber a possibilidade de sobrevivência.
Se observa uma dualização do mercado de trabalho, de um lado empresas que geram uma elite de trabalhadores, com salários altos e considerados relativamente estáveis em sua situação laboral; de outro, uma esmagadora maioria de trabalhadores precários, mal remunerados, sem nenhum nível de proteção social e de seguridade social, falsamente chamados de empreendedores, num processo de evangelização deletéria, vulnerabilizados e relegados à própria sorte.